Escritos
B. Piropo
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13/04/1998

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Por ter estado viajando, somente hoje comento a reação de alguns leitores à observação que fiz há cerca de um mês sobre os micros MSX. Que não me pareceu desairosa: apenas manifestava admiração por existir um clube de usuários de um computador que já não é fabricado industrialmente há alguns anos. No entanto, sabendo como é aguerrida a tribo do MSX, pedi aos membros do supracitado clube que me poupassem de mensagens sobre o assunto.

Não adiantou. Alguns denodados usuários de MSX escreveram manifestando seu repúdio aos meus comentários que, segundo eles, denegriam a imagem de uma máquina tão portentosa. Pelo teor das mensagens, percebe-se que eles acreditam que os MSX são muito superiores aos PC de última geração (eu não estou exagerando: eles de fato acreditam). Tiveram, inclusive, a bondade de relatar a insofismável evolução que seus formidáveis micros haviam experimentado. Um deles chegou a exigir que a relação de tais avanços fosse aqui publicada, brandindo a cruel ameaça de enviar-me mensagens diárias enquanto eu não o fizesse. Tendo lido a primeira, apresso-me a fazê-lo, apavorado ante o risco de ser submetido a tão abominável tortura. Portanto, saibam que os MSX já incorporam as seguintes características revolucionárias: usam interfaces IDE e SCSI, aceitam placas de som "wavetable" e alcançam colossais 16 bits. Além de ter, textualmente: "vídeo que não deixa nada a desejar a nenhum micro maior". E se mais não publico é porque mais não havia na minaz mensagem. Portanto espero estar livre da brutal punição que me foi acenada.

Diga-se a bem da verdade que a maioria das mensagens era educada. Mas sempre há uma exceção. Cerca de uma semana depois de publicada a coluna, surpreendi-me com o inusitado número de mensagens em minha caixa postal. Estranhei, mas como sempre transfiro mensagens em segundo plano, não dei muita importância (aos usuários de MSX, esclareço que um programa roda em "segundo plano" quando suas funções são executadas enquanto se trabalha com outro na mesma máquina; isto chama-se multitarefa e se a linha MSX mantiver o vertiginoso ritmo de sua evolução, é provável que a incorpore em menos de uma década). Depois verifiquei que no pacote, além do correio habitual, havia cerca de 200 mensagens anônimas, idênticas, com o título "MSX is the best". No corpo, apenas uma frase, começando com: "Antes que eu me esqueça... vá se" e concluindo com um termo de baixo calão. Achei engraçado, marquei a primeira e a última e as exclui todas de meu disco rígido com um único comando.

Depois, fiquei matutando: que tipo de pessoa se daria ao trabalho de fazer um negócio destes?

Há de ser inteligente, pensei. Para engendrar um meio assim tão original e sutil de espezinhar um adversário, impõe-se uma mente aguçada, superlativa, beirando a genialidade.

Mais que inteligente: sarcástico. A ironia escondida pelas reticências, o estilo mordaz, o candente insulto final, o tom imperativo, denotam uma personalidade cáustica, altiva.

Altivo, porém modesto. Pois não se deixem levar pelas aparências: escondeu-se no anonimato não por covardia ou pusilanimidade, como um julgamento apressado poderia levar a concluir, mas por pura modéstia. Seu caráter superior fê-lo manter-se na sombra apenas para preservar o "low profile". Mas sem dúvida é um bravo, um intimorato defensor de suas idéias. E defende com igual ardor todas as três que cabem em seu cérebro privilegiado.

À esta imensa capacidade mental, alia grande equilíbrio. Há de ser um homem acostumado às lides do espírito, um titã de ânimo temperado em terríveis embates intelectuais ao longo de uma vida prenhe de realizações. E não se atribua à lerdeza mental o fato da reação ter tardado uma semana. Pelo contrário, usar o tempo para amadurecer a decisão, tomada com certeza após sopesar diversas opções e examinar detidamente cada faceta da questão, é sinal de ponderação. É certamente um homem maduro e experiente. Um sábio.

Mas não um velho. O espírito há de ser jovem e irrequieto. A mente, voltada para o futuro. Um pioneiro, um inovador. Afinal, tem um MSX, uma máquina moderna, poderosa, supremo triunfo da ciência, admirável ícone tecnológico, a última palavra da informática. Trata-se, sem dúvida, de alguém à frente de seu tempo.

E não resta dúvida que é um audaz. Que puniu exemplarmente meu pecado imperdoável de cultivar idéias diferentes das suas. Cônscio de sua posição de Administrador Supremo e Único Dono da Verdade, não hesitou em castigar minha impertinência ao divergir de seu ponto de vista.

Quantas virtudes! Que profunda admiração me despertou este rapaz!

Isto posto, e considerando que dediquei toda uma coluna para destacar as qualidades dos formidáveis MSX e a elogiar seus indômitos usuários, espero ter me redimido das eventuais - e injustas - críticas a que os tenha submetido anteriormente e informo que voltarei a discutir o assunto quando (e somente quando, nunca antes), como o PC já o fez há alguns anos, a linha MSX vier a adotar uma CPU de 64 bits.

E temos conversado.

B. Piropo