Escritos
B. Piropo
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31/10/1994

< Porque Warp e Não Lite >


A IBM lançou este mês a nova versão do OS/2, o Warp, com o nome oficial de OS/2 3.0. A versão anterior era a 2.11, e uma mudança no primeiro dígito do número da versão aponta para alterações significativas. De fato houve mudanças apreciáveis, que discutiremos tão logo eu receba a versão full (até agora só conheço a beta, que analisei aqui no caderninho). Mas a mudança que mais chama a atenção - a ponto da versão ter sido conhecida por algum tempo por OS/2 Lite e só depois ter sido batizada de Warp - é o fato de que agora o OS/2 pode se acomodar sem grandes dificuldades em máquinas com apenas 4Mb de RAM.

Pois muito bem: essa última frase aí de cima, na qual talvez você nem ao menos tenha reparado direito, dá panos pra manga. E assunto para muita discussão.

Primeiro, vamos prestar atenção numa palavra que, perdida assim no meio da frase, pode ter passado meio desapercebida. Trata-se do "apenas". Meu primeiro micro, um valente MSX com o qual iniciei meu caminho no mundo do vício - e nem há tanto tempo assim - tinha vibrantes 256K de memória RAM que desconfio jamais ter sido totalmente ocupada em toda sua vida útil. Convivemos por algum tempo e eu, volúvel, abandonei-o e caí nos braços de um PC que me acenou com luxuriantes 640K de RAM, nos quais cometi loucuras. Depois, insaciável, passei para um 286 que me brindou com todo um megabyte para dar vazão aos meus mais baixos instintos. Que não me bastaram: o vício é terrível, não tem medidas, quer sempre mais. Não me deu sossego enquanto não o saciei com dois vastíssimos megabytes, um exagero para a época. E agora, com a cara mais lavada, estamos aqui falando em "apenas" 4Mb.

E o mais grave é que o termo cabe como uma luva (eu sempre quis usar essa metáfora que acho linda, embora as luvas nem sempre me caibam tão bem). Pois hoje, 4Mb é o mínimo aceitável para qualquer máquina decente. Windows roda razoavelmente em "apenas 4Mb", mas tente rodar um Word 6 ou um Excel 5 nessa RAM assim exígua e quase dá para ouvir a CPU ranger no esforço de trocar páginas de memória com o disco. Além da impressão que o micro entrou em slow motion. Portanto, "apenas 4Mb" é apenas mesmo. Moral da história: não se deixe impressionar pelas exigências pantagruélicas dos sistemas de hoje em dia. Creio que dentro de muito pouco tempo estaremos falando aqui em "apenas 32Mb" sem que ninguém se espante. Mesmo porque os preços estão caindo tanto que os 4Mb da máquina do principiante de hoje custam tanto quanto me custaram os 640K de meu velho PC e, provavelmente, o mesmo que custarão os 32Mb da máquina do principiante de aqui a alguns anos.

O outro ponto que merece alguma reflexão é a súbita queda no esquecimento do nome de código "Lite". Uma corruptela, em inglês, de "light", leve. Muito usada para designar membros não muito radicais de partidos políticos não pouco radicais, bebidas com álcool suficientemente muito para embebedar o contumaz bebum mas suficientemente pouco para justificar o consumo desbragado, comestíveis com sabor suficientemente muito para serem comidos com prazer mas com calorias suficientemente poucas para apaziguar a consciência dos glutões e cigarros com nicotina suficientemente pouca para atrasar o enfisema por um par de anos.

Quando a IBM escolheu esse codinome para o novo OS/2, pensou em sua conotação de "esbelto". O OS/2 era "Lite" porque, mais magrinho, exigia menos do sistema. Tudo bem, fazia sentido. Mas o tiro quase lhe saiu pela culatra. Pois as más línguas insinuaram, e o mercado acreditou, que aquele "Lite" trazia embutida a conotação de "despojado". Trocando em miúdos: o OS/2 Lite era uma versão reduzida do OS/2 2.11 à qual haviam amputado recursos para que coubesse em tão pouca RAM. E que, por ser assim reduzida, não era capaz de "fazer tudo" o que a outra fazia.

Diga isso para um usuário, e liquide seu produto. Porque, mesmo não fazendo a menor idéia da totalidade de recursos do sistema, mesmo não tendo noção de que recursos sejam estes e para que servem e mesmo tendo certeza absoluta que jamais irá precisar de mais de vinte porcento e nunca aprenderá a usar mais de dez porcento deles, o usuário os quer todos. Não admite perder unzinho que seja.

Eu não sei exatamente o porquê dessa atitude, mas tenho cá minhas suspeitas. Solidamente embasadas em meu próprio comportamento. Pois eu sempre me sinto vagamente desconfortável quando estou rodando um programa que não é "completo", mesmo quando sei que seus recursos são mais que suficientes para minhas necessidades. O raciocínio não é muito lógico, mas é mais ou menos o seguinte: eu sei que aquele negócio não está "inteiro". Sei que falta alguma coisa, embora não saiba exatamente o que. Sei que não é nada que eu precise ou que saiba usar. Mas não gosto da situação porque, embora sem saber do que se trata, pode ser que algum dia eu venha a precisar daquilo. Então - e somente então - me fará falta. É ilógico, é irracional, mas é assim que eu me sinto. E, suspeito, é assim que todos se sentem.

Quando a IBM se mancou, tratou rapidinho de trocar o "Lite" por "Warp", um codinome mais poderoso, com todo o conteúdo de força e velocidade que os admiradores da Star Trek conhecem. E o fez por boas razões. Não somente porque, do ponto de vista de marketing, aquele "Lite" era um desastre, como também - e principalmente - porque não é verdade que a nova versão seja despojada de recursos. Ela, de fato, "faz tudo" o que a anterior fazia. E mais depressa, já que o código foi otimizado. O emagrecimento se deve, como expliquei na análise que fiz do beta, à remoção de uma montanha de código usado para debugar o sistema. Código que faz muito sentido em sistemas operacionais de máquinas de grande porte, mas em micros só servia para ocupar RAM desnecessariamente e tornar tudo mais lento.

E, finalmente, há um terceiro ponto digno de reflexão: será que valeu a pena tanto esforço apenas para fazer o OS/2 caber em 4Mb de RAM? Porque a IBM pode jurar de pés juntos que esse não foi o objetivo principal, mas não acreditem. Foi sim. E, o que é mais importante: não somente o esforço valeu a pena como é parte de uma estratégia fundamental para o sucesso do OS/2.

Por que fundamental? Bem, as razões estão ligadas ao mercado de máquinas com sistemas pré-instalados, como mencionei na análise do Warp beta. Mas a coisa é muito mais intrincada do que parece, já que recentemente ocorreu um fato transcendental para o futuro dos sistemas operacionais no qual quase ninguém reparou. E, os que repararam, não deram a importância devida. Trata-se do acordo entre a Microsoft e o Departamento de Justiça americano no processo anti-truste movido contra a MS.

O que isso tem a ver com o Warp, veremos semana que vem.

B. Piropo