Escritos
B. Piropo
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01/03/1999

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Adiar a discussão do assunto de hoje seria perder a chance de abordá-lo no momento oportuno. Portanto peço um pouco mais de paciência aos que acompanham a série interrompida, pois o tema desta coluna será o famigerado número de série que a Intel incorporou a seus chips.

Para os que não sabem do que se trata: a partir do Pentium III, todo processador fabricado pela Intel conterá um número de série único e inconfundível, que poderá ser acessado por software. O objetivo declarado é aumentar a segurança das transações no chamado "comércio eletrônico". Mas logo surgiram protestos das organizações americanas de defesa da privacidade, alegando que o usuário tem direito de trafegar anonimamente pela Internet. E propuseram um boicote à Intel até que ela desista da idéia. Em resposta a Intel informou que a decisão de habilitar ou não o número de série ficará por conta do usuário. Ela recomendará aos fabricantes de micros que forneçam as máquinas com a função desabilitada por padrão e distribuirá um utilitário que, ao ser invocado durante a inicialização do micro, desabilitará o número de série. Mas não desistirá dele.

Os que leram semana passada o artigo deste vosso criado sobre o lançamento do Pentium III provavelmente perceberam que a medida não me agrada. Tanto assim que recebi algumas manifestações sobre o assunto, inclusive a de um leitor que a defende enfatizando ser ela muito útil para os pequenos desenvolvedores de software. Ora, que a medida pode ser útil eu não tenho a menor dúvida. E não apenas para as sofhouses: para as grandes corporações, com milhares de máquinas em rede, identificar cada uma delas interrogando-as através da rede é uma mão na roda. A questão, portanto, não é discutir se a medida é ou não útil, mas sim determinar se ela convém aos interesses de quem paga por ela.

Alguns dos interessados na idéia já conhecemos. Os administradores de rede corporativa devem achá-la uma bênção. Assim como as softhouses, já que ela possibilita desenvolver métodos inexpugnáveis contra pirataria: basta vincular o número de licença do programa ao número de série do microprocessador para permitir que a mesma cópia só possa ser reinstalada em uma única máquina. Mas ao usuário doméstico, será que interessa?

A Intel afirma que sim alegando a segurança das transações via Internet. Seria verdade? Pense: enquanto você surfa inocentemente na Internet, o que impede a um hacker que previamente inoculou em seu micro um programa tipo Cavalo de Tróia como o Back Orifice ou NetBus, deitar e rolar nos sítios de comércio eletrônico acessados através de seu micro, garantindo as transações com o número de série de sua CPU? E o que impede a um hacker habilidoso criar uma máquina virtual emulando o número de série de um usuário incauto? Por mais que a Intel alegue o contrário, o nível de segurança é mínimo. Pelo menos essa é a opinião dos especialistas em segurança consultados por Tom Pabst, como você pode verificar em [http://www.tomshardware.com/releases/99q1/9901211/index.html]. Finalmente, há a questão de habilitar ou não o número de série. Como isso é feito por software, mesmo que você mantenha o seu sempre desabilitado, o que impede que o sítio que você está acessando use um artifício para habilitá-lo, consultá-lo e desabilitá-lo novamente sem que você tome conhecimento? A revista alemã Computer Technology acaba de provar que isso é possível; se duvida, verifique em [http://www.heise.de/ct/english/99/05/news1/].

Então volto a perguntar: interessa ao usuário que sua CPU contenha um número de série digital passível de ser habilitado à sua revelia, que pode ser usado para impedir a instalação de programas piratas e cujo incremento do nível de segurança é tão pouco significativo? A você, eu não sei. A mim, definitivamente não.

O que nos leva ao segundo ponto. Pois, afinal, quem paga pelo processador é o usuário. Por que razão deveria ele pagar por um chip que incorpora uma função que, por mais útil que seja, interessa a todo o mundo, menos a ele? Repito: na de vocês, não sei. Mas na minha máquina, um destes chips com número de série não entra. Nem que a vaca tussa...

Resta uma questão: por que a Intel insiste na idéia mesmo diante da ameaça de um boicote? Acontece que a inclusão do número de série está incorporada ao processo de fabricação e alterá-lo agora iria custar uma fortuna, portanto sua relutância em abandonar a idéia é compreensível. Mas ela não pode esquecer que o primeiro de seus "valores" é a satisfação do cliente. Portanto, se deseja manter o número de série (mesmo porque, há clientes corporativos que farão dele grande proveito), que o faça. Mas fabrique em paralelo um grande número de chips com o mesmo número de série, digamos, "000000", para satisfazer aos clientes que desejam se manter anônimos. Afinal, eles merecem. E, o que é mais importante: estão pagando pelo chip e têm o direito de receber algo de acordo com seus interesses, não com os da indústria de software.

B. Piropo