Micro Cosmo
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24/07/95

< O Primeiro Disco Rígido a Gente Nunca Esquece >


Gastamos tanto tempo nos detalhes do comando FORMAT que até corremos o risco de perder o rumo da conversa. Para os que não se lembram, estávamos discutindo os dispositivos de armazenamento. Mais particularmente os discos. Quando começamos a falar neles, mencionamos que havia de dois tipos: os rígidos e os flexíveis. Sobre os rígidos, chegamos até a desfiar uma coluna inteira. Depois voltamos nosso interesse para os flexíveis como se só eles existissem. Ou, pelo menos, como se fossem os mais importantes.

Mas só fizemos isso porque é mais fácil explicar certas características comuns aos discos usando os flexíveis como exemplo, por serem mais simples. Porque mais importantes, não são mesmo. Tanto que, nos dias de hoje, dificilmente você encontrará por aí um micro sem disco rígido, só com drive para disquetes. Mas encontra um monte de micros portáteis sem drive para disquete, só com disco rígido (é claro que sempre é possível conectar um drive externo a esses micrinhos para instalar programas e copiar arquivos dos disquetes para seu disco rígido, mas no dia a dia eles funcionam mesmo somente com o disco rígido).

É claro que nem sempre foi assim. Nos primórdios da informática pessoal não existiam microcomputadores com discos rígidos. E a razão era simples: não havia micros com discos rígidos porque não havia discos rígidos. Que só foram inventados um par de anos depois mas custavam tão caro que usá-los nos micros pessoais era inconcebível.

Eu mesmo ainda me lembro do primeiro disco rígido que vi, nos idos de 84, em um escritório de engenharia. Era um drive externo. Morava na mesa de trabalho: um trambolho mais o menos do tamanho e formato de uma caixa de sapatos repousando com ar imponente ao lado do micro. O amigo Otávio, meu primeiro cicerone nas escorregadias trilhas da informática, apontou emocionado para aquela notável trapizonga e revelou com a voz embargada pelo respeito que impunha tamanha maravilha da tecnologia: “Você está vendo isso aí? É um disco rígido. Custou uma pequena fortuna, mas nele cabem dez megabytes. Dez milhões de bytes! Não é incrível?”

Eu sacudi a cabeça afirmativamente, quase com veneração, maravilhado pelo fato de tanto conteúdo caber em tão pequeno continente. E se naquele momento alguém me contasse que dez anos mais tarde haveria discos rígidos do tamanho de uma caixa de fósforos, custando poucas centenas de dólares e capazes de armazenar muitas centenas de megabytes, eu certamente mandaria internar tal visionário no hospício mais próximo.

Evidentemente, meu primeiro micro não tinha disco rígido. Na verdade, não tinha nem mesmo drive para disquetes: era um pobre MSX que usava fita cassete como meio de armazenamento magnético. Logo sua lentidão se tornou insuportável e comprei um drive de disquetes para o bichinho. Mas o primeiro disco rígido só foi comprado para equipar o segundo micro, um valente XT, já velho de um ano, que até então funcionava na base de dois drives de disquetes, do jeito que descrevi semana passada: um para o disco do sistema operacional e programas, outro para o disco onde seriam gravados os arquivos de dados.

Eram os tempos negros da infame reserva de mercado. Naquela época, para ter um disco rígido havia que se recorrer a expedientes escusos e violar a lei. Falando nisso: pequeno contrabando para uso pessoal é crime? Se for, em quanto tempo prescreve? Bem, seja lá o que deus quiser, afinal sempre posso alegar que é ficção. Mesmo porque a prova do crime já nem mais deve existir por força da obsolescência.

Então, vamos lá: sendo assim, um belo dia voltei eu de uma visita ao Paraguai - onde fui por outros motivos, o que, presumo, elimina o dolo e a premeditação - seiscentos dólares mas pobre e empunhando disfarçadamente um mostrengo do tamanho de um tijolo, pesando talvez perto de cinco quilos, no qual cabiam, imaginem vocês, quarenta megabytes.

Aliás, não sei se isso seria atenuante ou agravante. Nem sei mesmo se seria o caso de mencionar o fato, mas aquele disco rígido foi o responsável por estar eu aqui hoje digitando essas mal traçadas. Pois acontece que cheguei de viagem numa sexta- feira e a ânsia por experimentar o brinquedo novo não me permitiu esperar pelo técnico que viria instalá-lo na segunda. Assim, munido apenas de alguma coragem, parcos manuais e poucas ferramentas, decidi-me a abrir o micro pela primeira vez e instalar o bicho. Foi assim que descobri que a coisa era mais fácil do que diziam, perdi o medo e acabei por fazer alguns ingênuos acreditarem que sou um expert. Mas isso é outra história que talvez um dia vos conte.

Pois é isso. Assim eram as coisas nos heróicos tempos da era do byte lascado, da qual sou remanescente. Mas o tempo passou e, por sua enorme capacidade de armazenamento, rapidez, e, hoje em dia, custo mais que acessível, os discos rígidos se tornaram indispensáveis para qualquer micro que se preze.

Por isso serão nosso assunto a partir da semana que vem.

B. Piropo