Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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09/02/2006

< Telegramas >


Há quanto tempo você não recebe um telegrama? E qual foi sua reação ao recebê-lo?
Do último, não lembro. Mas lembro dos primeiros lá pela metade do século passado. Quando a campainha tocava e, ao se abrir a porta, descobria-se que chegava um telegrama, impossível fugir do sobressalto. Telegrama era coisa séria. E em geral, como costumava dizer a saudosa D. Eulina, “coisa boa não era”...
Estou falando dos tempos em que a comunicação escrita entre pessoas distantes era feita através de cartas. E a falada, simplesmente não era feita. Ou era, mas dava tanto trabalho, despesa atribulação marcar um “telefonema interurbano”, que melhor mesmo era mandar uma carta. Que, dependendo da distância, chegaria alguns dias ou semanas depois da data do envio (o meio de transporte das cartas e encomendas postais era o trem ou o navio, avião veio depois). Mas os tempos eram outros e a vida não demandava tanta urgência.
Bem, tinha coisa que, sim, era urgente. E para isso serviam os telegramas.
Enviá-los era quase uma cerimônia: ia-se até os correios, preenchia-se um formulário, pagava-se (caro) pela urgência, entregava-se ao agente postal e a missão estava cumprida. Aquele formulário seguia então para o telegrafista. Nos tempos de antanho (e bota antanho nisso) o telegrafista enviava a mensagem pelo telégrafo mesmo, um dispositivo curioso que só imprimia pontos e traços. Todas as letras eram assim codificadas, um método inventado por Samuel Morse que por isso mesmo passou a ser conhecido por código Morse. Um “S” eram três pontos, um “O” eram três traços, e o famoso sinal de SOS (acrônimo de “Save Our Souls”, ou “salvem nossas almas” – que se referia muito mais aos corpos que às almas) era formado de três pontos seguidos de três traços e depois mais três pontos, que se repetiam infindavelmente em caso de tragédia que necessitasse socorro urgente sem delongas ou explicações.
Quando se tratava de uma simples transmissão de telegrama, o telegrafista de cá transcrevia a mensagem lida diretamente do formulário para código Morse, recebido lá do outro lado por outro telegrafista que decodificava a mensagem transcrevendo-a em caracteres do alfabeto, por vezes manuscritos no próprio formulário que era enviado direta e rapidamente ao destinatário. Vai sem dizer que, nas pequenas cidades do interior, a pessoa mais bem informada sobre a vida de todo o mundo era o telegrafista...
Depois, as coisas se modernizaram. Eu mesmo cheguei a visitar um imenso salão no velho prédio da antiga sede dos correios, antigo Paço Imperial na Praça XV de Novembro no Rio de Janeiro (hoje reformado e cumprindo o papel mais digno de centro cultural) onde dezenas, talvez centenas de máquinas de Telex faziam um barulho infernal matraqueando o tempo todo. Os telegrafistas já não usavam código Morse. Em vez dele, digitavam o conteúdo dos formulários dos telegramas em teletipos que, do lado do destino, imprimiam o texto em longas e estreitas fitas de papel. O telegrafista que o recebia, munido de um formulário, tesoura e cola, recortava a fita, colava linha a linha no formulário e mandava entregar imediatamente na casa do destinatário. Um progresso que só vendo.
Mas, seja como for, telegramas representavam uma imensa vantagem em relação às cartas: se você tivesse sorte (muita sorte) a mensagem era entregue no mesmo dia. Senão, no máximo no dia seguinte. Afinal, telegrama era para coisa urgente.
Daí o sobressalto de quem recebia. Tinha até quem se benzesse antes de abrir. Porque um dos casos típicos de recebimento de telegrama era morte de parente distante. Ou doença. Ou desastre. Intimação. Aviso de cobrança urgente. Ou, os piores, dando conta que a sogra estava chegando para passar uns tempos. Enfim: novamente lembrando D. Eulina: coisa boa, não era.
Aí a telefonia progrediu, veio o DDD, depois o DDI. As notícias urgentes, boas ou más, passaram a ser dadas de viva voz. Telegrama passou a ser uma coisa impessoal. Acho que, a partir do final do século passado, só quem ainda usava telegrama eram os bancos. E olhe lá.
Então veio a Internet e o correio eletrônico. E o “chat”. E os telefones celulares com suas “short messages”. E os programas tipo Messenger que permitem não somente que você digite aqui o que o interlocutor verá lá na tela dele como também, se assim o desejar, que veja quem está digitando através de uma câmara de vídeo. Isso, naturalmente, sem falar no correio eletrônico. Telegramas? PT saudações..
Mas por que esse ataque de nostalgia?
Bem, é que nos bons tempos do telégrafo, quando o telegrama era sério mesmo, quando a coisa era urgente e carecia de uma aura de respeitabilidade, quando não se podia brincar com a urgência e havia mesmo a necessidade de que a notícia fosse transmitida com a maior brevidade possível, recorria-se aos telegramas “via Western”. Eram diferentes, mais caros, vinham em formulários vermelhos. Quando se tratava de telegramas, a “Western”, nome pelo qual era conhecida a empresa “Western Union”, era sinônimo de confiança e seriedade.
Pois acabo se sofrer um golpe. Que, tenho certeza, será compartilhado por todos (quer dizer, pelos sobreviventes) da minha geração que um dia se assustaram ao receber telegramas e já apelaram para o “via Western” quando a coisa era mesmo séria. Um golpe que, certamente, há algumas décadas, haveria de ser comunicado por telegrama.
Um telegrama mais ou menos assim:
“Venho consternado cumprir o doloroso dever de comunicar o infausto falecimento ocorrido no último dia 27 de janeiro dos serviços telegráficos da Western Union”.
E, quem duvidar, visite o sítio da Western Union, mais especificamente a página < www.westernunion.com/info/osTelegram.asp >, e leia o seguinte texto:
“A partir de 27 de janeiro de 2006 a Western Union irá encerrar seus serviços de telegramas e mensagens comerciais. Nós lamentamos qualquer inconveniente que isso possa acarretar e agradecemos a todos pelo leal apoio. Quaisquer dúvidas, por favor, entre em contato com um representante de serviços”.
Logo abaixo, talvez para mostrar o que perdemos, há a imagem de um envelope e formulário de telegrama. E, quem sabe por ironia, acima do aviso, ainda se pode ler o slogan da Western Union: “Mande uma mensagem que significa mais que palavras”.
Mais um símbolo da minha juventude que só poderei rever em museus...

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B. Piropo