Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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13/01/2005

< Bill Gates na CES >


Las Vegas é a Meca dos micreiros desde 1978, quando lá se realizou a primeira edição da “Exposição de Revendedores de Computadores”, ou Computer Dealers Exposition, mais tarde conhecida como COMDEX Fall, que desde então e até 2002 congregou anualmente toda a comunidade ligada à informática.

A COMDEX Fall morreu mas nem por isso Las Vegas deixou de ser a Meca dos micreiros. Eles agora se congregam anualmente na CES, Consumer Electronics Show. Que rolou semana passada justamente em Las Vegas.

No tempo da COMDEX Fall, ali as grandes novidades eram lançadas e os gigantes da indústria divulgavam seus planos para o futuro. Agora eles o fazem na CES. Portanto, não é de estranhar que o ponto culminante do evento tenha sido a palestra de abertura (“keynote speech”) de Bill Gates, o “Chief Software Architect” da Microsoft (cujo texto integral pode ser encontrado em
< www.microsoft.com/billgates/speeches/2005/01-05CES.asp >).

Os mais ingênuos poderão pensar que o futuro descrito por Bill Gates será o futuro da indústria. E, em parte, terão razão. Já os mais críticos pensarão que o futuro descrito por Bill Gates não é necessariamente o futuro da indústria, mas o futuro que ele – e portanto a Microsoft – deseja para a indústria. E estarão absolutamente corretos. O fato das duas perspectivas coincidirem parcialmente significa apenas que muito do que Bill Gates deseja que aconteça de fato acontecerá. Afinal, a Microsoft é a líder inconteste do mercado de software e é o tipo da empresa que “sabe das coisas”. Por outro lado, a própria convergência tecnológica tem obrigado a MS a impor sua presença em mercados cada vez mais diversos. E, dentre eles, destaca-se o opulento mercado do entretenimento e da eletrônica doméstica. Portanto não é de estranhar a presença do homem mais importante da MS na CES. Nem que o mote de sua palestra tenha sido o “estilo de vida digital” (digital lifestyle). Afinal, seu negócio é vender produtos da MS. E os produtos da MS cada vez têm mais a ver com música e fotografia digitais, televisão e filmes, jogos e comunicações. E cada vez menos com os vetustos computadores de mesa, antigas estrelas da COMDEX.

A palestra foi feita sob a forma de uma entrevista. Uma entrevista amigável, é claro. O entrevistador, Conan O’Brien, apresentador do programa “Late Night” da NBC, foi contratado para fazer o papel de “escada”, aquele coadjuvante que banca o palerma enquanto o protagonista brilha. E o protagonista era Gates, naturalmente.

Gates abriu a entrevista lembrando que, já no início desta década, ele havia previsto que seguramente ela seria a década digital, seja no que toca a fotografia, música ou comunicação. E que agora ele pode afirmar que, mesmo faltando ainda muito por fazer nos campos do hardware, software, facilidade de uso e segurança, bastava ver o que estava sendo exibido no CES para verificar que ele estava certo. Na verdade, segundo ele, a coisa estava indo muito mais rapidamente do que previra.

E o PC? O que seria dele neste novo mundo? Bem, respondendo a O’Brian, Gates afirmou que o PC exercerá o papel central nesse novo universo devido à sua capacidade de congregar em um único dispositivo o correio eletrônico, edição de fotos, organização de informações e criação de documentos. No que me diz respeito, acho que essa afirmação deve-se mais ao desejo da MS de vender mais sistemas operacionais Windows Media Center que a uma possibilidade efetiva. Com a integração de todas essas funções em dispositivos portáteis, se o PC de mesa não desaparecer de todo deverá se restringir a um nicho. Mas essa opinião é minha, não de Gates.

Voltando à sua entrevista: ele afirmou que embora o PC centralize tudo, haverá ainda os telefones, decodificadores de TV (set-top boxes), o painel de instrumentos dos automóveis, tudo isso conectado. E arrematou: “Nós estamos desenvolvendo software para mais dispositivos diferentes que qualquer outra companhia”. O problema é que nem sempre as coisas dão certo. Como disse o próprio Gates “Tivemos nossa cota de sucesso, mas também criamos coisas que exigiram versões 2 e 3”. E referiu-se ao jogo Halo 2, que somente “estourou” na segunda versão. E que, segundo Gates, é uma amostra do futuro: jogos que permitem que usuários joguem uns contra os outros, em rede ou pela Internet, uma atividade que está se tornando “social”.

Perguntado sobre a estratégia da MS para esse “estilo de vida digital”, Gates deu ênfase a cinco campos: música, televisão, fotografia, jogos e comunicações. Sempre digital, naturalmente. E acenou com a possibilidade de juntar tudo isso em um único aparelho, acionado por um só controle remoto com interface simplificada, personalizada, que permita ao usuário mover informações entre diferentes dispositivos.

Gates mostrou-se especialmente entusiasmado com o campo da música digital. Onde, segundo ele, a MS vai adotar a estratégia de sempre: em vez de fabricar hardware, se manterá na área de software. E aproveitou para fazer a evangelização do “PlaysForSure”, um padrão desenvolvido pela MS que, além de prover um sistema de gerenciamento de direitos autorais, garante (“for sure”) que todo arquivo musical toque (“plays”) em qualquer dispositivo reprodutor, desde que ambos ostentem o logotipo do “PlaysForSure”. E exibiu o iRiver, reprodutor portátil de MP3 com receptor FM e tela de alta definição para exibir fotos, aderente ao padrão “PlaysForSure”, apenas um dos cinqüenta dispositivos semelhantes disponíveis no mercado, as armas da MS para fazer face ao domínio do iPod.

No campo da fotografia, Gates e O’Brien demonstraram uma câmara digital de alta resolução com conexão sem fio, a Nikon D2X. O’Brian tirou algumas fotos de Gates que foram imediatamente transferidas para o computador e exibidas no telão do palco, sob a forma de show de slides, usando o Windows Media Center. Ao final, Gates informou que a Nikon pretende incluir a capacidade de transmitir fotos automaticamente para o computador em conexões sem fio em todas as suas câmaras digitais.

Já no que toca à televisão, o carro chefe da MS é o Media Center. Para quem não sabe do que se trata, é um dispositivo portátil com cerca de 15cm x 10 cm com uma tela de alta definição de quatro polegadas cujo sistema operacional foi desenvolvido pela MS, onde se pode ouvir música, assistir televisão, ver filmes, e exibir fotos. Seu disco rígido de 40 GB armazena 160 horas de programas de TV ou filmes, dez mil músicas e centenas de milhares de fotos. No momento há dois fabricantes, Creative e Samsung. Segundo Gates, já foram vendidas quase um milhão e meio de unidades. O interesse da MS é tão grande que durante sua palestra Gates chamou ao palco Sean Alexander, um dos gerentes de produto do Media Center, que fez uma demonstração da maquineta exibindo fotos, tocando música e gravando programas de TV para serem vistos mais tarde. E, já que estava “com a mão na massa”, mostrou também um gravador de DVD desenvolvido em parceria com a LG com interface amigável para ser usado pelo usuário comum para gravar filmes e programas em DVD. E anunciou que a Pioneer e Digitrex estavam lançando modelos de TV equipados com a tecnologia Windows Media Connect, que podem ser conectados a computadores rodando Windows XP para exibir filmes, fotos, vídeo e música armazenados no PC. Tudo isso no padrão HDTV, de alta definição. Mas o melhor veio com o anúncio do desenvolvimento de software para as “set top boxes” de TV, dispositivos que receberão sinais de TV transmitidos por uma rede usando protocolo IP, a IPTV.

Outra área em que a MS está entrando firme é a de sistemas operacionais e software para telefones celulares, os Windows Mobile Smart Phones, já oferecidos por 61 operadoras em 28 países. O que, segundo Gates, fez com que o mundo da voz e o dos dados se fundam (uma constatação que veio com pelo menos cinco anos de atraso).

Em suma, a MS mergulhou fundo no mundo das pequenas parafernálias que suavizam a vida do homem moderno. Se alguma dúvida havia, ela se dissipou quando Gates mostrou três relógios digitais baseados no conceito SPOT, modelos fabricados por Swatch, Fóssil e Suunto. De que se trata? Simples: você conecta o relógio a seu PC e declara as informações que lhe interessam, seja sobre esportes, previsão do tempo, trânsito, noticiário.   Daí em diante o relógio passa a exibi-las no mostrador onde quer que você esteja, desde que dentro do alcance de um dos canais de informações.

Mas o que realmente evidenciou o quanto a MS está interessada no mercado do entretenimento foi o fato de Gates ter deixado para o final a exibição de seu XBox, o console de jogos lançado com muito alarde e pouco sucesso pela MS há um par de anos. Mas como a MS não é de abandonar um mercado onde há dinheiro, insistiu tanto que este ano, segundo Gates, as vendas do XBox suplantaram as do PlayStation da Sony. O que o levou a mencionar o Halo 2 com seus 6,3 milhões de usuários e suas 69 milhões de horas jogadas, apenas nos últimos meses. E como não poderia deixar de mostrar uma novidade, convocou Garret Young, o gerente de programas do XBox Studio, para fazer a demonstração de um novo jogo para o console, o Forza Motorsports.

O jogo é uma simulação de corrida de automóveis. Com um ingrediente especial: além de escolher o modelo do carro entre os mais de duzentos disponíveis, incluindo Ferraris, Aston Martins, Mc Larens e Mercedes, o jogador pode “envenená-lo” à seu gosto, acrescentando acessórios e componentes de diferentes fornecedores. E Young preparou dois carros, uma Ferrari para Gates e um Buick Regal para O’Brien e deixou-os disputar uma corrida.

No final, O’Brian comentou que tudo aquilo era muito interessante, mas o que ele gostaria de saber mesmo era a opinião de Gates sobre como toda aquela tecnologia iria evoluir nos próximos anos.

Gates respondeu que há dois modos de encarar a coisa. Um deles é a velha ladainha de que os microprocessadores vão dobrar de desempenho, que os dispositivos de armazenamento vão aumentar sua capacidade e coisas que tais, e ver como isso se refletirá no nosso futuro. Outra, no entanto, é pensar nos “cenários”. Em uma avó que quer saber como estão seus netos, que deseja se comunicar com eles, ou pensar nas maneiras de organizar seu tempo para compartilhá-lo com seus amigos. Coisas que brevemente mudarão para melhor de forma dramática. O mercado de eletrônica doméstica é exigente. Os dispositivos terão que ser baratos, simples, capazes de cativar o usuário e dar o que falar. E, afirmou Gates, já se pode ver agora, em 2005, que essa é a década em que tudo isso se materializará.

E, nisso, parece que ele tem razão.

B. Piropo