Escritos
B. Piropo
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06/06/94

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Hoje, afinal, você vai entender porque eu me decidi a gastar tantas colunas com o Power PC, uma máquina que nem ao menos está disponível no mercado. Mas, antes, vamos abrir um parênteses e recuar no tempo até o início dos anos 80. Mais precisamente até agosto de 1981, quando a IBM lançou seu primeiro micro. Que veio a ser o patriarca da linha PC e gerou cerca de duzentos milhões de descendentes - o número estimado de micros desta linha em todo o mundo. Um sucesso e tanto, indubitavelmente. Você sabe o porquê de tamanho sucesso? Pois, por mais paradoxal que pareça, ele se deve a uma decisão tomada por medo do fracasso...

Eu já contei essa história em detalhes, portanto serei breve. Naquela época, o mercado de computadores pessoais era estimado em algumas dezenas de milhares de máquinas por ano. Um mercado praticamente desprezível. Nada que atraísse a cobiça de uma IBM. Não fosse um detalhe: pouco antes, ela havia se recusado a entrar no mercado de minicomputadores, pequeno demais para sua imponência. Um mercado constituído por firmas pequenas. E deixou-o para firmas igualmente pequenas como a DEC. Que começou a explorá-lo, cresceu fabricando minis e passou a fabricar também máquinas maiores. As firmas pequenas, suas clientes, cresceram também. E, quando minicomputadores já não lhes eram suficientes, adivinhem a quem procuraram para comprar suas máquinas de grande porte? Pois é isso. Será que com os micros, quem sabe...

Como não gosta de errar duas vezes seguidas, a IBM resolveu lançar seu microcomputador. Mas, decididamente, não tinha a menor fé que aquele negócio fosse adiante. Por isso decidiu não ser demasiadamente audaz. Ao invés de investir pesado e desenvolver chips proprietários para um negócio duvidoso, decidiu usar componentes disponíveis no mercado. Se não desse certo, o prejuízo seria pequeno. Por isso selecionou a CPU 8088 da Intel e outros circuitos encontradiços nas prateleiras das boas casas do ramo. E ligou-os entre si, criando uma "arquitetura" para a nova máquina. Como ali nada havia de novo, não havia o que se patentear. Essa é a história da famosa "arquitetura aberta" do PC da IBM. Um sucesso de vendas que surpreendeu a todos. Principalmente a própria IBM.

A IBM nunca se notabilizou pelos preços baixos. Suas máquinas eram soberbas, porém caras. E o mercado ansiava por máquinas semelhantes a baixo preço. Um prato cheio para a concorrência: como a arquitetura não era patenteada, firmas pequenas passaram a usar os mesmos componentes e fabricar máquinas quase idênticas, vendendo-as mais barato. Assim nasceram firmas como a Compaq. E, primeiro dezenas, depois centenas de outras. Essas máquinas, conhecidas como "clones", venderam feito bolinho quente. Eram totalmente compatíveis com os PC da IBM, ou seja, rodavam os mesmos programas sob o mesmo sistema operacional. Se um pequeno fabricante desaparecesse, os clientes não ficavam órfãos, já que havia centenas de outros. Nem perdiam o investimento feito em programas. Esse foi o segredo do sucesso da linha PC.

Todo mundo ganhou dinheiro. Inclusive a IBM, é claro. Mas se sentindo assim meio que lesada: afinal, tinha sido ela que inventara a tal arquitetura que todo o mundo estava usando. E ninguém lhe pagara um tostão. Então, na segunda metade dos anos 80, quando lançou seu primeiro 386, resolveu ir à forra: desenvolveu uma nova arquitetura para máquinas de 32 bits, a MCA (ou arquitetura micro-canal). E patenteou-a. Quem quisesse copiar que copiasse, mas tinha que botar uma graninha na mão da IBM.

A arquitetura MCA é infinitamente superior à anterior, hoje conhecida como ISA. Só para dar uma idéia: ela adotava integralmente o "novo" conceito de plug and play. E isso há quase dez anos, imaginem. Realmente formidável. Indiscutivelmente melhor. Mas diga-me lá: você conhece alguém que tenha um micro MCA? Se conhece, asseguro que você não faz parte de uma multidão. A arquitetura MCA, apesar de ser excelente, não vingou. E não vingou porque não pode ser "clonada". Ninguém vendeu. Muito menos a IBM.

Pois bem: como eu disse lá em cima, a IBM não gosta de errar duas vezes seguidas. E resolveu não patentear a arquitetura de seu novo Power PC - por sinal, como veremos semana que vem, tão revolucionária quanto foi a MCA na década passada - nem dificultar sua "clonagem". Mais que isso: não só não vai dificultar, como vai estimular. Na verdade, a IBM está praticamente convidando a concorrência a copiar sua máquina sem perigo de ações judiciais ou demanda de royalties: por cem dólares qualquer um pode comprar o "Power PC Reference Platform Specification Guide", um conjunto de especificações sobre o que ela chama de PReP (Power PC Reference Platform) que permite fabricar micros totalmente compatíveis com os seus próprios, usando a mesma CPU - que, afinal, é fabricada pela Motorola e está no mercado. O documento especifica o mapa da memória, o POST (auto-teste de partida) detalhado, controle de cache externo, controladores de periféricos, barramento e todos os demais detalhes necessários para projetar um clone perfeito do Power PC. Em suma: a IBM está fazendo o que pode para que qualquer semelhança entre o PReP e a arquitetura aberta de seu primeiro PC não venha a ser mera coincidência.

Fornecer especificações detalhadas sobre um novo produto e incentivar a concorrência a copiá-lo parece doideira, mas na verdade pode ser um brilhante golpe de mercado. Saindo na frente, sendo a pioneira, determinando o padrão e, sobretudo, apoiando-se na tradição de qualidade de seus produtos, se o Power PC for um sucesso, a IBM espera açambarcar a maior fatia do mercado. E incentivando a clonagem ela propiciará a proliferação dos Power PC. Quanto mais a concorrência vender, mais o padrão se afirma e mais ela própria venderá.

Em suma: a IBM está tentando fazer com que o Power PC venha a repetir o sucesso do seu primeiro antepassado, o PCzinho com CPU 8088 e 64K de memória que deu origem à linhagem. E se depender da arquitetura e dos sistemas operacionais da nova máquina, tem uma boa chance de ser bem sucedida. Veremos porque semana que vem.

B. Piropo