Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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14/04/2003

< Micro a álcool >


Lembra daquele slogan do Governo: “Carro a álcool, você ainda vai ter um”? Quem acreditou deu-se mal. Pois bem: há no horizonte uma nova utilização para o álcool. E quem acreditar provavelmente se dará muito bem.
O álcool no caso é o metanol que, entre outras aplicações, é usado como combustível nos carros da Fórmula Indy. E breve será usado para alimentar seu micro com a eletricidade gerada em uma célula de combustível (“fuel cell”).
No futuro, células de combustível serão o principal meio de gerar eletricidade. Suas aplicações irão de grandes geradores para abastecer cidades até unidades menores que alimentarão motores elétricos de automóveis, uma forma menos poluente e mais eficiente de produzir energia automotiva. E unidades leves e pequenas serão usadas para alimentar notebooks, substituindo com enormes vantagens as atuais baterias. Mas como funciona essa maravilha da tecnologia moderna?
É provável que você conheça a eletrólise da água: coloca-se em um reservatório uma certa quantidade de água na qual se dissolveu um pouco de ácido e mergulha-se nela fios ligados aos terminais de uma bateria. Algumas moléculas da água se “quebram” em seus componentes básicos, hidrogênio e oxigênio. Os íons de hidrogênio, com sua carga positiva (falta de elétrons), são atraídos para o terminal negativo, onde recebem elétrons. Os de oxigênio, com sua carga negativa (excesso de elétrons), são atraídos para o positivo, ao qual cedem seus elétrons. O resultado é o desprendimento hidrogênio no terminal negativo e oxigênio no positivo. Ou seja: a eletrólise da água nada mais é que sua decomposição nos elementos básicos hidrogênio e oxigênio. E consome energia.
Ora, se um dado processo consome energia, revertê-lo produz a mesma quantidade de energia. E uma célula de combustível é exatamente isso: a combinação de átomos de hidrogênio e oxigênio, produzindo uma certa quantidade de água e gerando energia.
Há diversos tipos de células de combustível. O que nos interessa, o DMFC (acrônimo de “Direct Methanol Fuel Cell”), usa metanol como fonte de hidrogênio. O metanol é o álcool mais simples. Sua molécula contém um único átomo de carbono, um de oxigênio e quatro de hidrogênio.
Uma DMFC é constituída por dois meios porosos, que funcionam como anodo e catodo, separados por uma película de uma substância muito especial: a PEM (de “Proton Exchange Membrane”, ou membrana de troca de prótons), revestida em ambos os lados por uma fina camada de platina em pó que atua como catalisador. O que torna a PEM tão especial é sua propriedade de somente se deixar atravessar por prótons (íons de carga positiva), bloqueando os elétrons.
O anodo é alimentado com uma solução de metanol (CH3-OH) e água (H2O). O catodo, com oxigênio (na verdade, com ar, a mais barata fonte de O2). Na presença do catalisador, uma molécula de metanol se combina com uma de água. O resultado é uma molécula de gás carbônico (CO2), que se desprende, e seis átomos de hidrogênio. O átomo de hidrogênio contém apenas um próton em seu núcleo e um elétron na coroa. O íon hidrogênio, com seu próton (unidade de carga positiva), atravessa a PEM, encontra o oxigênio no catodo e forma água. O elétron liberado no anodo é bloqueado pela PEM e tende a se acumular ali. Resultado: basta ligar externamente o anodo e o catodo por um condutor para que ele seja percorrido pelos elétrons, que saem do anodo ávidos por neutralizar as cargas positivas do catodo, gerando uma corrente elétrica que pode ser utilizada para qualquer fim (inclusive alimentar um computador). Veja uma explicação do funcionamento de uma DMFC em <http://voltaicpower.com/FuelCell/dmfc.htm> e uma excelente demonstração do funcionamento de uma célula de combustível genérica em <http://auto.howstuffworks.com/fuel-cell2.htm>, com uma animação interessantíssima (o texto é em inglês, mas você pode apreciar a animação clicando no botão “Close” da figura e, depois, nos botões “Activate” e “Continue”; para recomeçar, clique em “Reset”).
A tecnologia ainda está em fase de pesquisas. Mas se você pensa que será usada em um futuro distante, engana-se. Há pouco mais de um ano a Casio anunciou que pretende substituir as baterias de lítio de seus dispositivos móveis por uma célula de combustível DMFC que estende o tempo de utilização de um notebook para vinte horas em vez das três de uma carga de bateria. Sem mencionar que, esgotado o metanol da célula de combustível, basta trocar o cartucho vazio por outro cheio para mais vinte horas de funcionamento. O lançamento está previsto para o ano que vem.
Em agosto do ano passado a MTI Micro apresentou seu protótipo de célula de combustível DMFC, um treco menor que um maço de cigarros. Ela não será usada para abastecer diretamente um micro, mas para recarregar sua bateria, estendendo o tempo de funcionamento longe de uma tomada em mais de dez vezes. O lançamento comercial também se dará no próximo ano. E tanto Toshiba quanto Motorola trabalham em suas próprias células de combustível para micros, com lançamento previsto para 2005.
Há problemas a serem resolvidos. Segurança é um deles: metanol é tóxico e inflamável e há que vencer a resistência das autoridades para permitir que um negócio desses seja usado, por exemplo, no interior de um avião. Outro é o preço: metanol não é caro, mas os custos de fabricação e distribuição dos cartuchos não são desprezíveis. Mas espera-se que no futuro próximo um cartucho descartável com uma carga para vinte horas ou mais custe cerca de três dólares no mercado americano, algo perfeitamente acessível. Os problemas estão sendo resolvidos e breve a tecnologia estará disponível. O que me permite predizer sem grande margem de erro: “Micro a álcool: você ainda vai ter um”.

B. Piropo