Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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02/08/2010

< A Lua nasceu. Como? >


Segundo a Wikipedia, “Um satélite natural ou lua (em letra minúscula) ou ainda planeta secundário é um corpo celeste que orbita um planeta ou outro corpo menor”. No Sistema Solar há 240 objetos classificados como tal. Em torno de Marte, giram dois deles. De Vênus e Mercúrio, nenhum. Orbitando Júpiter há quatro, um deles, Ganimedes, maior que o planeta Mercúrio. O campeão é Saturno, com nove. Urano tem quatro, Netuno três e até o triste Plutão, recentemente rebaixado para a categoria de “planeta anão”, tem seu satélite natural, o desprezado Caronte. Se bem que a relação entre eles é muito estranha: Plutão é tão pequeno e, proporcionalmente, Caronte tão grande (metade do diâmetro de Plutão), que neste caso incomum o satélite não gira, propriamente, em torno do planeta, mas ambos giram em torno de um ponto situado no espaço entre eles, o baricentro (ou centro de gravidade) do sistema formado pelos dois corpos celestes. Ponto este que se move em torno do Sol em uma órbita perfeita, o que leva alguns astrônomos a classificá-los como um “planeta duplo”. Pobre Plutão, deixou de ser planeta, passou a anão e ainda querem fazer dele só metade de um corpo celeste. O coitado deve estar acometido de uma brutal crise de identidade.
Mas o que nos interessa no momento é nosso próprio planeta e seu satélite.
Pois acontece que a Terra tem só um satélite natural, a Lua, cujo diâmetro (3.476 km) é pouco mais de um quarto do da Terra (12.756 km no equador). Bem grande, como se vê, mas mesmo levando em conta que a distância entre ambas é de cerca de 380 mil quilômetros, isto não é suficiente para fazer com que o centro de gravidade do sistema se desloque para fora da Terra. Assim, podemos afirmar que “a Lua gira em torno da Terra”, o que livra a ambos da pecha de planeta duplo. Se bem que por pouco.
A Lua, além da Terra, é o único corpo celeste já visitado por nós. O que não deixa dúvidas sobre sua importância para nós, humanos. E não só por esta razão – embora algumas das demais estejam associadas a comportamentos não muito recomendáveis. Basta lembrar o que se quer dizer quando se acusa alguém de “viver no mundo da lua”. Ou do significado do adjetivo “lunático”. Ou ainda atentar para aqueles que afirmam que em noites de lua cheia aumenta o índice de criminalidade e o número de atendimentos nas emergências hospitalares. Pois há quem jure que a Lua exerce importante influência no comportamento humano.
Por outro lado há quem afirme que tudo isto não passa de crendice. E, quando confrontados com os índices estatísticos que apontam para alguma correlação entre tais ocorrências e períodos de lua cheia, respondem que o comportamento humano é influenciado pelas crenças dos grupos sociais, portanto se um grupo acredita que o plenilúnio afeta o comportamento humano, este comportamento de fato muda na época de lua cheia – não por efeito desta Lua cheia, mas pela força da crença.

Figura 1 - Lua nascendo sobre ruínas

Por exemplo: há quem afirme com absoluta convicção que a Lua, ao nascer, é bem maior que quando se aproxima do apogeu ao atravessar a esfera celeste. E nem se preocupam em tentar comprovar tão estranho fenômeno. Afinal, basta olhar para a Lua quando ainda está próxima do horizonte para perceber como é grande – o que fica claro examinando a Figura 1 que mostra a foto da Lua nascendo sobre as ruinas gregas, obtida no sítio < http://alt1040.com/2010/05/por-que-el-sol-o-la-luna-a-veces-se-ven-tan-grandes-en-el-cielo > “Alt1040 – La guia del Geek” em artigo de Eduardo Arcos.
Por outro lado, há quem diga que isso não passa da chamada “Ilusão de Ponzo”, um efeito demonstrado pelo psicólogo italiano Mario Ponzo em 1913.

Figura 2 – Ilusão de Ponzo

Para entender a ilusão, examine com atenção a Figura 2 onde, atravessando os trilhos de uma ferrovia, eu desenhei dois bastões horizontais de diferentes comprimentos. Não precisa ser um gênio para descobrir qual deles é o mais longo, pois não? Basta prestar um pouco de atenção.

O nascimento da Lua
Reparou bem? Precisa de ajuda? Pois aí está, na Figura 3, o retângulo vermelho para lhe servir de guia, esclarecendo a ilusão de Ponzo e deixando incontestavelmente claro aquilo que você já sabia: o bastão mais longo é o de baixo e o de cima apenas parecia mais longo devido ao efeito da perspectiva. Demonstrando que, conforme Ponzo tão bem percebeu há quase um século, a mente humana determina o tamanho de objetos comparando-os com o conteúdo do fundo que o cerca e que a Lua, na Figura 1, apenas parece desmesuradamente grande porque nós, inconscientemente, comparamos seu tamanho com o da árvore, o das colinas e de tudo o mais que está, aparentemente, em torno dela. E isso ocorre sempre que ela está baixa no horizonte, permitindo relacionar seu tamanho com o das coisas que descortinamos ao longe. Mas se você medir o ângulo de visão da Lua em qualquer posição no céu verá que é exatamente o mesmo, o que indica que ela não muda de tamanho quando cruza a esfera celeste.

Figura 3: A ilusão de Ponzo esclarecida

Mas, voltando ao nosso assunto: será que a Lua afeta o comportamento humano? Não sei. Mas sei que sua existência está indissoluvelmente ligada à própria sobrevivência da espécie.
O problema é que pouca gente sabe deste fato. Mas há quem se importe com ele. Ou não?
Senão, vejamos: alguma vez já lhe ocorreu a pergunta “E se a Lua não existisse?”
Pois se não a você, garanto que já ocorreu à muita gente. Se duvida, visite o Google, entre com “se a lua não existisse” (sem aspas) e espante-se com os mais de quatrocentos mil retornos. Mas quer se espantar mesmo? Pois apele para o inglês, entre com “what if there is no moon” e abasbaque-se com os quase duzentos milhões de retornos.
Isto posto, dito e assentado, eu me atrevo a lhe perguntar: e se a Lua não existisse?
Bem, houve época em que ela não existia mesmo. É verdade que já faz muito tempo, mas a Terra já pairou, soberana, no espaço sideral sem nada girando em torno dela.
Então, como foi que, de repente, a Lua apareceu?
Bem, este mistério intriga o homem já há muito tempo. A primeira hipótese conhecida for formulada pelo filósofo grego Anaxágoras de Clazômedas, quando postulou em 455 AC que a Lua havia sido gerada por uma imensa rocha, um pedaço da própria Terra, que se desprendeu e passou a girar em torno dela. Uma ideia que mais tarde foi considerada estapafúrdia, substituída pela noção de que a Lua sempre esteve nos céus, já que se tratava de um deus ou um círculo de fogo, dependendo do grau de ignorância da época (é curioso como o conhecimento ocidental passou por um período de trevas tão longo depois de ter sido iluminado pelas luzes do conhecimento da época áurea da cultura grega).
Foi somente a partir do início do século XVII, com o advento do Telescópio de Galileu, que por observação direta da superfície e das sombras projetadas sobre ela, se pode constatar que a Lua era um corpo celeste tridimensional, esférico, com seu relevo próprio, suas crateras e peculiaridades. Mas o grande gênio da física não especulou sobre suas origens (talvez porque havia tantos outros mundos ainda desconhecidos girando no espaço para atrair sua atenção).
Foi somente em 1873 que emergiu uma nova teoria sobre a origem da Lua, a “hipótese da coalescência”, postulada pelo astrônomo francês Édouard Roche. Segundo ele, Terra e Lua surgiram mais ou menos ao mesmo tempo pela condensação de anéis de gases que orbitavam o Sol e pela coalescência das partículas e objetos gerados por tal condensação. Segundo Roche, os demais planetas e seus satélites naturais foram gerados da mesma forma.
Esta teoria foi considerada uma hipótese plausível até que a nave Apollo 11 pousou no solo lunar em 1969 e pela primeira vez o homem pôde examinar amostras daquele solo, os regolitos lunares. E constatou que eram notavelmente diferentes dos obtidos no solo da Terra, diferindo principalmente pelo conteúdo de ferro, muito mais baixo lá do que cá. Se Lua e Terra fossem formadas pela mesma matéria prima, como afirmava Roche, isto não poderia ocorrer.
Em 1878 foi a vez de George Darwin, filho do genial Charles Darwin, formular sua “teoria da fissão” para justificar a formação da Lua. George havia se tornado um respeitado especialista no estudo das marés e, examinando registros de maré ao longo dos anos, concluiu que a Lua vinha aos poucos se afastando da Terra (o que é verdade, como veremos).
Para imaginar as origens da Lua ele simplesmente reverteu o processo, verificando o que teria ocorrido no passado remoto, quando a lua estava mais próxima da terra. E a física demonstrava que quanto mais próximos os corpos estivessem, mais rapidamente ambos girariam. O que o levou a crer que há bilhões de anos, pouco depois da formação da terra, a rotação seria tão rápida que a força centrífuga teria feito com que uma parte da Terra, ainda em forma de lava líquida, se desprendesse dela e formasse a Lua, que pouco a pouco foi se afastando – como continua a fazer até hoje.

Figura 4 – A hipótese da fissão de George Darwin

Era uma teoria plausível, não muito diferente da de Anaxágoras, mas que, mesmo antes que as análises das amostras do terreno lunar a derrubasse de vez, foi refutada por cálculos matemáticos: para que ela fosse verdadeira a rotação da Terra teria que ter sido tão rápida na fase de formação da Lua que seria incompatível com o movimento relativo hoje estabelecido entre os dois corpos celestes.
Em 1909 o comandante da marinha americana e astrônomo Thomas Jefferson Jackson formulou a “teoria da captura”. Segundo ele, a Lua nada mais era que um corpo celeste que vagava pelo espaço sideral até passar tão perto da Terra que, depois de ter seu movimento desacelerado por certo “meio resistente” que, segundo Jackson, preencheria o espaço sideral, acabou capturado por sua força gravitacional e foi forçado a permanecer girando em torno dela. Uma teoria que poderia explicar as diferenças na composição dos materiais de que são feitos os dois corpos, mas se baseava na existência do “meio resistente”, alguma coisa – talvez formada por partículas vagando neste espaço – que oferecesse resistência ao movimento de um corpo celeste e o desacelerasse. Foi derrubada pela comprovação da inexistência deste meio.
Não obstante tudo isto, as três teorias – da coalescência, da fissão e da captura – conviveram até recentemente.

O impacto gigantesco
O fato é que nunca tivemos equipamentos tão precisos para explorar os céus como os que criamos nas últimas décadas (se bem que exatamente a mesma frase poderia ser dita com igual ou maior teor de verdade algumas décadas depois que Galileu Galilei fabricou seu telescópio em 1609; atenção: o sofrido Galileu, vítima de tantas acusações infundadas, não “inventou” o telescópio nem jamais afirmou que o fez; o aparelho foi concebido e patenteado por certo Hans Lippershey, dos países baixos, um ano antes; Galileu apenas fabricou um que de fato funcionava...)
E hoje, depois que em 20 de julho de 1969 a Apollo 11 pousou na região da lua conhecida como o Mar da Tranquilidade, temos um conhecimento bastante razoável daquilo que, de fato, é a Lua e de que material é constituída, baseado nas análises de quase 22 kg de regolitos, amostras trazidas diretamente de lá. Portanto não se deve estranhar o aparecimento de mais uma teoria, esta bastante mais plausível. A do “impacto gigantesco” (“Giant Impact Theory”).
Ela foi aventada depois que geólogos encontraram entre as rochas lunares um tipo especial que é gerado após a colisão de grandes corpos celestes no qual não se constata a presença de elementos voláteis. O que indicava que em um dado momento toda a superfície da Lua foi coberta de lava líquida. Mais ainda: a distribuição relativa de isótopos de certos elementos nas amostras de solo lunar era exatamente a mesma encontrada no material de que é feito a Terra, o que não ocorre com materiais encontrados no espaço sideral.
William Hartmann é hoje um respeitado astrônomo do Planetary Science Institute de Tucson, Arizona –USA. Nos anos sessenta do século passado, recém graduado, sua tarefa era mapear a superfície da Lua com os recursos então disponíveis. E dedicou meio século de sua vida ao estudo do satélite. Concluiu, inicialmente, que as grandes crateras lunares resultavam do impacto de gigantescos corpos celestes que se chocavam com ela causando imensas explosões que afetavam tudo em um raio de até mil quilômetros. O que demonstrava, segundo ele, que na época em que se formou a Lua havia objetos gigantescos vagando pelo espaço hoje ocupado por nosso sistema solar. E que, eventualmente, se chocavam com outros objetos, inclusive planetas.
Ora, se havia objetos com algumas centenas de quilômetros de diâmetro vagando por aí e se chocando uns com os outros, não seria possível que isto ocorresse com corpos do tamanho de planetas? E se uma destas colisões ocorresse com a Terra, qual seria seu resultado?
Em 1972 Hartmann e seu colega, o astrônomo Don Davis, desenvolveram um programa de computador para modelar um fenômeno deste tipo. E as simulações mostraram que se um corpo celeste gigantesco houvesse se chocado com a Terra há cerca de quatro e meio bilhões de anos, apenas alguns milhões de anos (segundo os cálculos, cerca de trinta milhões de anos) após a formação da própria Terra, quando ela era pouco mais que uma bola de lava recoberta por uma fina crosta, o resultado do impacto seria uma explosão tão gigantesca que poderia resultar na fusão dos dois corpos celestes e na formação de um terceiro, composto por materiais oriundos dos dois primeiros, que orbitasse em torno da agredida Terra.
Isto seria possível, mas não explicava a composição da Lua, que neste caso deveria ter um núcleo de ferro como a Terra – o que não é o caso.
Esta conclusão fez com que Hartmann e Davis – com a ajuda de seu programa de simulação – formulassem nova teoria em 1974. Segundo ela, houve, sim, um impacto gigantesco devido à colisão com a Terra de um corpo celeste, um protoplaneta aproximadamente do tamanho de Marte.

Figura 5 – A hipótese do impacto gigantesco

Para testar esta hipótese a equipe da Dra. Robin Canup, da Universidade de Colorado, em Boulder, desenvolveu um novo programa de computador. A discussão dos resultados deste programa pela própria Dra. Canup, assim como os resultados da simulação, podem ser encontrados no < http://www.youtube.com/watch?v=ibV4MdN5wo0&feature=related > trecho do documentário “The moon”, da série sobre o universo do History Channel (de onde foram obtidas as figuras 4, 5 e 6), disponível no YouTube.
Segundo o modelo, a colisão foi tangencial (e teria sido a responsável pelo movimento de rotação da terra) e o corpo colidente espatifou-se em miríades de pequenos pedaços que formaram uma grande cauda, como a de um cometa, que inicialmente, com a força do impacto, se projetaram para longe da Terra e em seguida passaram a orbitá-la e, ainda segundo o programa de modelagem, em menos de um ano coalesceram e formaram a Lua (veja Figura 5). Na Terra não restou qualquer sinal ou cratera devida à colisão porque nosso planeta ainda estava em fase de formação e era constituído basicamente de magma líquido que – ainda segundo o modelo da Dra. Canup – em menos de um dia retomou sua forma quase esférica.
A teoria do impacto gigantesco foi formulada em 1974 e apresentada ao meio científico de então, mas atraiu pouca atenção. Foi apenas dez anos depois, quando exposta pelos autores na Conferência Lunar então realizada no Havaí, que os mais eminentes astrônomos vieram a aceitá-la como a (até o momento) mais plausível explicação para o nascimento da Lua. Que aparece se formando pela coalescência de objetos siderais no canto superior direito da Figura 6.

Figura 6: A Lua em formação

E agora que sabemos (ou pensamos que sabemos) como a Lua nasceu, estamos prontos para discutir o que ocorreria caso ela desaparecesse.
Na próxima coluna, naturalmente.
Como? O que tem a ver esta coluna com computadores? Nada, naturalmente. Mas se você fizer questão que tenha, lembro a citação dos programas da Dra. Canup e de Hartmann e Davis. Mas o fato é que o ForumPCs não é só sobre computadores, mas sobre tecnologia. E há um bocado de ciência e tecnologia envolvida no assunto de hoje. De qualquer forma, se você não gostou, solicito respeitosamente que reclame com os editores e deixe o colunista escolher o tema que preferir para escrever sobre. Desde já, agradecido...
B. Piropo

 

B. Piropo