Sítio do Piropo

B. Piropo

< Mulher de Hoje >
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05/1993

< Micreiros e Usuários >


A informática, como todo ramo do conhecimento, já forjou seu jargão e criou um monte de termos que soam misteriosos aos ouvidos dos não iniciados. Mas também gerou algumas gírias inocentes, como "micreiro". Palavrinha simpática que, apesar disso, despertou reações de aversão: muita gente não gosta dela e propõe que seja substituída por "operador de computador" ou "usuário". Mas quem pensa assim certamente não pegou o espírito da coisa. Pois os significados são claramente distintos: micreiro é micreiro, usuário é usuário. E se bem que muitos micreiros sejam também usuários, nem todo usuário é um micreiro.

Usuário é aquele que usa. No caso, computadores, evidentemente. Há diversos tipos de usuários, inclusive aquele pobre coitado que todo santo dia senta-se na frente de uma máquina que conhece pouco porque nunca teve interesse em descobrir seus segredos, passa horas a fio digitando coisas que não entende em um teclado hostil e, de quando em vez, se assusta com incompreensíveis mensagens de erro em uma tela inamistosa. Limita-se a aprender o mínimo necessário para cumprir suas tarefas diárias, que encara como uma obrigação desagradável e rotineira sem nenhum atrativo. Odeia o micro: a maior alegria que a máquina lhe dá é a hora de desligá-la e ir para casa. Esse usuário, decididamente, não é um micreiro.

Pois micreiro é aquele que mantém uma relação de amor com a máquina. Por vezes - mas nem sempre - usa o micro no escritório. Mas geralmente - se os recursos o permitem - tem um em casa. A maquininha exerce sobre ele um fascínio irresistível. Seus mistérios são encarados com curiosidade, nunca com aversão. Cada mensagem de erro é um desafio a ser vencido. Se, quando tudo parecia correr bem, soa um bip e a tela se embaralha, jamais se desespera. Ao contrário, investiga as causas e procura descobrir como e porque o desastre aconteceu. Lê tudo que encontra sobre informática em busca da configuração que permita tirar o melhor proveito das potencialidades de sua máquina. Está sempre experimentando programas novos, mesmo sabendo que jamais terão alguma utilidade prática. Apareceu um aplicativo para traçar gráficos de funções matemáticas tridimensionais? Corre para arranjar uma cópia, instala em seu micro e extasia-se com os resultados. O programa, evidentemente, jamais terá outra serventia que não a de mostrar como funciona. Mas isso lhe basta, já que era esse mesmo seu objetivo.

Talvez você não acredite, mas há uma enorme tribo de micreiros que não são usuários. Sua atitude frente à máquina é puramente lúdica. Trata o micro como um video-game - se bem que não o use (somente) para joguinhos. É claro que, já que o bicho está disponível, às vezes é empregado para escrever uma carta, fazer os cálculos do imposto de renda, organizar os discos, armazenar a agenda de telefones ou, quem sabe, escrever um ou outro artigo para a Mulher de Hoje. Mas tudo isso é inteiramente subsidiário: a função da máquina não é ser útil, mas apenas funcionar como um brinquedo. Seu objetivo é o micro em si mesmo, não aquilo que eventualmente ele possa produzir. E, geralmente, é muito feliz, já que um micro usado assim pode ser uma fonte inesgotável de prazer.

Por outro lado, o número de usuários que não são micreiros talvez seja ainda maior. Para eles o micro é uma ferramenta de trabalho hostil, um instrumento que não apreciam, uma obrigação desagradável. Por não gostar dele, não se sentem inclinados a conhecê-lo melhor. Por isso mesmo a máquina os intimida e assusta. Sua relação com ela é tensa e difícil. E o fato de serem obrigados a usá-la os faz profundamente infelizes.

Evidentemente, a virtude está no meio: o ideal é que todo o usuário tenha um pouco de micreiro e vice-versa. Conseguir desfrutar algum prazer com a ferramenta de trabalho torna a vida infinitamente melhor, o trabalho mais fácil e a pessoa mais feliz.

Pois essa é uma das finalidades dessa coluna. Se, com ela, eu conseguir despertar o interesse de um só usuário ao ponto de transformá-lo em micreiro, terei alcançado o objetivo supremo de tornar feliz a um semelhante. E, por isso mesmo, ficarei ainda mais feliz com meu micro.

Agora, só depende de vocês. Eu estou fazendo o que posso...

B. Piropo