Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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12/08/2004

< Lançado o Amazonas >


Hoje, mais de sessenta porcento do mercado brasileiro de satélites de telecomunicações estão nas mãos de uma única empresa, a Embratel. O resto é explorado por um conjunto de empresas estrangeiras com seus próprios satélites. Mas este quadro está prestes a sofrer uma mudança significativa com a entrada em cena de um novo personagem, o satélite Amazonas, lançado às 19hs da quarta-feira da semana passada (horário do Brasil) da base de Baikonour, no Casaquistão e que deverá entrar em operação dentro de dois meses.
O Amazonas faz jus ao nome. Montado sobre uma plataforma Eurostar 3000S da Astrium, líder no setor espacial europeu (veja em <www.space.eads.net/web1/home/index.asp>), é um monumento com quase seis metros de altura, três de largura e dois e meio de comprimento pesando mais de quatro toneladas e meia e, com os painéis solares abertos, atingindo uma envergadura de 35 metros. E a tarefa de lançar a 36 mil quilômetros de altura em uma órbita geoestacionária (veja adiante) um objeto com peso e dimensões equivalentes aos de um elefante e envergadura correspondente à altura de um prédio de doze andares é uma proeza de respeito.
A responsável por essa proeza é a Hispamar (<www.hispamar.com.br/>), uma joint-venture formada pela Hispasat (<www.hispasat.com>), líder do mercado de telecomunicações via satélite na Península Ibérica com três satélites já em pleno funcionamento, e a brasileira Telemar, que com o Amazonas galga a posição de única provedora de soluções completas de telecomunicações no país.
Depois de lançado e estabilizado, o Amazonas se situará em uma vertical não muito distante da cidade de Manaus, mais precisamente na longitude 61 graus oeste. Segundo Pedro Dominguez, Diretor Presidente da Hispamar, esta posição orbital foi decidida em conjunto pela Telemar e Hispasat. Dela ele pode cobrir inteiramente o território das três Américas, Norte da África e parte da Europa.
Segundo Luiz Francisco Perrone, Presidente do Conselho de Administração da Hispamar, para pôr o Amazonas em órbita a joint-venture gastou a bagatela de 320 milhões de dólares americanos (quase um bilhão de reais) dos quais US$ 210 milhões correspondem à fabricação e lançamento do satélite, US$ 40 milhões a licenças e engenharia, US$ 20 milhões à implementação dos centros de controle e US$ 50 milhões a seguros. Com este investimento a Hispamar pretende capturar de dez a quinze porcento do mercado brasileiro de comunicações via satélite e seis porcento do mercado latino americano.
Para isto o Amazonas disporá de 51 transponders, 32 deles transmitindo na banda KU e 19 na banda C (veja adiante). Os serviços oferecidos são acesso à Internet rápida (“banda larga”), transmissão de áudio e vídeo, videoconferência, complementação de redes terrestres (Rede Privada Virtual), telefonia rural, tele medicina e ensino à distância. Sem falar na transmissão de conteúdo, televisão e telefonia.
Segundo Christophe Garnier, Diretor Comercial da Hispamar, o Amazonas pretende atender a três setores do mercado: redes de televisão, empresas de telefonia fixa, móvel e rural e aquilo que ele classificou como “multimídia”, que compreende desde Internet rápida até redes corporativas e transmissão de dados em geral. Logo após terminada a fase de testes, o Amazonas já estará utilizando vinte porcento de sua capacidade instalada (boa parte dela servindo a própria Telemar, que deverá utilizar imediatamente 12 transponders) e a Hispamar espera atingir 25 porcento até o final de 2004, chegando a algo próximo de 90 porcento em três anos. E é bom que consiga, já que a vida útil prevista para o Amazonas é de apenas quinze anos.
O lançamento de um satélite é uma operação extraordinariamente complexa. Apenas para colocar o Amazonas em órbita são necessários dez dias (veja adiante). Como o lançamento foi feito há oito, ainda faltam dois para que ele se acomode em seu lugar nos céus amazônicos. E dentro de dois meses, estará operando. Felizmente.
Por que felizmente? Ora, porque mais um satélite significa mais concorrência. E mais concorrência significa tarifas mais baixas. E as tarifas telefônicas cá pelas bandas do patropi andam pela hora da morte.
Viva o Amazonas...

Por que satélites?

Alguma vez você já se perguntou porque uma transmissão de rádio em “ondas curtas” originada no Brasil pode ser captada no Japão enquanto as transmissões de televisão, dados e até mesmo rádio FM exigem um complexo conjunto de estações repetidoras ou satélites? Para entender a razão disso é preciso algum conhecimento de física. Mas não se assuste que são noções elementares.
Tanto o rádio quanto a televisão e os modernos sistemas de transmissão de dados “sem fio” funcionam de maneira semelhante: transformam a informação (som, imagem, bytes ou seja lá o que for) em um “sinal” que é enviado a uma antena transmissora, que o dissipa no ar sob a forma de uma “radiação eletromagnética”. Se isso lhe parece complicado, imagine que essa radiação seja algo semelhante àqueles “raios da morte” dos velhos filmes de ficção científica: uma forma de transmitir energia através do espaço sem a necessidade de condutores físicos. Essa energia viaja sob a forma de “ondas” eletromagnéticas que vibram em uma determinada freqüência (ou seja, oscilam, sobem e descem; afinal, são ondas, pois não?) em um ritmo determinado. Se você instalar uma segunda antena dentro do “alcance” da primeira, ou seja, em um ponto onde a radiação emanada da primeira ainda é perceptível, ela irá captar essa radiação (energia). A segunda antena é a “antena receptora”. Se você a ligar a um aparelho capaz de “sintonizar” a mesma freqüência da onda emitida, essas ondas de energia (ou “sinal”) poderão ser reconvertidas naquilo que as originou, seja som, imagens ou dados.
O problema é que a maioria das radiações eletromagnéticas viajam em linha reta, igualzinho aos “raios da morte” dos velhos filmes (que raramente acertam no mocinho e acabam sendo refletidos em algum lugar, matando o bandido; bem feito, quem manda ser malvado...) Há apenas uma exceção: as ondas de rádio AM, especialmente as de maior freqüência, ou “ondas curtas” (sim, quanto maior a freqüência, menor o comprimento da onda). Elas se beneficiam de uma curiosa propriedade de uma das camadas da atmosfera que circunda nosso planeta. Essa camada é a ionosfera e recebe esse nome porque, por efeito da radiação solar (outra forma de energia radiante), os átomos das moléculas dos gases que a formam se separam em “íons”. E essa camada de íons reflete as ondas de rádio, fazendo-as voltar para a superfície da Terra. A transmissão de rádio feita aqui no Brasil é transformada em radiação eletromagnética que viaja em linha reta em todas as direções. Parte dela, formada pelos raios dirigidos para o alto, é refletida na ionosfera e retorna, podendo assim ser captada no Japão.
Isso fez com que o rádio, inventado por Guglielmo Marconi em 1985, se disseminasse rapidamente, já que conseguia o prodígio de transmitir voz ao vivo a centenas de quilômetros de distância numa época em que, para percorrer essas mesmas centenas de quilômetros com os meios de transporte então disponíveis, levava-se vários dias.
Infelizmente apenas as ondas de rádio gozam do privilégio de serem refletidas pela ionosfera. As de TV e demais faixas de freqüência utilizadas para telecomunicações não. Essas, seguem em linha reta, atravessam a ionosfera e se perdem no espaço sideral. Por isso, nos primórdios da televisão nós, aqui em Minas, não podíamos assistir um programa de televisão transmitido de São Paulo. Mas um selenita poderia, já que as ondas de TV, seguindo em linha reta, poderiam ser captadas na Lua (sim, você sabe que selenita é um hipotético habitante da lua).
Ora, mas se poderiam ser captadas na Lua, também poderiam ser captadas em qualquer outro satélite. Como não tínhamos mais nenhum satélite natural, começamos a fabricar os artificiais e lançá-los ao espaço. Lá de cima, eles captam as ondas (radiações eletromagnéticas) que transportam os sinais de TV, dados e telefonia e os enviam de volta à Terra através de seus “transponders”.
Por isso os satélites. (VOLTA AO TOPO)

Transponder e bandas

Transponder é um nome que deriva da combinação dos termos “Transmitter” e “Responder”, um nome complicado que poderia perfeitamente ser substituído por “repetidor”. Um transponder nada mais é que um dispositivo eletrônico contido em um satélite de comunicações que recebe os sinais gerados por uma estação transmissora na superfície da Terra e os retransmite (portanto, os repete) para um segundo ponto da superfície da Terra, a estação receptora. Para isso é usado um jogo de antenas do tipo “parabólica”, tanto na Terra (apontadas para o satélite) quanto no satélite. As freqüências das ondas (“radiações”) recebida e transmitida não precisam ser as mesmas (e em geral não são, veja adiante), ou seja, o transponder pode receber sinais em uma freqüência e emiti-los de volta em outra. Essas freqüências dependem da “banda” usada pelo transponder.
Uma “banda” nada mais é que uma faixa de freqüências. O satélite Amazonas dispõe de transponders capazes de usar tanto a “banda C” quanto a “banda KU”. A diferença está na freqüência e na potência dos sinais transportados.
A banda C transmite sinais em uma faixa de 3,7 GHz (Gigahertz, uma medida de freqüência) até 6,425 GHz. Em geral, na banda C, o sinal enviado da Terra para o transponder usa a freqüência de 6 GHz e o enviado do transponder para a Terra usa a de 4 GHz. Comparada com a da “banda KU”, a potência do sinal transmitido é relativamente baixa. Por isso exige antenas maiores (quanto mais “forte” o sinal, menor pode ser o diâmetro da antena parabólica).
Já a banda KU pode usar um espectro de freqüências variando entre 10,7 GKz a 18 GHz. O sinal Terra/satélite usa a freqüência de 14 GHz e o satélite/Terra a de 12 GHz. É a “banda” preferida para sinais de televisão e rádio e é a dominante na Europa. E a mais econômica, já que o tamanho da antena parabólica das estações receptoras influi significativamente nos custos do sistema. (VOLTA AO TOPO)

Satélites Geoestacionários

Vá ao dicionário e procure por “satélite”. O Houaiss, por exemplo, informa que trata-se de um “corpo celeste que gravita em torno de outro”. Basta olhar a Lua, nosso inspirador satélite natural, para entender. O problema é que ela não é fixa no céu. Ao contrário, parece sempre se mover, circundado a Terra lenta porém inexoravelmente percorrendo um caminho celeste denominado órbita. É assim que faz todo satélite e não pode ser diferente: tem que girar em torno do planeta que orbita para que a combinação da força centrífuga (que tende a empurrá-lo para longe do centro da órbita) e a atração da gravidade do planeta o mantenha suspenso no espaço sideral. Se parar, cai.
Então, como é que as antenas parabólicas que apontam para os satélites de comunicação ficam sempre voltadas para o mesmo ponto do céu? Será que os satélites não se movem?
A resposta é sim e não. Como todo movimento, este depende do referencial. Se, em uma viagem aérea, você permanecer quietinho em sua poltrona, estará imóvel ou se deslocando a quase mil quilômetros por hora? Bem, para quem está no avião, você está imóvel. Para quem o observa daqui de baixo, você está se movendo como um doido.
O mesmo ocorre com os satélites. Um cavalheiro chamado Johannes Kepler, um dos mais notáveis cientistas que a humanidade produziu, instituiu entre outras realizações as três leis que trazem seu nome e regulam o movimento planetário. Uma delas, a terceira, determina que o período de rotação de um corpo celeste orbitando em torno de outro (ou seja, o tempo que ele gasta para completar uma rotação) é igual à raiz quadrada do raio médio da órbita elevado ao cubo e multiplicado por uma constante. Complicou? Então deixa pra lá. Basta saber que, de acordo com essa lei, satélites que orbitem a Terra em uma altitude próxima de 36 mil quilômetros terão um período de 24 horas. Ou seja: girarão em torno da Terra exatamente com a mesma velocidade angular com que a Terra gira em torno de seu eixo. O resultado? Para um observador na Lua, por exemplo, o satélite gira permanentemente em torno da terra, como todo satélite que se preza. Mas para um observador situado na Terra, que está girando com ela exatamente na mesma velocidade angular, a impressão será de que o satélite está parado. No caso do Amazonas, parado exatamente na longitude de 61 graus e no plano do equador. Isso fica quase em cima da cidade de Manaus.
Satélites que se comportam assim são chamados de “geoestacionários”, ou seja, não se movem em relação à Terra. Vantagem? Ora, como o bicho parece estar parado no céu, apontar uma antena para ele é moleza. E, depois de apontada, basta deixá-la quieta que ela continuará transmitindo ou recebendo seus dados em paz. (VOLTA AO TOPO)

O lançamento

O lançamento de um satélite como o Amazonas é quase uma epopéia. Para colocar um bicho desses em órbita é preciso apelar para um foguete Proton I equipado com um módulo Breeze N cujo conjunto pesa mais de setecentas toneladas e atinge uma altura de quase sessenta metros, correspondente a um prédio de vinte pavimentos.
O foguete faz o “serviço bruto”: queimando o combustível de seus três estágios eleva, quase na vertical, o módulo Breeze N e o satélite e os solta no espaço a mais de cem quilômetros de altura, onde a gravidade é menos intensa. Esse percurso dura cerca de dez minutos e foi atentamente acompanhado ao vivo (transmitido por satélite, naturalmente) por centenas de pessoas na Europa e no Brasil, dentre as quais esse que vos fala.
Dois minutos após a separação do Proton I entra em cena o Breeze N, responsável pelo trabalho de joalheiro. Com cinco disparos de extrema precisão de seus foguetes, ele move o satélite inicialmente para uma órbita a 173 km de altura e, após sucessivos ajustes e novos disparos, para uma órbita elíptica cujo apogeu (maior distância da Terra) está acima dos 36 mil quilômetros e o perigeu (menor distância da Terra) a cerca de dois mil quilômetros. Neste momento, cerca de cinco dias depois do lançamento, o Breeze N dá por finda sua missão e se separa do Amazonas, relegando-o à sua própria sorte em sua órbita elíptica.
Então o Amazonas passa a recorrer a seus próprios meios até se aboletar na órbita correta. Volta-se para o Sol e abre os painéis solares, para captar a energia que alimentará seus circuitos eletrônicos. E começa a disparar seus próprios foguetes e, aos poucos, reduz a excentricidade da órbita, transformando-a de elíptica em circular, com raio de 36 mil quilômetros para garantir que seja geoestacionária. Isso leva mais cerca de cinco dias.
Finalmente, ainda com a ajuda de seus foguetes, o Amazonas executa um trabalho de “sintonia fina”, ajustando a órbita, abrindo as antenas e ajustando sua posição até que elas apontem para a Terra. Só então começa a fase de testes e, afinal, o comando do satélite passa para os centros de controle, na Terra (mais especificamente na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, de frente para o Pão de Açúcar).
Estranhou a menção aos foguetes do satélite? Provavelmente sim, como também deve ter estranhado uma vida útil prevista de apenas quinze anos para um brinquedo que custou US$ 320 milhões. Pois uma coisa tem tudo a ver com a outra.
Satélites precisam de uma força motriz própria porque, ao longo do tempo, são necessários freqüentes ajustes de sua posição, principalmente para compensar pequenos movimentos da Terra e da Lua, cujas forças gravitacionais exercem influência sobre a posição do satélite. Essa força motriz é fornecida por foguetes que equipam o satélite. Esses foguetes precisam de combustível. Na verdade, cerca de metade do peso de um satélite ao ser lançado corresponde ao combustível que ele transporta.
Quando esse combustível acaba, o satélite já não mais consegue fazer os ajustes necessários para manter-se na posição correta e torna-se um inútil trambolho de US$ 320 milhões vagando no espaço em torno da Terra. Em suma: vira “lixo espacial”.
O problema consiste em saber quanto combustível levar. Combustível demais aumenta o peso do conjunto, inviabilizando o lançamento. Combustível de menos significa uma vida útil demasiadamente curta. O resultado é uma solução de compromisso que, com a tecnologia atual, resulta em uma vida útil de dez a quinze anos.
Uma bagatela para algo que custa um bilhão de reais...
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B. Piropo