Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
24/05/1993

< A Grande Revolução I >


Em outubro de 1985 a Intel lançou o que talvez tenha sido o mais revolucionário de seus microprocessadores. Na época foi batizado de 80386. Mais tarde a Intel substituiu o prefixo "80" pela letra "i" da inicial de seu nome, e o chip passou a ser conhecido como i386. Finalmente, para diferenciar do i386SX, uma versão mais limitada lançada três anos mais tarde, passou a ser chamado de i386DX, nome pelo qual é hoje conhecido. Mas note que somente mudou o nome: tanto 80386, quanto i386 ou i386DX são exatamente o mesmo chip. E um senhor chip, diga-se de passagem.

O que faz o i386DX tão revolucionário? Quase tudo. Para começar, foi a primeira CPU de 32 bits. Tanto nos registradores internos quanto no barramento de dados. Só isso já o fazia acessar memória duas vezes mais depressa que o 286 com seus dezesseis bits. Como já foi lançado com uma frequência de operação de 16MHz, numa época em que o 286 mais rápido operava a 12MHz (mais tarde a Intel lançou versões do i386DX de 20MHz, 25MHz e 33MHz), o efeito global foi acelerar em cerca de três vezes o desempenho da máquina.

Mas não era apenas na velocidade de processamento que o i386DX se destaca: seus registradores internos de 32 bits permitem-lhe ampliar para inacreditáveis 4Gigabytes o campo de memória que pode acessar diretamente (Cuidado: se acha que isso é uma bobagem, já que nenhum micro da linha PC permite usar mais de 64Mb de memória RAM, lembre-se que era exatamente o que diziam aqueles que achavam um desperdício o 8088 poder acessar 1Mb na época em que as máquinas vinham com 64K de RAM). E, quando se trata de memória virtual, a coisa salta para absurdos 64Terabytes (um Terabyte é igual a 1024 Gb). Quer ter uma idéia do que representam 64Tb? O sonho do "big brother": neles se poderia armazenar um prontuário de mais de três páginas sobre cada habitante do planeta.

Ao contrário do 286, que já estava nas pranchetas da Intel muito antes do boom dos computadores pessoais, o i386DX foi criado levando em conta uma indústria de micros adulta e ciente de seus desejos e necessidades. Por isso, ele foi muito melhor concebido: desde o conjunto de instruções, que embora compatível com o dos seus antecessores, era claramente otimizado, até - e principalmente - o gerenciamento da memória: foi o primeiro a abandonar as amarras do velho esquema de endereçamento "quebrado" em segmento/deslocamento (embora mantendo compatibilidade com ele).

Se tais qualidades de fato impressionam, não bastam para caracterizar o i386DX como revolucionário. A característica responsável por isso é um novo modo de operação, o chamado "modo 8086 virtual". Demonstrando saber tirar proveito dos próprios erros, com ele a Intel abriu a possibilidade do chip utilizar uma coleção de programas DOS estimada em mais de quinze bilhões de dólares sem perder suas características mais avançadas. O salto foi tão grande em relação ao 286 que na prática liquidou com os velhos AT 286: as diferenças de desempenho entre as máquinas 286 e os novos 386 são tão grandes, e as de custos tão pequenas, que seria uma insensatez comprar um 286 nos dias de hoje. Vejamos porque.

Como o velho 286, o i386DX pode operar nos modos protegido e real. Mas o grande entrave do 286 foi removido: nada o impede de retornar do protegido para o real, o que já é uma grande vantagem. Além destes, foi incorporado um terceiro modo de operação: o "modo 8086 virtual", o verdadeiro pulo do gato. Nele, um i386DX pode subdividir a memória em diversos "pedaços" e em cada um simular um 8086. Esses "pedaços" são chamados de "máquinas virtuais 8086". Se você ainda não entendeu as vantagens, pense nos seguintes termos: um 386 pode funcionar como se dentro dele existissem diversos XT operando simultaneamente. Percebeu agora? O paraíso da multitarefa enfim ao alcance dos programas DOS: basta carregá-los, cada um em uma "máquina virtual" independente. O gerenciamento da memória do i386DX cuida do resto, inclusive de proteger estes trechos de memória uns dos outros, impedindo que um programa rodando em uma máquina virtual interfira com outro. Tal façanha permitiu usar as novas potencialidades da CPU sem ter que jogar fora toda a base instalada de programas DOS.

É por isso que Windows, por exemplo, exige no mínimo um 386 para rodar no modo "Enhanced", o único que permite multitarefa com programas DOS. Como é também por isso que os novos sistemas operacionais, como o OS/2 e o esperado Windows NT, não rodam em nada abaixo de um 386. E é igualmente por isso que eu tenho repetido à exaustão que hoje em dia não faz sentido comprar um novo micro que não seja no mínimo um 386. Dentro de muito pouco tempo a imensa maioria dos novos aplicativos exigirá pelo menos um deles.

Para conseguir todas essas proezas, a Intel teve que enfiar nada menos que 275 mil transistores dentro do i386DX. E, como resultado da tendência mundial de queda dos preços do hardware, seu preço de lançamento foi inferior ao de seus antecessores: US$299. Mesmo hoje, oito anos após o lançamento, dificilmente pode se encontrar um no varejo por menos de oitenta dólares - dez vezes mais que o pobre 286. Até agora a Intel já vendeu cerca de quinze e meio milhões destas pequenas maravilhas. Mas não se deixe enganar por esse número (menos da metade das vendas do 286). Pois o 386 foi o chip mais "clonado" do mercado: a soma das vendas de seus diversos sabores excede os cinquenta milhões de unidades.

Que sabores? Veremos logo. Antes, porém, para ter uma visão panorâmica mais abrangente, vamos examinar o sucessor do 386, o chip i486 da Intel. Nosso assunto da próxima semana.

B. Piropo