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B. Piropo

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18/01/2010

< Ig Nobel 2009 – Parte I >


Ano passado eu repercuti aqui mesmo nas páginas virtuais do PC Fórum, em artigo sobre uma premiação correlata, (o Darwin Awards, que espero voltar a comentar em breve), a lista dos ganhadores do Prêmio Ig Nobel e os trabalhos que os fizeram merecer o galardão em 2008. Portanto nada mais justo que eu brinde meus seletos leitores – embora garantindo que nenhum deles jamais virá a ser agraciado com qualquer das duas premiações – com a lista dos agaloados de 2009.
Antes, porém, para aqueles que ignoram o significado de tão importante distinção, um pequeno comentário sobre o referido Prêmio.
Em 1895 o químico sueco e inventor da dinamite, Alfred Bernhard Nobel, instituiu uma premiação em dinheiro, designada com seu próprio nome e administrada pela Fundação Nobel, para agraciar anualmente as personalidades mundiais que mais se destacassem por suas realizações nos campos da Física, Química, Fisiologia ou Medicina, Literatura e Paz (a lista foi ampliada mais tarde), a ser paga apenas com os juros da imensa fortuna que amealhou com a patente de seu invento. Os laureados são escolhidos anualmente pela Real Academia Sueca de Ciências e recebem o prêmio (que além de uma nota preta, incluem uma medalha de ouro e um diploma) diretamente das mãos de Sua Majestade o Rei da Suécia.
Mas isto nada tem a ver com o Prêmio Ig Nobel.
Ou melhor, tem, sim.
Digamos que são irmãos, já que o Ig Nobel Prize foi instituído em 1991 à imagem e semelhança de seu antecessor.
O laurel não pode ser disputado por qualquer borra-botas. Para entrar na liça pela honraria, como no caso de seu irmão mais velho, é preciso ser indicado. E, como regra geral (embora em casos relevantes sejam admitidas exceções) somente podem ser indicados pesquisadores e cientistas que tenham publicado os resultados de sua pesquisa em uma publicação científica idônea.
Os laureados são selecionados cuidadosamente por uma equipe de alto nível e o prêmio (veja Figura 1) é entregue pessoalmente por um quase-colega, ou seja, alguém que já tenha sido efetivamente contemplado com um prêmio Nobel (não Ig Nobel, Nobel mesmo). A entrega se dá em concorrida cerimônia realizada no Sander´s Theatre da Universidade de Harvard (1200 lugares, todos ocupados). A honraria é patrocinada e gerenciada pela revista Improbable Research, cujo lema é “Research that makes people LAUGH and then THINK” (Pesquisa que faz as pessoas rirem, depois pensarem). E este é o espírito do prêmio.

Figura 1: O prêmio Ig Nobel

Sempre que me refiro ao Prêmio Ig Nobel – que no ano corrente completará vinte edições e que eu acompanho com profundo interesse há pelo menos cinco, quando tomei conhecimento de sua existência – há quem pense que estou brincando e tudo isso é invenção. Não é. A coisa é séria e quem duvidar consulte a < http://en.wikipedia.org/wiki/Ig_Nobel_Prize > Wikipedia ou visite < http://ignobel.org/ > seu sítio na Internet, patrocinado pela Improbable Research.
Mas vamos à lista dos laureados na XIX edição, os ganhadores do Ig Nobel Prize 2009 (veja foto na Figura 2, obtida no próprio sítio da Improbable Research) e uma breve resenha de suas relevantes contribuições a seus ramos de conhecimento.

Figura 2: os premiados da XIX Edição

Incidentalmente: quem estiver interessado na lista completa de ganhadores de todas as edições, de 1991 até 2009, poderá consultá-la na página < http://improbable.com/ig/ig-pastwinners.html > “Winners of the Ig Nobel Prize” e constatará que, conforme foi mencionado na coluna citada no primeiro parágrafo, o Brasil, zil, zil pode se orgulhar de figurar nesta seleta relação, mais especificamente entre os galardoados em 2008, quando os pesquisadores Astolfo G. Mello Araujo e José Carlos Marcelino, da USP, publicaram suas conclusões da pesquisa sobre o efeito da ação de tatus em sítios arqueológicos na revista Geoarchaeology, vol. 18, no. 4. Quer dizer: Nobel, ainda não temos, mas já podemos nos orgulhar de figurar na galeria dos ganhadores do Ig Nobel.
Mas voltando ao que interessa: na área de biologia, em 2009 a honraria foi concedida a três pesquisadores japoneses da Universidade de Kitasato (parece nome de remédio, mas existe e não é invenção minha):  Fumiaki Taguchi, Song Guofu e Zhang Guanglei, pela imensa contribuição que deram ao campo de saneamento básico comprovando que o lixo orgânico gerado nas cozinhas pode sofrer redução de 90% de sua massa se submetido a tratamento usando bactérias extraídas das fezes de pandas gigantes. O trabalho que garantiu o prêmio ao brilhante trio de pesquisadores pode ser adquirido < CLIQUE AQUI > aqui. No Brasil, naturalmente, a descoberta terá poucos efeitos práticos já que aqui na terra não é comum encontrar fezes de pandas gigantes. Por outro lado, considerando-se que a espécie está seriamente ameaçada de extinção e é endêmica apenas em uma pequena área das florestas de bambu da China, no resto do mundo também não é fácil encontrá-la – muito menos suas fezes. Mas de qualquer forma a descoberta é válida e o prêmio foi outorgado com justiça. Se vocês tropeçarem pelai em fezes de pandas gigantes, não praguejem: recolham o material que ele sempre poderá ser útil.
No campo das ciências exatas, o inconteste vencedor foi o Sr. Gideon Gono, a autoridade máxima do Banco Central do Zimbabwe (seu título efetivamente é “Governor of Zimbabwe’s Reserve Bank”), pela notável contribuição que deu para a familiarização do povo de Zimbabwe com a matemática ao fazer com que seu banco emitisse notas em papel moeda com valores na faixa de um centavo até 100.000.000.000.000,00 (cem trilhões) de dólares zimbabuanos (ou zimbabuenses; não se trata de dúvida, mas de opção: segundo o Houaiss ambas as formas estão corretas). Sua extraordinária façanha vem relatada em seu extraordinário trabalho publicado pela extraordinária ZPH Publishers, < CLIQUE AQUI > “Zimbabwe's Casino Economy. Extraordinary Measures for Extraordinary Challenges”. Esta extraordinária publicação pode ser adquirida na Amazon Books por extraordinários US$ 26,95 (exatos 10.177,49 dólares zimbabuanos ao câmbio corrente na data em que esta coluna foi escrita) . No sítio da livraria consta que há exemplares disponíveis. O que definitivamente não haverá de surpreender ninguém...
No que me diz respeito, eu ofereceria ao supracitado Sr. Gono não o Ig Nobel de matemática, mas o de economia. Porém, infelizmente, este galardão já tinha dono, posto que a comissão julgadora houve por bem ofertá-lo aos diretores, executivos e auditores de quatro bancos da Islândia (talvez o país mais seriamente afetado pela crise financeira de 2009, que quem não perdeu o emprego por causa dela classifica de “marolinha”), os Kaupthing Bank, Landsbanki, Glitnir Bank, e Banco Central da Islândia. Esta seleta equipe econômica não somente chegou à espantosa conclusão de que pequenos bancos podem se transformar rapidamente em bancos enormes e vice-versa como também que fenômenos econômicos similares podem igualmente ocorrer em escala nacional. A comissão não cita a referência, mas qualquer pessoa que tenha tomado conhecimento do ocorrido com a economia Islandesa no ano passado haverá de entender as razões da concessão do prêmio.
Os vencedores do Ig Nobel de Medicina Veterinária foram os Doutores Catherine Douglas e Peter Rowlinson, da Universidade de Newcastle-Upon-Tyne (existe mesmo, eu juro que não inventei isso) no Reino Unido por seu interessantíssimo trabalho “Exploring Stock Managers' Perceptions of the Human-Animal Relationship on Dairy Farms and an Association with Milk Production", cujo resumo pode ser encontrado < http://www.ingentaconnect.com/content/berg/anthroz/2009/00000022/00000001/art00006 > aqui, onde pode-se igualmente adquirir um exemplar original por US$ 32,99 mais taxas. Porém eu não me daria ao trabalho de encomendar um, já que a conclusão da pesquisa, que fez com que seus autores merecessem a subida honra de beliscar um Ig Nobel, resumiu-se a um fato tão interessante quanto surpreendente: vacas que têm nome dão mais leite que vacas que não têm nome (“nome”, no contexto da pesquisa, não se refere à raça dos animais mas àquilo que poderia ser chamado de “nome de batismo” se batizadas fossem, tais como “Mimosa”, “Branquinha” e “Maiada”).
Uma exceção foi aberta na concessão do Ig Nobel de literatura. Aliás, concessão dupla: não apenas a honraria foi concedida a toda uma corporação, no caso o brioso corpo policial da Irlanda (“An Garda Síochána”, cuja página na Internet pode ser visitada < http://www.garda.ie/ > aqui), como também dispensou publicação de resultados em revistas técnicas e assemelhadas. Mas que ninguém se alevante contra a comissão alegando injustiça: os valentes policiais, particularmente os que cuidam do trânsito, inegavelmente fizeram por merecer o galardão por haverem aplicado mais de meia centena de multas por infrações de trânsito a um único motorista polonês, o Sr. Prawo Jazdy, depois de consultarem sua carteira de habilitação (em tempos de União Européia não apenas o trânsito de cidadãos entre os países que a compõem é livre como também os documentos nacionais são válidos em toda a União). O que nada teria de extraordinário além de indicar que o Sr. Jazdy seria um péssimo motorista exceto por um detalhe: “prawo jazdy”, em polonês, significa “carteira de habilitação”.
Até agora chegamos à metade dos premiados.
Seguir adiante poderia significar tamanho acúmulo de ciência de ponta em uma única coluna que certamente provocaria efeitos colaterais danosos como uma súbita sobrecarga de conhecimento em meus cinco neurônios que me impediria de escrever por um bom tempo.
Então, para não dar este prazer aos que clicam no “X” (se é que me entendem), vou deixar os cinco últimos – e mais saborosos – para a próxima coluna.
Até lá.

 

B. Piropo