Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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26/01/2006

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Tenho um velho amigo e colega de trabalho, um sujeito prevenido, que sempre que se discutia a necessidade de equipamentos imprescindíveis à realização de tarefas importantes repetia o ditado: “Quem tem um não tem nenhum”. E prosseguia sugerindo a aquisição de um equipamento reserva.
Hoje, sempre que vem à baila a discussão do futuro do DVD de alta definição e seus padrões BluRay e HD-DVD, lembro-me daquele amigo e de seu ditado, porém com a devida adaptação. Porque, quando se trata de padrões, “Quem tem dois não tem nenhum”.
Há quase exatamente seis meses, em junho do ano passado, abordei o assunto na seção “Técnicas & Truques” (coluna intitulada “DVD” ainda disponível na seção “Escritos / Técnicas & Truques” de meu sítio, em < www.bpiropo.com.br >) e descrevi sumariamente os dois formatos. Para quem “perdeu o bonde”, aqui vai um breve resumo.
“DVD” originalmente significava Digital Vídeo Disc (“disco de vídeo digital”). Como os fabricantes descobriram que além de vídeo ele pode armazenar qualquer coisa, resolveram mudar o nome para Digital Versatile Disk (disco digital versátil”). O que não esconde o fato de que o padrão foi concebido para armazenar filmes (ou “vídeos”) digitalizados para serem reproduzidos na tela de uma televisão ou computador e originalmente sua capacidade era de 4,7 GB (Gigabytes).
O padrão ingressou no mercado em 1997, época em que um filme de até 135 minutos  podia ser armazenado em 4,7 GB com uma compressão não demasiadamente severa. E funcionou tão bem que praticamente liquidou com o mercado de fitas de vídeo.
Mas isso vale para a TV comum, não para a chamada HDTV (High Definition TV, ou televisão de alta definição). Um padrão de digitalização de imagens que, devido ao aumento do tamanho e da resolução da tela, precisa de cinco vezes mais espaço de armazenamento. No Brasil ainda não temos TV de alta definição em virtude de uma infindável discussão burocrática mesclada com poderosos interesses comerciais, mas se Deus ajudar e os burocratas governamentais de plantão se abstiverem de atrapalhar, talvez a tenhamos ainda este ano. Mas seus padrões já foram estabelecidos na Europa, EUA e Japão.
Ora, como o aumento da definição da imagem exige maior espaço de armazenamento para conter um único filme, tornou-se necessário desenvolver um novo padrão para armazenamento em DVD com a capacidade devidamente aumentada. Em princípio, a solução deveria ser simples: bastaria fabricar um disco com maior capacidade de armazenamento. Mas a mera comparação do DVD com o CD que o precedeu mostra que a coisa não é fácil como parece. O CD, usando uma tecnologia semelhante à do DVD, armazena 700 MB (Megabytes). E, embora o DVD convencional armazene quase sete vezes mais dados, os discos mantêm o mesmo fator de forma (12 cm de diâmetro) e todo acionador (“drive”) de DVD reproduz CDs. Isso chama-se “compatibilidade retroativa” (backward compatibility) e o consumidor adora, pois pode reproduzir discos antigos com o equipamento novo. E seria extremamente desejável que a próxima geração do DVD obedeça à compatibilidade retroativa. O que não é fácil.
Tanto o DVD convencional quanto o CD contêm uma única trilha em espiral que começa junto ao centro do disco, formada por pequenas saliências ou ressaltos separados por trechos de superfície espelhada. Enquanto o disco gira, um feixe de raio laser é projetado sobre a trilha e quando encontra a superfície original, é refletido para uma célula fotoelétrica. Já quando incide em um ressalto é desviado para longe da célula. Resultado: enquanto a trilha é varrida pelo laser, a célula fotoelétrica recebe um feixe de luz intermitente que gera uma sucessão de pulsos de corrente elétrica que por sua vez são convertidos nos bits e bytes que codificam os dados digitalizados.
LASER é o acrônimo de “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”, ou amplificação da luz por emissão estimulada de radiação, cujo resultado é um feixe de luz monocromática extremamente preciso. A luz utilizada nos CDs e DVDs convencionais é de cor vermelha, cujo comprimento de onda mede 0,65 mícron.
A trilha de um CD forma espiras que distam 1,6 micra da anterior. Sua largura é de aproximadamente 0,5 micron e o comprimento mínimo de seus ressaltos é de 0,83 micron. Uma trilha que se desenvolve do centro até junto à borda externa armazena 700 MB. Para aumentar a capacidade para os 4,7 GB do DVD mantendo o mesmo diâmetro do disco, além de “espremer” a trilha reduzindo a distância entre suas espiras foi preciso diminuir o tamanho dos ressaltos. Por isso a distância entre espiras da trilha de um DVD é de apenas 0,74 micron e seus menores ressaltos medem 0,4 micron.
Hoje, com as necessidades impostas pelas imagens de alta definição do novo padrão de TV, é preciso multiplicar novamente a capacidade por cinco.
O problema é que “espremer” ainda mais a espiral e reduzir o tamanho do ressalto desta vez não vai funcionar: o DVD levou a tecnologia praticamente a seu limite, pois o tamanho do ressalto já é menor que o comprimento de onda do feixe de luz vermelha a ser por ele desviado. Não dá para diminuir mais.
Como o fator limitante é o comprimento de onda do laser, a solução adotada foi reduzir esse comprimento de onda, ou seja, usar luz de outra cor. E foi escolhida a luz azul (ou violeta), cujo comprimento de onda é de apenas 0,405 micron. Somente assim foi possível aproximar as espiras e diminuir o tamanho do ressalto.
Tudo seria muito simples se a indústria tivesse chegado a um acordo sobre a tecnologia a ser usada para este fim. Infelizmente, isso não ocorreu. Foram desenvolvidas duas diferentes formas de alcançar o mesmo objetivo e há dois grupos de poderosas empresas brigando para forçar a adoção da sua preferida. O que resultou em dois padrões disputando o mercado. E, como já mencionado, quando se trata de padrão, se há dois, não há nenhum.
Os padrões que estão disputando o mercado da próxima geração de DVDs denominam-se Blu-ray DVD e High Definition DVD (ou HDDVD). O primeiro foi proposto e está sendo desenvolvido e disseminado pela Blu-ray Disc Association (BDA; visite seu sítio em < http://www.blu-ray.com/ >), que reúne um grupo de empresas de informática e entretenimento do qual fazem parte, Hitachi, LG, Matsushita, Pioneer, Philips, Samsung, Sharp, Sony e Thomson. O segundo tem como únicos defensores NEC e Toshiba.
Nenhum dos dois padrões foi lançado comercialmente, mas a julgar pelos boatos que corriam na recente CES (Consumer Electronic Show) ambos estarão no mercado ainda este ano. O que será, indiscutivelmente, uma desgraça semelhante à que se testemunhou no lançamento dos padrões de videocassete, quando VHS e Betamax se digladiaram até que o segundo desapareceu do mercado doméstico, causando enorme prejuízo a centenas de milhares de consumidores que investiram seu rico dinheirinho em aparelhos Betamax que de repente tornaram-se mera peça de decoração. Porque, à semelhança do que ocorreu com VHS e Betamax, os formatos BluRay e HD-DVD são incompatíveis.
Que tudo indica que uma “guerra de formatos” se avizinha e que suas conseqüências serão deletérias não é opinião só minha, é geral. O que pode ser comprovado visitando o sítio < http://www.dvdsite.org/ > que reúne um grupo de defesa de consumidores de discos de alta definição (existe, sim; se duvida, vá até lá e verifique). Onde se lê, na página de abertura: “acreditamos que uma guerra de mercado entre dois formatos incompatíveis é o pior caminho... (a guerra) resultará inapelavelmente em confusão e apatia entre os consumidores... É bastante possível que uma prolongada guerra de formatos – particularmente uma sem um claro vencedor – disperse o mercado potencial de filmes de alta definição em disco, tanto agora quanto no futuro”. E, depois de algumas sugestões – que começam com um apelo aos defensores dos dois formatos para trabalharem em conjunto na busca de um padrão único e indicam algumas características desejáveis desse padrão – nega apoio a qualquer um dos dois formatos e conclama seus membros, a imprensa e os consumidores em geral a desenvolverem um esforço coletivo pela unidade e racionalidade na busca de um formato para discos de alta definição.
Opiniões semelhantes podem ser encontradas por toda a parte, desde o artigo de Christopher Null sobre a CES em < http://ces.news.yahoo.com/b/ces/cesblog2160 > até o comentário de Humphrey Cheung, Christiaan Allebest no artigo < http://www.tgdaily.com/2005/01/13/ces_2005/page2.html > que começa com a frase “Esta batalha entre Blu-Ray e HDDVD é ridícula”.
Cada formato, naturalmente, apresenta vantagens e desvantagens. O HDDVD terá menor capacidade de armazenamento: “apenas” 15 GB por camada (uma camada representa uma trilha que se desenvolve do centro até a periferia; como os DVDs convencionais, os novos padrões permitirão a coexistência de mais de uma camada de gravação em diferentes alturas do revestimento transparente de policarbonato de uma face). Porém utiliza a mesma tecnologia empregada na fabricação dos atuais DVDs, o que significa vantagens tanto para os usuários (possibilitando a fabricação de “drives” que reproduzam tanto o novo formato quanto DVDs convencionais) quanto – e principalmente – para os fabricantes, que poderão aproveitar grande parte de suas fábricas e equipamentos. Um HDDVD de dupla face e uma só camada em cada face poderá armazenar 30 GB. Em contrapartida, apenas duas empresas o suportam, NEC e Toshiba. Poderosas, é verdade, mas poucas.
O formato BluRay parece superior do ponto de vista tecnológico. Uma única camada pode armazenar 25 GB o que possibilita que um disco de dupla face e uma só camada armazene 50 GB. Mas a Sony já fala em discos com até oito camadas que poderão armazenar 200 GB, mais de quarenta vezes a capacidade de um DVD comum. O problema é que sua produção, além de inerentemente mais dispendiosa, exige novas instalações fabris, já que a tecnologia de fabricação é inteiramente diferente. Embora, dada a importância da compatibilidade retroativa, seus defensores prometam fabricar drives capazes de reproduzir tanto discos BluRay quanto DVDs comuns.
O problema é que os formatos BluRay e HDDVD são totalmente incompatíveis e, embora se fale em fabricar drives capazes de reproduzir tanto um quanto outro, os preços destes dispositivos deverão ser estratosféricos. Aliás, mesmo os drives capazes de reproduzir apenas um deles serão razoavelmente caros, pelo menos logo após o lançamento e até que um deles conquiste o mercado. Por enquanto fala-se em drives HDDVD custando algo entre US$ 600 e US$ 700 e drives BluRay na faixa dos US$ 1.800. Uma nota preta.
Se você está interessado em acompanhar as batalhas e escaramuças entre os defensores dos dois padrões, visite a página “The latest on HD-DVD and Blu-Ray” em < http://www.hddvd.org/hddvd/ > e se desejar detalhes técnicos sobre ambos os padrões consulte a excelente página “DVD in High-Definition – The Next Generation DVD” em < http://columbiaisa.freespaces.com/dvd_hddvd_bluray_guide.htm >.
Mas se desejar se deliciar com as imagens em alta definição, sugiro esperar um pouco. Se seu dinheiro é suado como o meu, refreie seus impulsos consumistas pelo menos até que o mercado aponte com alguma segurança para o provável vencedor. Um conselho que serve para qualquer lançamento de novidades tecnológicas (os preços caem exponencialmente após os primeiros meses) mas vale em dobro para situações em que se espera uma guerra de padrões. Conselho dispensável apenas para aqueles membros da minha geração que há alguns anos investiram seu rico dinheirinho em aparelhos videocassete Betamax...

B. Piropo