Escritos
B. Piropo
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13/06/94

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Essa é a última de uma série de quatro colunas. Que, portanto, começou a ser escrita há um mês. Como, nesse período, passei duas semanas longe deste teclado, as três anteriores foram escritas de uma só assentada. Só esta ficou para depois. Porque esta inesperada explicação? Ah, é que ela tem a ver com o tema da série. Pois acontece que, antes de partir, sabendo que precisava deixar prontas três colunas, deparei-me com a necessidade de escolhê-lo. Ora, pensei eu, nada mais simples: bastaria selecionar o assunto mais momentoso da COMDEX, então prestes a começar. E qual seria ele? Bem, considerando-se as informações que se pesca aqui e ali, só havia duas alternativas: plug and play e Power PC. Sobre plug and play eu havia acabado de escrever o artigo de capa do Caderno que saiu na semana em que a série se iniciou. Portanto, não havia opção: Power PC. Com certeza eu haveria de tropeçar em centenas deles nos salões da COMDEX. E, provavelmente, estariam dando um show a parte, rodando tudo o que se possa imaginar. O que tornava a escolha particularmente feliz, já que deixando prontas apenas três colunas, a última seria escrita depois que eu tivesse testado a maravilha em carne e osso - ou, melhor, em silício e metal.

Nessa altura dos acontecimentos, se vocês leram o que andei escrevinhando sobre a COMDEX, já sabem que a presença do Power PC na feira não foi propriamente avassaladora. Muito pelo contrário: não vi mais de cinco. E rodando somente Windows NT ou AIX, o Unix da IBM. Mais uma prova que fazer previsões é uma arte muito difícil. E para a qual tenho escassos pendores.

O que teria havido? O Power PC não vai vingar? Perdemos tempo com uma série de colunas sobre um fiasco? Acho que não. Apesar de tudo, creio que ele abocanhará uma considerável fatia do mercado ainda nesta década. Eu sei que depois da última COMDEX, arriscar-me a mais esta previsão parece, no mínimo, temerário. Mas tenho cá minhas razões. Vejam lá: já vimos que o Power PC, uma máquina RISC, será rapidíssimo - o que foi confirmado pelos poucos que vi rodando. E que a IBM, que bolou a coisa toda, decidiu incentivar a produção de clones, máquinas inteiramente compatíveis com seu Power PC, visando com isso transformá-la em um padrão de fato. E mais: que ele será capaz de emular os microprocessadores da Intel usando um esquema que minimiza a perda de velocidade da emulação, fazendo com que os programas rodem tão rapidamente quanto nas mais velozes CPU CISC. O que já é muito - mas não o bastante para justificar minha fé no sucesso da máquina.

O que me faz prever um futuro brilhante para esse novo micro é o fato de que, com ele, a IBM espera unificar todos os micros em uma única CPU. E, para isso, usará um recurso engenhosíssimo: o Workplace OS (ou seja lá que nome tiver quando for lançado), com suas múltiplas personalidades.

Workplace OS é o nome provisório do sistema operacional que a IBM adotará para o Power PC - que rodará ainda, em modo nativo (ou seja, sem emulação) pelo menos o Windows NT e o AIX. Seu cerne (o coração do sistema, o código que maneja diretamente o hardware) se baseia no microkernel Mach 3, desenvolvido na Universidade de Carnegie-Melon, e se comunicará com os aplicativos mediante uma "camada" intermediária independente, uma interface através da qual os programas solicitam os serviços do sistema (para os experts, uma API, ou Application Programming Interface). Pois afirmo sem medo de errar: será essa "camada" que fará com que o Workplace OS venha a ser o melhor dos sistemas operacionais.

Mas que bobagem, dirão vocês. Então o Piropo não sabe que não existe esse negócio de "o melhor dos sistemas operacionais"? O melhor sistema operacional é aquele com o qual o usuário se entende com mais facilidade. E alguns usuários se dão melhor com este, outros com aquele. Portanto, não há um "melhor": há muitos. O melhor para mim pode não ser o melhor para você. Portanto não há - nem jamais haverá - um sistema operacional que seja aclamado "o melhor" por unanimidade.

Não obstante, volto a insistir: o Workplace OS será o melhor. E justamente pelas razões acima. Parece que não estou dizendo coisa com coisa? Só parece. Pois essa API vai funcionar como um camaleão, assumindo "personalidades" diferentes conforme o aplicativo que for carregado. Em outras palavras: é chegado a uma janela? Pois então use o Workplace OS em um Power PC e rode seu programa Windows. O sistema assumirá a "personalidade" de Windows e você nem perceberá que está no Workplace OS. Prefere o OS/2? Tudo bem, carregue seu programa OS/2 e vá em frente: se sentirá em casa. Ou você ainda se amarra no DOS? Sem problema, afinal há gosto para tudo: chame seu programa DOS predileto e siga adiante.

Pelo menos estas três "personalidades" estarão disponíveis desde o lançamento do Workplace OS, mas nada impede que outras venham a ser disponibilizadas futuramente. A IBM deixa entrever a possibilidade de pelo menos mais duas: Unix e Windows NT. E se a Apple licenciar o código necessário, nada impede que a "personalidade" do MacIntosh venha a ser incluída mais adiante. Portanto, seja lá qual for o sistema operacional que você eleja como "o melhor", estará dentro dele ao rodar o Workplace OS.

Percebeu agora a engenhosidade da coisa? Com o Workplace OS você poderá carregar e rodar ao mesmo tempo programas desenvolvidos para plataformas completamente diferentes em uma máquina RISC, rapidíssima, e sentir-se como se estivesse no sistema operacional nativo de cada aplicativo. Prefere os programas gráficos do Mac? O OS/2 lhe agrada mais para programas de comunicação? Windows lhe parece mais simpático para editar textos? Prefere o DOS para sei lá o que (desculpem, mas não consegui encontrar nada que encaixasse aqui). Pois então dê um boot em seu Power PC com o Workplace OS, desenhe em Mac, comunique-se em OS/2, escreva em Windows e faça sei lá o que em DOS. Simpático, não lhe parece?

Pois é essa a idéia por traz do Power PC. Para quando? Não sei. Mas desconfio que as primeiras máquinas da IBM e a versão inicial do Workplace OS com suas três primeiras "personalidades" estarão disponíveis em novembro, por ocasião da COMDEX Fall. Mas, como vocês sabem, ultimamente não ando muito bom para previsões...

B. Piropo