Sítio do Piropo

B. Piropo

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11/04/2005

< Laser de Silício: I – LASER >


Reza a lenda (mas, quem sabe, talvez não seja lenda...) que certa feita, nos tempos em que havia redação no vestibular, o tema escolhido foi “O Lazer”.

Os participantes se puseram a descrever com afinco suas atividades nos finais de semana, feriados, em suma, o que faziam em seus momentos de lazer. A notável exceção foi um bravo candidato que fez uma longa, entusiasmada, porém confusa redação sobre “o raio lazer”. Levou pau, naturalmente, já que seu conhecimento sobre o assunto era tão reduzido que nem ao menos sabia a grafia correta da palavra que designava o tema sobre o qual se propunha a escrever. Afinal, “laser”, de “raio laser”, se escreve com “S”, não com “Z”.

Você sabia disso, naturalmente. “Laser” se escreve com “S”. Mas sabe por que?

Certamente que sim. Garanto que você está farto de saber que LASER é um acrônimo formado pelas iniciais de “ Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”, ou “amplificação da luz por emissão estimulada de radiação”. Fácil, nénão? Mas, afinal, que diabo é isso?

Como diz o nome, LASER é luz amplificada. Serve para um monte de coisas. De cortar metais a efetuar cirurgias com bisturis a laser, de ler dados armazenados em CDs e DVDs a funcionar como mira para armas de precisão, faz-se de um tudo com raios laser. Mas sua aplicação mais sublime, sem dúvida, é aporrinhar gatos (conhece não? Pois pegue um desses apontadores a laser usados em palestras e aulas, crie um foco luminoso em frente a um gato e mova-o de um lado para o outro, de preferência subindo pelas paredes; o bicho fica doido correndo atrás do inalcançável...)

Mas de onde surgiram os lasers?

Bem, a primeira emissão de um raio laser foi feita em 1960 nos laboratórios de pesquisa Hughes (Hughes Research Laboratories, < www.hrl.com/ >) em Malibu, Califórnia, EUA, pelo (então) jovem engenheiro Theodore Maimain (< www.spie.org/web/oer/august/aug00/maiman.html >) usando a estranhíssima trapizonga exibida na Figura 1. E, sim, funcionava: no lado direito da figura vê-se a mesma trapizonga em plena ação. Aquele feixe de luz vermelha que aparece na parte inferior da figura da direita é justamente o primeiro raio laser.

Figura 1

Mas como funciona isso? Bem, para entender, é preciso recordar um pouco nossos conhecimentos de física atômica. Mas não se preocupe: são noções elementares que todos conhecemos.

Por exemplo: sabemos todos que a matéria é constituída de moléculas que, por sua vez, são formadas por uma combinação de átomos. Cada tipo de átomo identifica um “elemento”. Todo átomo é formado por um núcleo que contém partículas pesadas, os nêutrons e prótons, circundado por uma “coroa” de leves elétrons. O que distingue os átomos dos diferentes elementos é o número de prótons e nêutrons que formam seus núcleos, assim como o número de elétrons da coroa.

Essa coroa não é uma coisa fixa, imóvel. Ao contrário: os elétrons estão permanentemente se movimentando, orbitando em torno do núcleo. O aspecto de um átomo é curiosamente parecido com o do nosso sistema solar, onde o sol ocupa a posição do núcleo e os planetas giram em torno dele. Um diagrama esquemático de um átomo, com os neutros e prótons aglomerados no núcleo e os elétrons girando em suas órbitas é mostrado na Figura 2.

Figura 2: Átomo – diagrama esquemático

Como se pode notar, há elétrons que giram mais próximos do núcleo que outros, ou seja, assim como no nosso sistema solar, há órbitas mais próximas do sol do que outras.

Cada elétron possui uma determinada quantidade de energia. Aliás, a quantidade de energia armazenada em um átomo (usada principalmente para manter unidas as partículas do núcleo) é tremenda. Tanto é assim que a chamada “bomba atômica” nada mais é que a súbita liberação desta energia. Mas aqui nós nos concentraremos na muito mais reduzida quantidade de energia contida nos elétrons. Quantidade essa que é tanto maior quanto mais longe o elétron estiver do núcleo, ou seja, quanto mais afastada for sua órbita.

Átomos podem receber energia. Por exemplo, esquentando o material formado por eles. E quando isso acontece, a energia se acumula no átomo. Há muitas formas de fornecer energia a um átomo. Calor (energia térmica) é apenas uma delas. Outras formas comuns são a eletricidade (energia elétrica), reações com outros elementos (energia química) e a mais simples de todas: a luz (energia luminosa).

A forma pela qual um átomo armazena energia é fazendo seus elétrons saltarem de uma órbita mais interna (portanto de menor potencial de energia) para uma órbita mais externa. Portanto, sempre que um átomo absorve energia, um ou mais de seus elétrons “saltam” para uma órbita mais externa.

Mas o que ocorre quando o fornecimento de energia cessa? Bem, os elétrons que foram deslocados para as órbitas mais distantes tendem a restaurar o equilíbrio retornando à sua órbita original. E de fato o fazem, saltando de volta para elas.

Mas toda ação que acumula energia, se for revertida, terá que liberar essa mesma energia. Logo, se o salto de um elétron de uma órbita mais interna para outra mais externa implica acúmulo de energia, seu retorno à órbita original necessariamente liberará uma quantidade igual de energia. E a forma mais simples de um átomo liberar energia é fazê-lo sob a forma de energia luminosa, ou seja, emitindo um fóton.

Achou estranho? Mas você já devia estar acostumado. Pense em uma lâmpada incandescente comum. De onde vem sua luz? Ora, quando os átomos do elemento tungstênio, que formam o filamento, recebem energia elétrica, bilhões de seus elétrons saltem para órbitas mais externas. Como eles não se sentem muito bem tão longe do núcleo, retornam para as órbitas originais, liberando a mesma energia que receberam, agora sob a forma de fótons, quantidades elementares de energia luminosa. É por isso que as lâmpadas “acendem”. Mesma razão pela qual as resistências dos fornos elétricos emitem aquela luz avermelhada. É também pela qual a tela de seu monitor emite a luz que lhe permite ler essa coluna (isso, naturalmente, caso você a esteja lendo em um monitor tipo CRT, sigla de Cathode Ray Tube): um tubo de raios catódicos (uma forma de emissão de energia) bombardeia o revestimento interno da tela com elétrons, que fornecem energia aos átomos do material do revestimento, que faz seus elétrons saltarem para uma órbita mais externa. E, quando retornam, emitem fótons, ou seja, geram a luz que irradia da tela e lhe permite ler estas mal traçadas. Como você vê, a energia aplicada ao átomo não é necessariamente elétrica. Pode ser luminosa, que será absorvida pelo átomo fazendo um elétron saltar para uma órbita mais externa e em seguida liberada também sob a forma de energia luminosa, um fóton emitido quando o elétron voltar á sua órbita original.

Figura 3

A Figura 3 mostra esquematicamente como a coisa funciona. Na Figura 3a vemos um átomo em repouso, com um elétron (destacado em amarelo) girando celeremente em torno de seu núcleo. Na figura 3b vemos que um fóton, proveniente do meio exterior, colidiu com esse elétron, transferindo-lhe energia, o que faz com que ele salte para uma órbita mais externa, conforme mostra a Figura 3c. Mas, na nova órbita, o elétron está fora de sua posição de equilíbrio. E como a natureza busca incessantemente o equilíbrio, o elétron salta novamente para sua órbita original, o que faz com que a energia seja liberada através da emissão de um fóton. É simples assim (na vida real não é tão simples: há complicadores, como o comprimento de onda, ou cor, da luz emitida, que depende do estado energético do átomo durante a emissão; mas para simplificar, basta saber que átomos idênticos – ou seja, do mesmo elemento – no mesmo estado de energia emitirão fótons de mesma cor, ou comprimento de onda).

Mas o que isto tem a ver com o laser?

Tudo!

Senão vejamos. Preste atenção na Figura 4, um diagrama esquemático do primeiro laser de Mr. Maiman e vejamos de que ele é constituído.

Figura 4: Diagrama esquemático de um laser de rubi

Na parte superior da figura vemos uma lâmpada, que representa aquele tubo de vidro em espiral em torno do laser original. Essa lâmpada é do tipo “flash”, ou seja, emite continuamente disparos de luz de grande intensidade e curta duração em intervalos muito pequenos. Essa é a fonte da energia (luminosa) que será cedida aos átomos de rubi. No jargão técnico do laser, essa fonte é a “bomba” de energia (“bomba” na acepção de dispositivo que “bombeia” energia, não na de dispositivo que explode...).

Rubi é um cristal de coríndon, a forma cristalina do óxido de alumínio. Pode ser encontrado na natureza (nesse caso é uma pedra preciosa) ou fabricado em laboratório (sintetizado). Aquela haste vermelha que se vê no centro do laser da Figura 1 é um bastão de rubi sintético. Ele forma a chamada “cavidade laser”.

Na extremidade esquerda da “cavidade laser” há um espelho de elevadíssimo coeficiente de reflexão, ou seja, toda luz que incide nele é refletida de volta para a cavidade. Na extremidade direita há um outro espelho, mas este é semitransparente, ou seja: parte da energia luminosa que nele incide é refletida de volta, parte o atravessa e vai para o meio exterior.

Pronto, isso é um “laser de rubi”. Agora só falta ver como funciona. E, com os conhecimentos que já dispomos, é fácil entender.

Figura 5: LASER – Esquema

Façamos isso com a ajuda da Figura 5, um esquema de um LASER genérico. A “bomba” alimenta continuamente a cavidade laser com um fluxo de energia (que pode ser luminosa, térmica, elétrica ou química; o laser de rubi usa energia luminosa, portanto a bomba permanece todo o tempo bombeando fótons para o interior da cavidade laser). Esta energia é fornecida aos elétrons das coroas dos átomos que formam as moléculas da substância amplificadora (no caso do laser de rubi, o próprio cristal) fazendo-os saltar para uma órbita superior, rompendo o equilíbrio, o que faz com que saltem de volta para a órbita original, liberando um fóton no interior da cavidade.

Até aí, nada demais. Um fóton absorvido, um fóton liberado. Ocorre que esse processo é contínuo e esses fótons liberados por sua vez vão colidir com elétrons dos átomos vizinhos, que recebem energia e liberam novos fótons. O efeito vai então se multiplicando. Dentro de instantes haverá bilhões de fótons circulando na cavidade, chocando-se com novos elétrons ou tendendo a sair dela por suas extremidades. Ali, porém, há os espelhos, que refletem os fótons de volta para a cavidade, fazendo-os se chocarem com elétrons de outros átomos que, por sua vez, liberarão mais fótons. O efeito (que pode ser percebido mais claramente na Figura 4) é a formação de raios luminosos (fótons em trânsito na cavidade) que se amplificam na medida que são refletidos de espelho contra espelho e “empurrados” de volta para a cavidade.

Ora, como vimos há pouco, átomos de mesmo elemento submetidos à mesma transição de energia liberam luz de mesmo comprimento de onda, ou seja, emitem uma radiação de mesma cor. Essa emissão de radiação é estimulada pelos fótons emitidos pela fonte luminosa (“bomba”) e amplificada devido à ressonância (reflexões sucessivas em ambos os espelhos). O resultado é um feixe de luz coerente (de mesmo comprimento de onda) amplificada por emissão de radiação estimulada. Resultado, portanto, do fenômeno da amplificação da luz por emissão estimulada de radiação, em inglês “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”, ou laser.

Como esse feixe tem grande intensidade, consegue atravessar o espelho semitransparente (á direita nas figuras 4 e 5) e se propagar para o meio exterior.

Este feixe consiste de luz monocromática (todos os fótons de mesma cor, ou comprimento de onda), coerente (as ondas luminosas vibram em consonância umas com as outras, ou seja, mantêm o mesmo “ritmo”) e monodirecional (um raio de luz extremamente fino que se propaga sempre na mesma direção, não se difundindo para os lados). Um raio laser.

Pronto.

Como vocês vêem, é mais fácil do que parece.

Agora só falta descobrir por que cargas d’água a Intel está tão interessada em fabricar um laser de silício, se o de rubi é tão mais simples...

B. Piropo