Sítio do Piropo

B. Piropo

< Mulher de Hoje >
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08/1993

< Rompendo Barreiras >


Pergunte a um profissional da informática, desses que vivem enfurnados nos centros de processamento de dados das grandes empresas, para que serve um computador. Ele vai listar centenas de utilidades, desde as mais óbvias como editar textos e manejar planilhas ou banco de dados até coisas especializadíssimas, como certas aplicações médicas tipo tomografia computadorizada. Mas poucos se lembrarão de citar uma aplicação singela e comum que habita nove entre dez micros: os jogos de computador. Para eles, joguinhos são uma espécie de uso indevido, uma brincadeirinha inconseqüente, algo que envergonha a ciência da informática e conspurca a pureza de suas máquinas. Jogo não! Jogo é tolice. Se quer jogar, compre um videogame ao invés de ficar usando uma máquina séria como um computador para essas baboseiras.

Será que eles têm razão? Penso que não. Acredito que os jogos são importantes e, sobretudo, úteis. Espantada? Não consegue encontrar nenhuma utilidade naquelas bobagens? Então vamos divagar um pouco.

Imagine a situação de uma pessoa que, por alguma razão, precisará se familiarizar com um computador. Alguém não especializado. Por exemplo: uma mulher como você, uma secretária que sempre trabalhou com suas agendas, arquivos de metal e máquina de escrever, com as quais se entende perfeitamente e já está mais que acostumada. Imagine ainda que, em busca de um aumento de produtividade ou outra daquelas razões que os burocratas são pródigos em inventar, sua empresa decidiu informatizar os escritórios. Não mais que de repente, aparecem aqueles caras do CPD para instalar em cima de sua mesa uma máquina estranha da qual a única coisa que lhe é familiar é o teclado.

Pronto, o cenário está montado. É claro que vai haver um programa de treinamento. Batizado com o nome intimidador de "reciclagem", naturalmente. A moça vai participar de cursos onde instrutores sisudos, usando uma linguagem hermética, vão ensinar a desvendar os mistérios da máquina e mostrar como é mais fácil trabalhar com ela que com "aquele trambolho", sua querida máquina de escrever que sempre funcionou direitinho e com a qual sempre se deu tão bem. E ela vai ter que aprender, naturalmente. Senão, adeus emprego. Resultado: ela encara aquela máquina como um corpo estranho em sua mesa, algo desumano, impessoal, que subitamente invadiu seu espaço trazendo o caos e o desconhecido. E levanta-se imediatamente uma barreira de antipatia entre ela e o micro.

Situaçãozinha desagradável, não acha? E o pior: os caras do CPD têm razão. Comparada ao micro, a máquina de escrever é mesmo um trambolho. Depois de rompida a barreira inicial, de quebrado o elo de antipatia, de adquirida alguma familiaridade com o micro, quando ela se sentir tão à vontade diante dele quanto se sentia frente à sua máquina de escrever, vai perceber que suas tarefas serão mais fáceis, mais rápidas e mais bem feitas. Corrigir um erro de datilografia requer, as vezes, rebater algumas páginas. Já num micro, basta digitar de novo a frase certa em cima da errada, que a máquina se encarrega de "ajeitar" todo o texto daquele ponto em diante. Ela vai adorar. Depois de algum tempo, vai até sentir algum remorso quando olhar para a velha companheira desprezada, a máquina de escrever que ficou em sua mesa apenas para endereçar envelopes...

Mas, afinal, onde entram os joguinhos nessa história? Fácil: a chave da questão está na frase "depois de rompida a barreira inicial". Percebeu? É só uma questão de "humanizar" o contato com a máquina. Tomar intimidade. Se sentir à vontade manejando seus controles. Perder o medo. Divertir-se com ela. E para isso, nada melhor que um bom joguinho. Não é por outra razão que todo moderno sistema operacional de computador vem acompanhado de dois ou três jogos. Para quebrar o gelo.

Foi assim que minha namorada começou. Primeiro, sentava-se aqui ao lado um tanto intimidada com meus micros e enfarada com minha mania de ficar o tempo todo diante deles. Um dia, liguei a máquina reserva, instalei uns joguinhos e ensinei-a a se entender com eles. Agora, volta e meia, é ela que me larga falando sozinho, liga a "sua" máquina e se manda para os joguinhos. E já anda interessada em aprender banco de dados...

Resultado: perdi a máquina. Tudo bem. Melhor que perder a namorada...

B. Piropo