Escritos
B. Piropo
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07/11/1994

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Semana passada prometi esclarecer porque o mercado de máquinas com sistemas pré-instalados é tão importante e como o acordo da MS com o Departamento de Justiça americano pode afetar o disputa entre sistemas operacionais. Então vamos aos fatos.

Antes, porém, para não sofrer a pecha de plagiário, cumpre esclarecer que quem levantou a lebre e chamou minha atenção para o assunto foi William Zachman, um respeitadíssimo colunista americano. E grande parte dos dados e dos argumentos que vocês lerão aqui foram colhidos na coluna de Zachman do OS/2 Magazine deste mês.

Para ter uma idéia da importância do mercado de sistemas pré-instalados, segundo uma empresa financeira americana, a Goldman, Sachs & Co., do total estimado de cinqüenta milhões de cópias de Windows fornecidas até o final de 94, menos de dez milhões foram vendidas diretamente. O restante, mais de oitenta porcento, são cópias pré-instaladas. Em contrapartida, menos de dez porcento das cópias do OS/2 vêm pré-instaladas. Segundo Zachman, ao final de 94, o número de cópias de Windows 3.x vendidas diretamente em seus quase quatro anos de vida não suplantará o número de cópias do OS/2 2.x vendidas no mesmo canal em seus dois anos e meio de existência.

A diferença é brutal e não pode ser explicada apenas porque o OS/2 exige mais RAM. A razão é outra e fica fácil entendê-la quando se conhece os termos do contrato "por CPU" que a MS firmava com os fornecedores de hardware. Um tipo de contrato muito peculiar que previa o pagamento à MS de uma cópia de Windows (e uma do DOS, ça va sens dire) por máquina vendida. A um preço módico, já que a MS nada fornecia ao fabricante além do direito de instalar as cópias. Nada mesmo, nem um mísero disquete. A documentação, se o freguês assim o desejasse, poderia ser fornecida, mas a um preço substancial. Evidentemente, para reduzir custos, a quase totalidade dos fabricantes editava sua documentação - o que explica a qualidade dos manuais de Windows e DOS que acompanham as máquinas mais baratas. E mais: quanto mais longo o prazo do contrato, menor o preço unitário a ser pago. Um negócio que parecia bom para ambas as partes. Para o fabricante, em um mercado onde a guerra de preços é cada vez mais acirrada, era interessante firmar um contrato longo a preços baixos, reduzindo os custos de suas máquinas. E para a MS era mais que interessante, já que cada centavo recebido era lucro - pois presumo que os custos de desenvolvimento de Windows e DOS já foram mais que ressarcidos. E quanto mais longo o contrato, maior a garantia de permanência de seus sistemas no mercado por anos a fio.

Parece que estava tudo muito bem. À exceção de um pequeno detalhe que talvez você não tenha percebido: o contrato "por CPU" previa o pagamento de uma cópia do DOS e mais uma de Windows por máquina vendida, e não por máquina onde os sistemas fossem instalados. Trocando em miúdos: quem assinasse esse tipo de contrato, a cada máquina que vendesse seria obrigado a pagar direitos à MS, tivesse ou não nela instalado o MS-DOS e Windows. É claro que o contrato não era obrigatório: sempre havia a possibilidade de comprar da MS as cópias que fossem, de fato, instaladas. Mas os preços, mesmo para compras em grandes quantidades, eram tão mais elevados que na prática inviabilizavam o negócio: comprando assim, como competir com quem firmava o contrato "por CPU"? Portanto, a regra era o contrato "por CPU".

Com esses dados, não é preciso ser um sábio para perceber porque só se conseguia comprar máquinas com DOS e Windows. E porque os fabricantes recalcitravam tanto em instalar outro sistema operacional: DOS e Windows, instalados ou não, já estavam pagos. Instalando outro, teriam que pagar duas vezes.

Tudo corria na santa paz - ao menos para a MS - até que o Departamento de Justiça americano abriu uma investigação contra ela, acusada pelos concorrentes de violar a lei anti-truste. As acusações eram muitas e pesadas, e aqueles de vocês que leram a excelente série do Ricardo Rangel sobre o assunto já as conhecem. Uma das mais graves e que mais chamou a atenção era a vantagem que o ramo da MS que desenvolvia aplicativos levava sobre a concorrência pelo fato de conhecer detalhes não documentados dos sistemas operacionais desenvolvidos pela própria MS.

Dessa, e de quase todas as demais, a MS escapou ilesa. Não se conseguiram provas que um ramo da empresa privilegiasse o outro com informações confidenciais nem que ela apelasse para práticas comerciais pouco recomendáveis, e nesse campo nenhuma providência foi tomada. O que levou todos, inclusive a imprensa especializada, a comer mosca e acreditar que a investigação não havia dado em nada e que a MS tinha se saído muito bem, exceto por um pequeno puxão de orelhas, consagrado através de um acordo preliminar ("consent decree") firmado entre ela e o Departamento de Estado no encerramento das investigações. A MS, por sua vez, de público, não deu o braço a torcer: deu crédito a essa interpretação e encerrou o assunto.

Acontece que o puxão de orelhas a quem todos deram tão pouca importância foi justamente a proibição da assinatura dos contratos "por CPU" que, segundo Zachman, o Departamento de Justiça concluiu ser "uma flagrante violação da lei Sherman anti-truste". Pior: não apenas a MS foi proibida de assinar novos contratos deste tipo, como foi obrigada a notificar a freguesia que os contratos vigentes estavam automaticamente convertidos em contratos "por cópia": dali em diante, somente seriam pagas as cópias efetivamente instaladas. E mais: o acordo proibiu a MS de firmar contratos de fornecimentos superiores a um ano (embora permita a renovação anual à critério do contratante). E, finalmente, o acordo proíbe a MS de fazer contratos que obriguem a compra de mais de um produto - o que significa que a MS não pode mais "casar" as vendas de Windows e MS-DOS.

Resultado: se a IBM se mexesse com a agilidade necessária e oferecesse o OS/2 (ou o PC-DOS, de sua propriedade) aos fabricantes a um preço convidativo, estava aberta a brecha no mercado antes inexpugnável de máquinas com sistemas pré-instalados. Mas para viabilizar tudo isso, só faltava um detalhe: fazer o OS/2 caber na máquina padrão vendida no mercado americano. Que tem 4Mb de RAM.

Detalhe esse que o Warp, ou OS/2 3.0, supre galantemente. O que talvez explique a razão pela qual, recentemente, mais de cinqüenta fabricantes firmaram contratos com a IBM para fornecer o OS/2 pré-instalado. Número, aliás, que aumenta a cada mês.

Pois é isso. Os ícones animados do Warp são bonitinhos, o acesso à Internet ajuda, o new look da interface gráfica ajuda mais ainda. Mas, para a disseminação do OS/2, tudo isso é conversa. O que conta, mesmo, é que agora ele cabe em 4Mb de RAM.

E a IBM que se mexa depressinha, porque o Chicago vem aí. E também cabe.

B. Piropo