Escritos
B. Piropo
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05/09/1994

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Meus amigos, acabo de levar uma reprimenda. Curta e grossa (no bom sentido, naturalmente). Veio lá de Recife. O Alberto Jungbluth, que pelo nome e pelo estilo lembra um severo mestre-escola prussiano, mandou ver: "Sinto-me obrigado a manifestar uma discordância - há algumas semanas V.Sa. está publicando artigos fora de seu quilate, tipo 'Não é que me falte assunto'. Escrever esse tipo de artigo é uma falta de respeito a si mesmo, ao seu conhecimento técnico, à sua didática fácil e fluente. Lamento, e me perdoe por isso, não aceitar que o melhor e mais técnico articulista que já li esteja produzindo artigos como os últimos".

Fui elogiado, chamado de V.Sa e articulista, mas ganhei uma espinafração em regra. Um senhor puxão de orelha. Daqueles que doem. Especialmente porque, pensando bem, até que foi merecido: estou há muito tempo jogando conversa fora. Então vamos rapidamente passar aos finalmente e começar logo uma série sobre um periférico quase esquecido (raramente se lê algo sobre ele nas publicações técnicas), mas sumamente importante: os drives para fita. Tomara que o Alberto goste. E vamos nessa, antes que ele me puxe a outra orelha - que esta ainda está ardendo.

O primeiro PC, de 1981, não tinha drives de disco. Disco rígido, então, nem pensar. O feliz possuidor de uma daquelas maravilhas poderia, opcionalmente, agregar um drive para disquetes (que armazenavam, imaginem, 160K!). Mas custava uma nota preta.

Então, como armazenar arquivos e programas? Bem, a IBM não estava muito certa sobre o mercado de seu novo micro. Como os computadores pessoais de então eram máquinas tipicamente domésticas, imaginou que a forma dominante de armazenamento de massa seriam fitas cassetes. Por isso o PC da IBM vinha com uma entrada para cassete onde se poderia conectar um desses gravadores cassete de audio comuns.

Provavelmente você nunca usou um trambolho desses em seu micro. Mas nos tempos do meu velho MSX eu usei. E muito. Era uma desgraça: a técnica para gravar e ler informações era semelhante à usada para transmissão de dados via modem. Os bits eram modulados, ou seja, transformados em impulsos elétricos que o gravador poderia "ouvir", e gravados em uma fita de audio. Depois o gravador "tocava" a fita, os sons eram demodulados, ou seja, transformados novamente em bits, e transferidos para a memória. Tudo isso em uma taxa de transferência equivalente a de um modem de 1200 bps. Vocês têm idéia do tempo necessário para carregar um programinha de cinqüenta Kbytes, desses que seu disco rígido cospe para a memória em um piscar de led? Eram mais de cinco minutos. Eu mandava carregar o programa e dava tempo, tranqüilo, para tomar um café e fumar um cigarro. Meus pulmões sofreram muito com o MSX.

Isso sem contar com a dificuldade de encontrar o arquivo no meio da fita. Porque fitas não tinham diretório: você anotava - mais ou menos - a posição do arquivo na fita usando aquele indicador numérico do gravador. E como, quando se "tocava" a fita para descobrir o que nela havia, tudo o que se ouvia pelo alto-falante era um zunido insuportavelmente igual seja o que for que lá estivesse gravado, não se tinha a menor idéia do conteúdo do arquivo. Era rebobinar a fita até o ponto onde se esperava encontrar o arquivo, mandar o micro ler o que lá estava e torcer para aparecer na tela o nome do arquivo desejado. Bravos tempos aqueles do pioneirismo informático.

Não é de espantar que esse trambolho não fosse propriamente um sucesso. Logo o mercado exigiu drive de disquetes nos PC. Mais tarde, com o advento do disco rígido e seu posterior barateamento, ele passou a integrar os PC como dispositivo padrão e todos se esqueceram da fita. Menos o DOS, que até hoje usa as quatro primeiras funções da Int 15h para acionar o motor do cassete, pará-lo, ler e gravar dados na fita.

Porém a fita ainda é um meio extremamente econômico para armazenar grandes quantidades de informações. Não é cômodo: a obrigatoriedade de acessar os dados seqüencialmente torna seu uso lento e tedioso. Mas é barato. Então, por que não usá-la para armazenar dados cuja rapidez de acesso não seja essencial?

Você é apressado e acha que a rapidez de acesso é essencial para qualquer tipo de dados? Depende. E depende principalmente da freqüência com que se acessa os dados. Se você somente precisa deles, por exemplo, uma vez cada cinco anos, porque não usar um meio lento de armazenamento em troca do menor custo?

Como? Acha que isso é bobagem e não existem dados com acesso tão esporádico? Pois se engana. Sendo, como garanto que é, um micreiro responsável, você mesmo deve ter uma razoável quantidade de dados armazenados que, no entanto, espera jamais precisar acessá-los: o backup de seu disco rígido. E é aí que entra a fita. Porque é extraordinariamente mais fácil fazer o backup de um disco rígido em uma única fita que fazê-lo em uma quantidade aparentemente infinita de disquetes. O processo continua lento, mas pelo menos você não precisa ficar ao lado da máquina esperando o aviso para trocar os disquetes.

Por isso surgiram as primeiras unidades de fita para backup. No começo eram caras e destinadas principalmente a computadores de grande porte. Mesmo porque fazer backup em disquetes dos discos rígidos de vinte ou trinta mega da maioria dos micros de cinco anos atrás não era um processo tão exaustivo. Mas com os HD acima de duzentos mega que hoje quase todo mundo usa, backup em disquete é uma doideira.

Mas os preços caíram. Atualmente, nos EUA, os drives de fita para backup mais simples e baratos custam pouco mais de cem dólares. Se você levar em conta que para manter as duas cópias (que o bom senso recomenda) de backup de um HD de 250Mb precisa imobilizar quase vinte caixas de disquetes de 1.44Mb, perceberá que só a economia em disquetes paga o investimento. Portanto, não é de espantar que essas unidades tenham se disseminado tanto por lá. E, prevendo que logo se tornarão comuns também por aqui, vamos começar a destrinchá-las na próxima semana.

PS: O Alberto vai me desculpar por mais essa digressão, mas eu não poderia deixar passar em branco que, nesse semestre, fui alvo por duas vezes de homenagens que me tocaram fundo. Tanto a turma de Engenharia da Universidade Gama Filho quanto a turma de Informática da Universidade do Estado do Rio de Janeiro me honraram com a imerecida escolha para seu patrono. Participei, sensibilizado, das duas solenidades. Ambas bonitas e tocantes: é sempre uma emoção profunda ver um bando de jovens sair dos bancos da faculdade para enfrentar, cheios de esperança, a selva do mercado de empregos. A vocês, meus colegas engenheiros da UGF e meus companheiros informatas da UERJ, obrigado pela homenagem. Fez muito bem a esse velho coração perceber que tanta gente jovem e bonita aprecia o que escrevo. E fica aqui o meu desejo que sejam todos profissionais bem sucedidos e seres humanos íntegros e felizes. Que levem para sempre a certeza de minha amizade como eu levarei para sempre a grata emoção da homenagem que vocês me prestaram. Mais uma vez, obrigado.

B. Piropo