Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
Volte
24/10/2005

< Justiça divina >


Dia desses, arrumando meus guardados encontrei, cuidadosamente classificados em caixas de papelão, um mundaréu de manuais de periféricos, placas controladoras, placas-mãe, discos rígidos, o diabo. Por que cargas d’água teria eu guardado aquele monte de papel velho? A resposta surgiu das brumas do passado: para consultar suas características técnicas. Encaminhei tudo aquilo a um arquivo mais apropriado: a lixeira. Não há mais necessidade de guardá-los quando todas aquelas informações e mais uma inimaginável quantidade de outras estão hoje disponíveis na Internet, ao alcance de um bom dispositivo de buscas. Mas o incidente me fez matutar. Como era possível viver antes da Internet?
Depois, pensei melhor e cheguei à conclusão que não se trata da Internet em si mesma. Afinal, ela já existia desde os anos oitenta. O que mudou nossas vidas é o uso que fazemos dela e os instrumentos que surgiram depois que ela se tornou ubíqua. Coisas como dispositivos de buscas, comunicação por mensagens instantâneas e voz sobre IP, disseminação do correio eletrônico, programas como o Google Earth, sítios especializados em tecnologia, em humor, em notícias, em qualquer-coisa-que-você-imaginar.
Um exemplo: sem a Internet, como saber que no Estado do Novo México, EUA, tramita a lei SB 432 intitulada “Dangerous Dog Act” que responsabiliza “os proprietários de cães perigosos pelas ações de seus animais”? A lei visa “proteger o público e reduzir o número de proprietários irresponsáveis de cães no Estado, assegurando assim melhor qualidade de vida para todos os novo-mexicanos, inclusive os cães” (estou apenas traduzindo o texto da lei, não reclamem do estilo).
A justificativa para a apresentação da lei, assim como informações sobre sua tramitação (foi aprovada pelo Senado Estadual em 7 de março último por 40 votos contra 25), podem ser encontradas em < www.apvnm.org/2005_legislation/dangerous_dogs/ >. Sem a Internet, como saber disso?
A lei, naturalmente, tem seus opositores. Um deles é Norm Wilson, da New México Animal Owners Alliance, que a classifica como “fortemente, ameaçadoramente anti-cães e anti-proprietários de cães”. Ele protesta pelo fato dela “classificar como cão perigoso aqueles que simplesmente fazem o que qualquer cão faria: proteger seu território e donos latindo para estranhos e transeuntes”. E se mostra particularmente indignado pelo fato de, após ter seu animal classificado como “ameaçador” ou “potencialmente perigoso”, o proprietário do cão pode ser acusado de violar a lei por não haver realizado os devidos “procedimentos administrativos” e portanto sujeito às penalidades previstas para o delito. Tudo isto está em < www.adoa.org/legal/nm.php >. Não fora a Internet, como ter conhecimento disso?
E mais: um dos proponentes da lei e seu principal defensor, Bob Schwartz, da cidade de Albuquerque (não a da novela, a original, do Novo México) foi promotor público e atualmente é um dos principais conselheiros de Bill Richardson, Governador do Estado do Novo México, a quem presta assessoria na área de segurança pública. E que ele mesmo, Bob Schwartz, é proprietário de três cães, todos devidamente registrados na Prefeitura de Albuquerque, como convém. E, apesar de proponente e defensor da lei contra cães perigosos, Mr. Schwartz não é do time dos poodles ou chihuahuas: seus cães são um boxer e dois buldogues. Informações, naturalmente, obtidas via Internet...
E, finalmente, mas não menos importante: como saber, se não pela Internet (no Boston.Com,
< www.boston.com/news/nation/articles/2005/10/19/new_anti_dog_bill_put_to_test_in_nm/?rss_id=Boston.com+%2F+News >,
no “Eye on Boise”, < www.spokesmanreview.com/boise/blog.asp >,
no Yahoo News < http://news.yahoo.com/s/ap/20051019/ap_on_fe_st/dog_day_afternoon;_ylt=[NA MESMA LINHA]
AjoCuI_IHWW9T9F5B4AaZQ8sQE4F;_ylu=X3oDMTBiMW04NW9mBHNlYwMlJVRPUCUl
>
e na UPI < www.upi.com/NewsTrack/view.php?StoryID=20051017-054533-4530r >) que, segundo insuspeita declaração de Pahl Shipley, porta-voz do Governador Bill Richardson, o respeitável Mr. Schwartz, ex-promotor público, conselheiro do Governador do Estado para assuntos de segurança, proponente e defensor da lei que responsabiliza os proprietários de cães perigosos pelas ações de seus animais, foi internado na noite de domingo, dia 16 deste mês no Hospital da Universidade do Novo México, com sérios ferimentos em ambos os braços causados por mordidas de seus próprios cães?
Como se vê, na Internet encontra-se de tudo.
Inclusive exemplos edificantes tanto da justiça dos homens quanto da divina...


B. Piropo