Escritos
B. Piropo
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19/07/1999

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Semana passada começamos a discutir o bug do ano 2000 por um de seus aspectos menos conhecidos: a possibilidade de alguns dispositivos ignorarem que o ano 2000 é bissexto. Hoje iniciaremos uma abordagem mais sistemática, começando a responder uma pergunta: o que é exatamente este famoso bug do ano 2000 e como ele afetará nossas vidas?

Pergunte a seus amigos. Provavelmente a maioria deles dirá que o bug deve-se a que "computadores processam datas usando apenas os dois algarismos finais para exprimir o ano, como 99 ao invés de 1999, e no ano 2000 eles interpretarão o duplo zero como 1900", uma síntese da idéia corrente que exprime uma visão extremamente simplista do problema. Sobre os efeitos, no entanto, o leque de respostas será muito mais amplo, indo desde o dar de ombros despreocupado dos que acham que se trata de um falso alarme até o cenho franzido e os exageros das previsões catastróficas dos profetas do caos. Uma amostra do que pensam estes últimos pode ser encontrada em um artigo antológico de John Dvorak, publicado na PC Computing de junho de 98, com uma descrição assustadora dos efeitos do bug. Em uma tradução livre, Dvorak descreve assim o mundo após a virada do ano:

"Os computadores das empresas de água, luz e gás cortarão automaticamente o fornecimento ao detectar que os clientes estão inadimplentes há cem anos. Ao acorrer a elas para corrigir a situação, multidões ficarão detidas em brutais engarrafamentos causados pelos sinais de trânsito imprestáveis devido a panes nos controladores digitais. Os que conseguirem chegar, encontrarão os prédios às escuras por falta de energia. Centenas de milhares de pessoas ficarão presas nos elevadores. Carros com controladores digitais não conseguirão dar partida e permanecerão inúteis nas garagens. Mesmo as estações de rádio e TV que têm gerador não funcionarão por falha em seus equipamentos e não poderão orientar o público. Lojas serão saqueadas por turbas munidas de lanternas e nada se fará para detê-las porque os sistemas de acionamento da polícia estarão inoperantes. A distribuição de alimentos, programada por computador, entrará em colapso e multidões invadirão supermercados em busca de comida. Haverá saques por toda parte. Hordas tentarão invadir fazendas em busca do que comer e serão trucidadas a tiros pelos proprietários das terras. Seus corpos insepultos disseminarão doenças, levadas às cidades pelas alcatéias dos cães famintos que os devorarão. Durante a noite, animais raivosos sairão das selvas, invadirão as cidades escuras e atacarão tudo o que encontraram pela frente. Os homens, no afã de abatê-los a tiros, acabarão matando-se uns aos outros. Mas o pior ocorrerá quando os sistemas de controle de mísseis nucleares falharem, disparando-os a esmo. Os que explodirem nos Pólos derreterão a calota polar, elevando o nível do mar e submergindo as cidades costeiras. Tubarões invadirão os centros das cidades e devorarão advogados e capitalistas. Vulcões inativos entrarão em erupção. Terremotos irromperão, fazendo desabar arranha-céus. O holocausto nuclear provocará a decretação da lei marcial. Serão criadas tropas para conter a revolta popular. O controle dos sistemas de armazenamento de armas químicas e biológicas falhará, provocando a disseminação de epidemias. Nascerão crianças mutantes, as mulheres perderão os cabelos e o mundo será povoado por zumbis. E chegaremos então ao fim da civilização como a conhecemos.

Esta não é, evidentemente, a opinião de John, pessoa afável, do tipo usualmente classificado como "cavalheiro de fino trato", com um gosto apuradíssimo para vinhos e certa predileção pelos californianos, um sujeito de bem com vida e que jamais teria uma visão tão pessimista. Esta é apenas sua maneira de ridicularizar os exageros dos profetas do caos. Por outro lado, o simples dar de ombros também não é uma atitude das mais saudáveis. Efeitos, certamente, haverá. O problema consiste justamente em saber avaliá-los com sensatez e em estar preparado para enfrentá-los. Porque, como logo veremos, há alguns desdobramentos inevitáveis e inesperados.

B. Piropo