Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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04/07/2005

< Lei e tecnologia >


Há exatamente uma semana a Suprema Corte americana, depois de um longo e rumoroso processo, decidiu pelo voto unânime de seus nove juízes que as empresas de intercâmbio de arquivos Grokster e StreamCast, que usam a tecnologia Peer to Peer (“P2P”), seriam passíveis de processo judicial em virtude das violações de direitos autorais perpetradas por seus usuários.

Os estúdios cinematográficos e gravadoras americanas comemoraram efusivamente o fato e trataram de divulgar imediatamente pelos quatro cantos do mundo a decisão que, segundo eles, liquidaria com a prática de troca de arquivos musicais e de filmes pelo processo P2P. Os defensores das acusadas alegavam que se algum crime houve, ele foi praticado pelos usuários, não pelas empresas. E se apoiavam em uma histórica decisão da mesma Suprema Corte americana, o “Veredicto Sony Betamax” de 1984.

Este veredicto foi emitido em função de uma demanda judicial movida por Universal City Studios e Walt Disney Productions em 1976 contra a Sony, por ocasião do lançamento do primeiro gravador de videocassete padrão Betamax. Os autores da demanda alegavam que copiar o conteúdo de fitas cassete violava a legislação sobre direitos autorais e a Sony, ao fabricar um dispositivo que permitia tal cópia em grande escala, estava colaborando com uma atividade criminosa.

A Suprema Corte não aceitou a alegação. Segundo ela, não cometeria ilegalidade alguma quem copiasse fitas de vídeo ou qualquer outro material protegido por direitos autorais desde que fosse para uso próprio. E, mesmo levando em conta que algumas pessoas poderiam usar os equipamentos de reprodução para fazer cópias ilegais, os fabricantes ou vendedores de tais equipamentos não poderiam ser responsabilizados por isso. Essa é a essência de uma decisão judicial que forneceu as bases da indústria de eletrônica para entretenimento e informática. Porque se ela fosse contrária à Sony, esta não seria a única atingida por não poder fabricar seus gravadores de vídeo padrão Betamax (lembra deles?): não existiriam também os aparelhos de videocassete VHS, que mais tarde vieram a dominar o mercado, assim como gravadores de CD e DVD. E, talvez, nem mesmo os discos magnéticos e disquetes, por permitirem a cópia de software (que também é protegido por direitos autorais). Em suma: viveríamos em um mundo diferente.

O grande receio dos representantes da indústria da eletrônica é que, no processo movido contra a Grokster e StreamCast, a Suprema Corte derrubasse o “Veredicto Sony Betamax”. E, a julgar pela reação das gravadoras e estúdios, teria sido justamente isso o que aconteceu.

Mas essa não é a opinião dos especialistas.

Na verdade, a decisão da semana passada afeta apenas Grokster e StreamCast, mas não a tecnologia P2P, que não é sequer mencionada na decisão. Que diz, textualmente: “Consideramos (os juízes) que quem distribui um dispositivo cujo objetivo é promover seu uso para infringir a legislação de direitos autorais, claramente exprimindo ou incentivando esta infração, é responsável pelas infrações dele resultantes”. Em outras palavras: a Corte assumiu posição contrária às empresas em virtude de seu incentivo a atividades criminosas, induzindo seus usuários a violar a legislação de direitos autorais, não pela atividade em si mesma. Ou seja: o “Veredicto Sony Betamax” não foi afetado, continua vigendo e passa muito bem, obrigado.

Se levarmos em conta que a tecnologia P2P pode operar de forma descentralizada, sem a necessidade do apoio de uma empresa ou organização, e que o software que permite o intercâmbio de arquivos está solidamente aboletado em mais de oito milhões de máquinas apenas em território americano, dá para perceber que as gravadoras e estúdios não têm muito a comemorar. Esta opinião não é apenas minha, muito pelo contrário: circula livremente pela Internet e está muito bem resumida no artigo de Alorie Gilbert, da ZDNet
(em < http://news.zdnet.com/2100-9588_22-5764998.html?tag=nl.e539 >): “Ruling won't slow file swapping, experts say”.

Em suma: até o momento a frase lapidar de Tom Freeburg, da Motorola, continua valendo: “sempre que houve uma colisão entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu”.

O que é muito bom para nós, usuários.

B. Piropo