Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
13/01/2003

< Paixões >


O que faz a comunidade informata se dividir em tribos? Por são elas tão aguerridas? Por que os usuários se aferram a seus micros mesmo que apareçam máquinas melhores?
Para entender isso é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é uma máquina “melhor”. Seria a mais rápida? A que aceita mais periféricos? A mais versátil?
Nada disso. Para o usuário doméstico, o micro “melhor” é o que preenche satisfatoriamente suas necessidades e expectativas individuais. O que o faz mais feliz. É por isso que o usuário do MacIntosh está cheio de razão quando diz que o MacIntosh é “melhor” que o PC. E nem por isso tem menos razão o usuário do PC quando afirma que o PC é “melhor” que o Mac. E quando usuário de MSX garante que sua máquina é infinitamente “melhor” que o PC e o Mac juntos, tem tanta razão quanto os demais.
Eu disse tanta? Disse-o mal. Na verdade, tem mais. Porque o PC e o Mac existem apesar de seus usuários. Mas se o MSX existe hoje, é exclusivamente por causa deles.
A história do MSX é triste. O padrão foi encomendado pela Microsoft em 1983 para micros de oito bits. Cansada de adaptar seus programas para cada marca existente no mercado, a MS decidiu conceber uma arquitetura baseada no processador Z-80 da Zilog e desenvolver um sistema operacional para ser usado gratuitamente por qualquer fabricante que aderisse ao padrão. Com isso, ganhavam os fabricantes, que não precisariam desenvolver o sistema operacional, os usuários, que poderiam intercambiar arquivos entre máquinas diferentes e, evidentemente, a MS, que desenvolveria programas apenas uma vez. Diversos fabricantes aderiram. Se bem me lembro, oito no Japão, dois ou três na Europa, um na Argentina e dois no Brasil: Sharp, com o HotBit, e Gradiente, com o Expert.
A coisa não vingou porque o padrão foi lançado tarde demais. Em 84 e 87 surgiram as máquinas de 16 e 32 bits e o mercado de oito bits murchou. Paralelamente, o surgimento dos “clones” da linha PC fez o sonho da MS tornar-se realidade: seus programas rodavam em micros de qualquer fabricante. E, tangidos pela força do mercado, todos viraram as costas para o MSX. Se não me falha a memória, o último a ser produzido industrialmente saiu da linha de montagem no início dos anos 90.
Acontece que o MSX não é uma máquina comum. Ao contrário das demais, ferramentas de trabalho adaptadas para uso no lazer, o MSX foi concebido para dar prazer. Numa época em que a tela de um PC era um triste campo negro salpicado de caracteres verdes, a do MSX era uma esfuziante arena de cores brilhantes e figuras em movimento. Tudo no MSX era vivo e colorido. É fácil se apaixonar por uma máquina assim.
O resultado é que, apesar de abandonados pela indústria, os usuários do MSX simplesmente se recusaram a deixá-lo morrer. No início, foram iniciativas isoladas. Depois, juntaram-se aqui e ali, formaram grupos. Gente séria e dedicada, os de maiores inclinações técnicas não somente mantiveram as máquinas antigas funcionando como as aperfeiçoaram. Em um esforço comovente, implementaram “na marra” o padrão MSX 2 (que chegou a florescer no Japão mas nunca foi produzido industrialmente no Brasil), desenvolveram controladoras para discos rígidos e mouses, engendraram formas de atualizar as máquinas (visite à página do Ademir Carchano, um desses abnegados, em <www.msxprojetos.com.br>). Depois, a Internet deu o empurrão que faltava. E, unidos em nível mundial (fora do Japão, as comunidades mais atuantes estão na Holanda e no Brasil), passaram a trocar experiências e programas pela rede, a organizar encontros, em suma, a manter acesa a chama de uma paixão (visite <www.msx.org> e <www.msxpro.cjb.net/>).
A turma é denodada. Há alguns anos, um comentário infeliz que fiz sobre o micrinho fez desabar um dilúvio de ferocíssimas mensagens sobre esse pobre escriba. Agora, uma empresa japonesa adquiriu os direitos sobre a marca MSX, pretende voltar a fabricar o micro e fundou a MSX Association. O problema é que não estão dando bola para as opiniões da comunidade no que toca à arquitetura do futuro MSX. O que é, no mínimo, uma falta de consideração, pois foi justamente essa comunidade que manteve o padrão vivo por todos esses anos. Seus membros são gente séria, merecem admiração e respeito e têm todo o direito de dar seus pitacos. Não é à toa que já estão se movimentando contra a tal associação.
Quanto a mim, declaro-me total, completa e irrestritamente do lado da comunidade, da qual já fiz parte e à qual, humildemente, solicito minha readmissão honorária. E prometo selar a paz comparecendo ao próximo encontro realizado aqui pelas bandas do Rio de Janeiro. Isso, se for aceito, naturalmente...

B. Piropo