Sítio do Piropo

B. Piropo

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19/01/2006

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Sou engenheiro formado pela Escola Nacional de Engenharia que, naqueles tempos, ficava no Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro. Uma das mais vivas lembranças que ainda guardo da Faculdade é admirar um livro. Não ler, apenas admirar. Mesmo porque não se podia lê-lo: ele permanecia em uma redoma de vidro sobre um pedestal, aberto na folha de rosto. Nela se lia: “Philosophie Naturalis Principia Mathematica” e, logo abaixo, “Auctore Isaaco Newtono”. Junto ao pé da página, a data da impressão: MDCCXXVI (poupo seu tempo: 1776; tratava-se da terceira edição; a primeira foi publicada em 5 de julho de 1687). Era uma das cópias do famoso “Principia” de Isaac Newton, onde ele estendia a aplicação de sua dinâmica aos corpos celestes criando as bases da física newtoniana. Estava exposto em uma das salas do vetusto prédio da Escola e sempre que passava por ele ali me quedava absorto em reverente admiração. Transcorriam então os anos sessenta do século passado e aquele exemplar, impresso então há quase duzentos anos, permanecia em razoável estado de conservação e quem dispusesse da necessária licença e o fizesse com os devidos cuidados poderia folheá-lo e lê-lo inteiro. Seus dados estavam disponíveis.

Pedra de Roseta
Figura 1


Agora, pergunto: se Newton tivesse redigido seus “Principia” no Word e gravado o arquivo em um CD-R, por quanto tempo a obra permaneceria legível?
Bem, para que possamos entender a resposta convém ter uma idéia da estrutura dos discos óticos graváveis, como os CD-R e DVD-R. Eles são formados por camadas superpostas, desde o rótulo na face superior (não esqueça que quando se põe o CD no drive o rótulo fica voltado para cima) até uma camada transparente de policarbonato para proteger o conteúdo. Entre elas há uma camada refletora e uma segunda camada de revestimento opaco. A gravação é feita perfurando esta camada para permitir que o raio laser que efetua a leitura do disco a atravesse e seja refletido pela camada situada atrás dela (se você quiser mais informações sobre o funcionamento de discos óticos visite a seção “Escritos / Promoinfo – Como Funciona” de meu sítio, em < www.bpiropo.com.br > e consulte as colunas de 02 e 16/05/2005).
Pois bem: o tempo de vida útil de um disco ótico gravável (“lifespan”, período em que se pode garantir com segurança que os dados gravados podem ser recuperados) depende da qualidade da camada de revestimento opaco. Ou mais especificamente, do corante (“dye”) usado para torná-la opaca. Há um ponto em que todos se põem de acordo: discos que usam um composto denominado cianina, de coloração verde-azulada, duram menos, enquanto os que usam ftalocianina, um corante de baixa opacidade, duram mais (por isso os “discos dourados” são melhores – e mais caros – que os “discos azuis”). A controvérsia está justamente no tempo em que eles podem ser considerados confiáveis.
Segundo os fabricantes, os discos com camada revestida de cianina possuem uma vida útil de dez a setenta e cinco anos, enquanto os que usam revestimento de ftatocianina chegam a cerca de cem anos. Se Newton os tivesse usado para gravar os “Principia” há cerca de trezentos anos, a obra estaria perdida há mais de dois séculos. Mas o problema é que há quem afirme que a perda se daria muito antes.
Semana passada o físico e especialista em armazenamento de dados Kurt Gerecke, da IBM alemã, em entrevista a John Blau, da Computerworld (que pode ser encontrada em < http://computerworld.com/hardwaretopics/storage/story/0,10801,107607,00.html >) afirmou que a vida útil de discos óticos graváveis, dependendo da qualidade do meio, não passa de dois a cinco anos. Segundo ele, nesse período a degradação da camada de corante faz com que as marcas nela gravadas mudem de posição o suficiente para tornar parte dos dados ilegíveis pelo feixe de laser. Diz ele na entrevista: “Muitos dos CDs graváveis baratos comprados nas lojas de desconto têm uma vida útil de cerca de dois anos e alguns de melhor qualidade oferecem uma vida útil mais longa, de no máximo cinco anos”.
Eu, particularmente, acho que Gerecke exagera. Tenho discos óticos gravados há mais de cinco anos que (espero) permanecem legíveis. Mas, garanto, os fabricantes também exageram (se bem que eu dificilmente estarei por aqui dentro de cem anos para comprová-lo). Incidentalmente: Gerecke é igualmente pessimista no que toca a discos magnéticos nos quais, segundo ele, o elemento crítico é o rolamento que sustenta os pratos. Para ele a forma mais segura de armazenar dados a longo prazo ainda é a fita magnética para a qual atribui uma vida útil de trinta a cem anos.
Bem, tenha Gerecke razão ou não, o fato é que a vida útil de discos óticos graváveis é limitada. Será que podemos prolongá-la? Segundo o NIST (National Institute of Standards and Technology) do Departamento de Comércio dos EUA, a resposta é sim. E para provar publicou o Guia intitulado “Care and Handling of CDs and DVDs”, voltado para bibliotecários e arquivistas, de autoria de Fred Byers (que pode ser obtido em formato PDF em < www.itl.nist.gov/div895/carefordisc/CDandDVDCareandHandlingGuide.pdf >), onde descreve a estrutura dos discos óticos, discute seu tempo de vida, aborda as condições que afetam este tempo e sugere alguns cuidados básicos que podem ajudar a prolongá-lo. Não dá para discutir aqui todo o Guia, mas podemos listar os principais cuidados por ele recomendados.
O que se deve fazer: segurar os discos pelas bordas ou pelo orifício central; usar apenas canetas de tinta que não contenham solvente para escrever na superfície opaca; protegê-los da sujeira; armazená-los verticalmente e sempre em suas caixas plásticas; repô-los na caixa imediatamente após usar; manter o pacote de discos graváveis lacrado até o momento da gravação; guardá-los em um ambiente fresco, seco, escuro e livre de poeira; limpá-los apenas com um tecido de algodão esfregando radialmente do centro para a periferia; usar apenas detergente especial para limpeza de discos ou álcool isopropílico para remover material aderido; examinar sua superfície antes de gravar.
O que se deve evitar: tocar a superfície dos discos; fleti-los (dobrá-los); usar rótulos adesivos; guardá-los horizontalmente por longos períodos (anos); expô-los a altas temperaturas e umidade; expô-los a alterações bruscas de temperatura ou umidade; expô-los prolongadamente à luz do sol ou outras fontes de radiação ultravioleta; escrever ou fazer marcas na face de dados (a que o raio laser “lê”); limpá-los esfregando em movimentos circulares em torno de seu centro.
Se você tomar esses cuidados, talvez os dados gravados em seus discos óticos tenham vida mais longa. Mas se você desejar que seus trabalhos sejam lidos e admirados daqui a um par de séculos ou mais, sugiro fazer como Isaaco Newtono: capriche no conteúdo, imprima-os em papel de boa qualidade e submeta-os ao julgamento da posteridade. Boa sorte.

B. Piropo