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B. Piropo

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17/10/2011

< Ig Nobel Prize 2011 – Parte II >


A cerimônia de entrega do Ig Nobel Prize deste ano teve início precisamente às 19h30min do dia 29 de setembro passado. Ela foi divulgada em tempo real pela Internet (transmissão tipo “webcast”) e detalhes podem ser encontrados na página < http://improbable.com/ig/2011/ > “The 2011 Ig Nobel Prize Ceremony & Lectures”. Quem dispuser de tempo pode (e deve; para quem tem conhecimento suficiente do idioma inglês, é impagável...) assistir o < http://www.improbable.com/ig/2011/webcast/ > vídeo completo (e, se não puder, sugiro enfaticamente que assista ao menos os primeiros cinco minutos, durante os quais poderá apreciar a execução “da melhor música jamais composta sobre química”, cantada em dueto por seu autor, Tom Leherer, professor de medicina, e Rich Roberts, um autêntico ganhador do Prêmio Nobel; não é preciso entender inglês para apreciar). Já quem não dispuser do tempo necessário aconselho pelo menos que assista ao < http://www.youtube.com/watch?v=O1W_uKXynjI > vídeo de divulgação da cerimônia. Vale a pena.

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Figura 1: Mark Abrahms na cerimônia de entrega

Como de hábito o mestre de cerimônia foi Mark Abrahams, editor chefe da Annals of Improbable Research (veja-o na figura acima, obtida do vídeo da cerimônia de abertura). E durante seu desenrolar, como convém a uma cerimônia de entrega de prêmio, os prêmios foram entregues (e muito mais coisas aconteceram, o que torna a cerimônia especial e bastante diferente da entrega do Nobel). Porém, ao contrário de seu congênere fornecido pela Academia Sueca de Ciências, que brinda o laureado com uma quantia equivalente a três milhões de reais, o Ig Nobel é mais simples. O galardoado recebe apenas o prêmio em si mesmo, acompanhado por um documento (assinado por diversos ganhadores reais do Prêmio Nobel) atestando a façanha.
Mas em que consiste o prêmio? Bem, varia de ano em ano depende do tema da cerimônia de entrega (pois trata-se de um evento temático). O tema deste ano foi “Química” e o prêmio foi um objeto correlato: uma pequena mesa na superfície da qual vem estampada uma tabela periódica dos elementos (mais adiante, na figura, uma delas pode ser vista nas mãos de Karl Teigen ao receber seu Ig Nobel de Psicologia). Parece uma coisa meio besta, mas trata-se de uma brincadeira típica de acadêmicos, que apenas faz sentido para os angloparlantes versados em química. Pois, em inglês, a designação de “tabela” e “mesa” são homônimos perfeitos (homófonos e homógrafos).  O termo é “table”, naturalmente. Então uma “mesa de tabela periódica” é uma “periodic table table” (o que a plateia, formada predominantemente de estudantes de Harward, cientistas e pesquisadores, achou engraçadíssimo mas que, pensando bem, é uma coisa meio besta mesmo...)
Como antes mencionado, a cerimônia não se restringe à entrega dos prêmios. Há ainda, além de outros eventos performáticos, atividades como uma opereta em cinco atos sobre o café cantada e representada por doutores, cientistas e pesquisadores, uma revoada de aviõezinhos feitos com papel reciclado lançados pela plateia sobre um alvo humano no palco e uma pequena série de “24/7 Lectures”.
“24/7” é a maneira americana de se referir a uma atividade que jamais é interrompida, ou seja, que prossegue durante as 24 horas dos sete dias da semana, semana após semana. “Lecture” significa “aula”, “palestra”. Então simples a menção de “24/7 Lectures” deve dar calafrios a qualquer aluno universitário. Mas, na cerimônia de entrega do Ig Nobel, a expressão tem um significado diferente. Ela designa uma atividade que consiste em expor um tema científico razoavelmente complicado em apenas 24 segundos e, em seguida, resumir a explicação em não mais que 7 palavras que qualquer leigo possa entender. Daí o 24 (segundos) /7 (palavras). Durante a cerimônia houve quatro ou cinco destas “24/7 lectures”. A que mais me impressionou foi da doutora em psicologia Susan Lindquist sobre o tema “Stress Response” (“Reação ao estresse”), Que, depois de comprimir o tema em 24 segundos com termos para mim ininteligíveis, arrematou com as sete palavras: “What doesn’t kills you make you strong” (o que não lhe mata, lhe torna mais forte).
Ao fim e ao cabo a cerimônia parece um imenso parque infantil com brincadeiras igualmente infantis assistida por uma plateia não menos infantil. Só que as crianças são estudantes universitários, pesquisadores, mestres, doutores e vetustos cientistas, muitos deles laureados com o Prêmio Nobel e que, em outro ambiente, jamais ousariam se comportar daquela forma. O tipo da coisa que vale a pena assistir...
Agora, voltemos aos prêmios e seus laureados.

Física e Psicologia
O Ig Nobel de Física 2001 foi concedido a uma numerosa equipe composta por  Philippe Perrin, Cyril Perrot, Dominique Deviterne e Bruno Ragaru, todos da França, e Herman Kingma da Holanda, pelo estudo experimental publicado na respeitável revista médica PubMed e intitulado < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10894415 > “Dizziness in discus throwers is related to motion sickness generated while spinning”. Pois acontece que, como sabemos todos, ambos os esportes olímpicos de arremesso de disco e de martelo exigem que, antes do arremesso, o atleta efetue uma série de movimentos giratórios em torno de um eixo vertical imaginário em velocidade crescente. Pois ocorre que foi constatado que, enquanto não foram registrados relatos da parte dos arremessadores de martelo de haverem sentido tonteira após o giro, estes relatos são comuns entre os arremessadores de disco. O estudo examinou um total de vinte e dois atletas de alto desempenho em ambas as modalidades que foram filmados em câmara lenta e tiveram estudadas suas referências visuais, apoio dos pés, movimentos de cabeça enquanto realizavam o lançamento. O trabalho comprovou que, efetivamente, a diferença não se deve a susceptibilidades individuais e que, de fato, o lançamento de disco é comprovadamente mais capaz de provocar tonteira, listando as razões para que isto aconteça. Eu, particularmente, fiquei vivamente impressionado com o trabalho – não tanto por seu tema e conclusões, mas sobretudo pela quantidade de cientistas necessários para se chegar a uma conclusão tão besta. Mas, ao que parece, os agraciados com a honraria não se mostraram muito satisfeitos com ela. Se recusaram a comparecer à cerimônia para receber seus prêmios e não enviaram representante. Em vez disto mandaram um vídeo onde todos aparecem e, polidamente – mas claramente contrariados – agradecem o prêmio mas defendem a seriedade da pesquisa alegando que seus resultados podem ser usados na cura de doenças. Francamente, tem gente totalmente desprovida de senso de humor...

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Figura 2: Karl Teigen empunhando seu prêmio

Outro que não me deixou particularmente impressionado foi o Ig Nobel de Psicologia 2011, concedido a Karl Halvor Teigen da Universidade de Oslo, Noruega, pelo trabalho publicado no “Scandinavian Journal of Psychology” intitulado < http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-9450.2007.00599.x/abstract > “Is a sigh “just a sigh”? Sighs as emotional signals and responses to a difficult task” no qual ele discute a interpretação dos suspiros (veja, na figura acima, a imagem de Teigen empunhando o Prêmio Ig Nobel durante a cerimônia de entrega, obtida do vídeo da cerimônia). Eu não sei se minha antipatia se deve à – ao meu juízo, despropositada – alusão à letra de uma das mais belas canções que conheço ou à relativa importância do tema face aos abordados pelos trabalhos dos demais ganhadores. Seja como for, em seu trabalho Teigen demonstrou que apesar da maioria das pessoas associar o ato de suspirar principalmente a estados emocionais negativos, de baixa intensidade e atividade, suspiros alheios são normalmente interpretados como sinais de tristeza, enquanto os próprios são considerados como ato de desistência de alguma tarefa. A conclusão final do estudo é que suspiros são frequentemente expressões não intencionais de uma atividade, proposta ou desejo que teve de ser descartada, funcionando como uma pausa antes de se dedicar a uma nova iniciativa. Mas, francamente, afinal quem já não sabia disto?
Agora vamos aos – em minha modesta opinião – grandes vencedores.

Biologia, Medicina e Literatura
O Ig Nobel de Biologia 2011 foi concedido a Darryl Gwynne, do Canadá e Austrália, e David Rentz, da Austrália e EUA, pelo trabalho "Beetles on the Bottle: Male Buprestids Mistake Stubbies for Females (Coleoptera)" no qual descrevem o estranho comportamento dos machos de certa espécie de besouro que insistem em fazer sexo com garrafas de cerveja. Ambos os autores compareceram à cerimônia de entrega e em seu bem humorado discurso Gwynne declarou que “o estudo foi publicado há 22 anos e durante todo este tempo ele e David esperaram ansiosamente que o telefone tocasse para anunciar que haviam sido laureados com o Ig Nobel”. Ainda segundo Gwynne, o que os levou a fazer o experimento foi terem surpreendido à beira de uma estrada, durante uma de suas incursões às regiões desérticas do interior da Austrália para estudarem os espécimes locais, um besouro macho tentando fazer sexo com uma garrafa de cerveja vazia descartada pelos caminhoneiros que por ali trafegam. Intrigados, decidiram estudar o fenômeno e descobriram que ocorria apenas entre os machos de uma determinada espécie (Julodimorpha bakewelli) que, devido à cor e à existência de uma superfície enrugada, irregular, próxima à base da garrafa (ali presente para impedir que ela escorregue quando segura por uma mão molhada) eram levadas a confundir aquele tipo específico de garrafa (que na Austrália é denominada "stubbie”) com as fêmeas da espécie, cuja parte traseira tem o mesmo aspecto. Na conclusão de seu trabalho os autores ressaltam que “o fato de descartar garrafas de forma imprópria não apenas provoca risco físico e poluição visual no ambiente onde são descartadas como também apresentam o potencial de causar grande interferência no sistema de acasalamento de uma espécie de besouros”. Afaste as crianças da tela do computador e repare, na figura abaixo, obtida do vídeo da cerimônia de entrega, um macho da espécie Julodimorpha bakewelli surpreendido enquanto praticava uma relação sexual com uma indefesa garrafa tipo "stubbie”.

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Figura 3: O ato sexual (pela primeira vez no FPCs)

Como ocorre com alguma frequência na premiação congênere, o Nobel, o Ig Nobel de Medicina 2011 foi concedido a dois grupos distintos de cientistas que conduziram pesquisas independentes sobre o mesmo tema: como a premência em urinar afeta a capacidade de tomar decisões. O primeiro grupo, constituído por Lewis MS, Snyder PJ, Pietrzak RH, Darby D, Feldman RA e Maruff P., todos da CogState Ltd de Melbourne, Austrália, foi responsável pela publicação do trabalho < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21058363 > “The effect of acute increase in urge to void on cognitive function in healthy adults”. O segundo, composto por Mirjam A. Tuk, da Universidade de Twente, < http://papers.ssrn.com/sol3/cf_dev/AbsByAuth.cfm?per_id=1586939 > Debra Trampe, do Departamento de Marketing da Universidade de Groningen e < http://papers.ssrn.com/sol3/cf_dev/AbsByAuth.cfm?per_id=278915 > Luk Warlop, da Universidade Católica de Leuven, publicou o trabalho < http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1720956  > “Inhibitory Spillover: Increased Urination Urgency Facilitates Impulse Control in Unrelated Domains” (perceba que o nome do primeiro autor, Mirjan, já denota uma tendência nata para se dedicar a este tipo de pesquisa; eu diria que se trata de um predestinado).
Neste último trabalho os autores afirmam que “Estados viscerais sabidamente exercem um impacto [prejudicial] em nossa habilidade de autocontrole... Nós argumentamos que sinais inibitórios não são específicos de um domínio, mas podem extravasar para domínios não correlatos. Resultando em um aumento do controle dos impulsos no domínio comportamental.” Para testar suas conclusões os autores ofereceram uma grande quantidade de água aos participantes voluntários, fizeram-nos aguardar uma hora e, quando a vontade de urinar estava próxima de se tornar insuportável, submeteram-nos a três experimentos.
As conclusões do experimento 1 levaram a crer que o dito “estado visceral” contribuiu para a melhora no desempenho do reconhecimento de cores mas não no reconhecimento de palavras. Já os experimentos 2 e 3 levaram à conclusão que quanto maior o nível de controle da vontade de urinar, maior a habilidade de resistir a tentação de gastar dinheiro em coisas não essenciais.
Em resumo, ambos os trabalhos, realizados independentemente e sem o conhecimento um do outro, concluíram que a premência em urinar afeta significativamente a capacidade decisória, em algumas situações melhorando o desempenho, em outras afetando negativamente a qualidade das decisões tomadas (literalmente) sob pressão. Ambos os grupos de pesquisadores compareceram à cerimônia de entrega e receberam, orgulhosos, seu premio.

E o grande vencedor foi...
Finalmente, mas definitivamente não menos importante, o Ig Nobel de literatura 2011 teve um solitário ganhador. O que também não afetou sua magnitude, muito pelo contrário: em minha modesta opinião foi a pesquisa revestida de maior significado e creio mesmo que ela deveria merecer não apenas o Ig Nobel, mas o próprio Nobel tamanha sua importância para o desempenho laboral de cada um de nós (notadamente o meu).

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Figura 4: John Perry, o grande vencedor

O distinguido pela subida honraria foi o americano  John Perry (na foto acima, obtida de sua página pessoal no sítio da Universidade), um professor emérito de filosofia da Stanford University que sempre foi conhecida como grande e admirável fonte de saber e muito mais agora será, depois que com seu trabalho revolucionário Perry estabeleceu as bases de um novo ramo do conhecimento que ele mesmo batizou de “Procrastinação estruturada”.
Como declarou Mark Abrahams na cerimônia de abertura, Perry mereceu o prêmio por demonstrar que “para ser um grande realizador é preciso estar sempre ocupado com algo importante, usando isto como justificativa para evitar fazer coisas ainda mais importantes”.
Vejam uma tradução livre dos magistrais parágrafos iniciais de seu trabalho: “Eu pretendia escrever este ensaio há meses. Por que eu o estou finalmente escrevendo? Porque eu afinal consegui algum tempo livre? Errado. Eu tenho documentos a classificar, uma proposta de financiamento de pesquisa para revisar, rascunhos de dissertações para serem lidas. Eu estou escrevendo este trabalho como uma razão para não estar cumprindo quaisquer destas obrigações”. E por aí segue, justificando de forma impecável as virtudes da procrastinação e ensinando uma forma magistral de – e, embora ele não tenha citado a frase, tomo a liberdade de fazê-lo por minha própria conta por acha-la primorosa além de se ajustar perfeitamente ao contexto – “jamais fazer hoje o que pode ser deixado para amanhã porque amanhã talvez já não seja mais necessário”.
John Perry fornece as bases científicas estruturadas e uma justificativa acadêmica impecável para um procedimento que eu venho adotando há anos, porém de forma aleatória, desorganizada e sem qualquer base filosófica, o que me expunha à crítica e censura de quem me havia encomendado as tarefas que procrastinava. Agora, com os fundamentos da Procrastinação Estruturada (em maiúscula, como merecido), posso justificar quaisquer atrasos eventuais na execução de seja lá o que for, mantendo-me sempre ocupado fazendo coisas importantes (e mais agradáveis) e usando isto como justificativa de (“ainda”) não ter me dedicado às obrigações urgentes, porém desagradáveis.
Se algum colega compartilhar minha profunda admiração pelo extraordinário trabalho de Perry e desejar apreciá-lo detalhadamente sugiro consultar o original: < http://chronicle.com/article/How-to-ProcrastinateStill/93959 > “How to Procrastinate and Still Get Things Done” publicado no “The Chronicle of Higher Education”.
Perry, naturalmente, não compareceu à cerimônia de entrega pois devia estar dedicado com empenho a fazer algo menos importante que usou como desculpa. Em vez disto solicitou à sua editora, Debora Wilkes, que o representasse e lesse seu discurso. Curtinho, naturalmente.
Esse cara é o meu herói...

B. Piropo