Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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12/06/2003

< FAST >


No Brasil, a imensa maioria dos internautas ainda se conectam à Internet usando um modem ligado à linha telefônica comum. Se tiverem sorte, se a qualidade da linha for boa e se não houver interferência, conseguem transferir dados a uma taxa máxima de 56 Kb/s (quilobits por segundo). Uma minoria tem condições – técnicas e financeiras – de acesso à Internet rápida, também conhecida pela deplorável expressão “banda larga”, cujas taxas de transmissão situam-se acima dos 256 Kb/s. São os “primos ricos” da comunidade internauta. Por enquanto. Porque tem gente trabalhando para multiplicar essa taxa alguns milhares de vezes. E, usando a infra-estrutura da Internet, já conseguiram transmitir dados na taxa de 8,6 Gb/s (gigabits por segundo), cento e cinqüenta mil vezes mais rápida que a dos modems comuns e seis mil vezes maior que a da Internet rápida via ADSL (Velox, para os mineiros e cariocas, Speedy, para os paulistas). Suficiente para transferir todo o conteúdo de um DVD em cerca de cinco segundos.
Quem logrou essa proeza foi uma equipe de pesquisadores do California Institute of Technology (CalTech) dedicada ao aperfeiçoamento de um protocolo de transmissão de dados denominado FAST (Fast Active queue management Scalable TCP), o provável sucessor do atual TCP. Um feito notável nem tanto pela taxa de transmissão alcançada mas sobretudo por tê-la atingido usando a mesma Internet oferecida aos meros mortais como nós.
Para entender como isso foi possível é preciso ter uma idéia de como dados são transmitidos através da imensa teia formada pela Internet. Quando se visita, digamos, o computador de uma universidade na Inglaterra e se solicita a transferência de um trabalho científico (o mesmo ocorre, naturalmente, em uma visita a um sítio pornográfico de Quixeramobim para transferir uma foto de mulher pelada, mas o primeiro exemplo confere muito mais respeitabilidade a esse artigo, portanto esqueçam o último), o arquivo a ser transferido é fragmentado em pequenos pedaços, ou “pacotes”, de cerca de 1500 bytes cada. Cada pacote é enviado separadamente e pode seguir por uma das milhares de rotas possíveis entre o computador que o envia e o que o recebe. Quem escolhe o caminho é um protocolo denominado “IP” (de Internet Protocol), que age como um formidável controlador de tráfego, sempre investigando que nó da rede está mais “folgado” naquele momento e enviando o pacote para ele, depois para o seguinte e assim por diante, até chegar à máquina destino. O próximo pacote do mesmo arquivo pode percorrer um caminho totalmente diferente. Não importa. O que importa é que, no destino, os pacotes sejam “emendados” corretamente para restaurar o arquivo original. Quem providencia isso após verificar se todos os pacotes foram entregues e se chegaram em perfeito estado é um segundo protocolo, muito apropriadamente denominado TCP (Transmission Control Protocol). Cada pacote recebido é conferido na máquina destino usando um algoritmo de verificação tipo “prova dos nove” e, se tudo estiver nos conformes, uma confirmação é enviada à máquina origem. Se por acaso um dos pacotes extraviou-se ou corrompeu-se, o TCP providencia seu reenvio, desta vez na metade da taxa anterior para garantir que não haverá nova falha. E assim sucessivamente, até que o arquivo esteja inteiro e seguro na máquina que o solicitou.
O TCP foi desenvolvido nos anos setenta e era perfeitamente adequado às taxas e meios de transmissão da época. Nos dias de hoje e nos meios de transmissão modernos como fibras óticas, usá-lo é mais ou menos como dirigir um carro em uma estrada larga, pavimentada e segura, porém debaixo de um nevoeiro que só permite enxergar alguns metros adiante. Se correr muito e surgir um obstáculo imprevisto, não dá tempo para frear. Usar FAST corresponde a dirigir na mesma estrada, porém usando um “farol de milha” que permite perceber obstáculos a centenas de metros
A diferença essencial entre o TCP e o FAST está no hardware do computador que envia os dados e no software que controla a transmissão, também instalado na máquina origem. Os pacotes são do mesmo tamanho, mas o tempo que cada pacote leva para alcançar o destino e o tempo gasto para a confirmação do recebimento são continuamente monitorados. Ora, acompanhar de perto a transmissão permite estabelecer a qualidade da conexão, o que por sua vez permite antever a eventual ocorrência de falhas. Isso possibilita avaliar a taxa máxima que a transmissão pode alcançar e mantê-la próxima desse valor por longos períodos. E como tudo depende do hardware e software apenas da máquina que envia os dados, a transmissão pode ser feita usando a infra-estrutura disponível na Internet.
A notável façanha mencionada no começo deste artigo foi resultado de uma experiência realizada em novembro último durante a Supercomputing Conference em Baltimore, EUA. Uma equipe mista da CalTech e do Stanford Linear Accelerator Center (SLAC), trabalhando em conjunto com cientistas da European Organization for Nuclear Research (CERN, o berço da Internet) e algumas empresas particulares, fecharam uma conexão entre Sunnyvale, na Califónia, EUA, e Genebra, na Suíça (sede da CERN), separadas por mais de dez mil quilômetros. E, usando FAST em dez linhas paralelas de altíssima taxa, conseguiram sustentar por algumas horas uma transmissão de dados na taxa de 8,609 Gb/s com pacotes de tamanho padrão em linhas compartilhadas e na presença de tráfego de fundo. Isso corresponde a um aproveitamento de 88 % da capacidade de transmissão do meio (usando o protocolo TCP nessas mesmas linhas, consegue-se um aproveitamento máximo de 27 %, ou seja, taxas da ordem de 266 Mb/s em uma única linha). Detalhes podem ser encontrados no artigo da própria CalTech em
<http://pr.caltech.edu/media/Press_Releases/PR12356.html>.
É claro que foi apenas uma experiência e ainda há que percorrer um longo caminho até que a tecnologia esteja disponível. Mas provou que taxas como essas podem ser alcançadas sem alterações essenciais na infra-estrutura atual, um claro sinal que o objetivo colimado não é impossível.
E esse objetivo não é pouco ambicioso: alcançar taxas de transmissão de dados de até dez Gb/s a curto prazo e entre dez e cem Gb/s no futuro próximo. Os cientistas consideram que esse é um fator chave para a colaboração global entre instituições de pesquisa (veja artigo em
<http://netlab.caltech.edu/FAST/overview.html>).
Mas eles não são os únicos preocupados com o assunto. Muito pelo contrário. Quem está demonstrando um profundo interesse no FAST é a poderosa indústria de entretenimento americana. Porque taxas de transmissão dessa ordem são essenciais para o sistema “video on demand”, no qual o freguês escolhe o filme e o assiste na hora, em transmissão direta. E é de olho nesse suculento mercado que a Microsoft e a Disney já começaram a entabular negociações com o pessoal da CalTech.
Quem sabe isso não nos ajudará a ter uma Internet mais rápida?

B. Piropo