Sítio do Piropo

B. Piropo

< Mulher de Hoje >
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12/1993

< Ora, direis, ouvir o micro... >


Mês passado discutimos a tecnologia de reconhecimento de voz, que permite a comunicação com o micro através de comandos falados. E vimos que, embora incipiente, está em um estágio de desenvolvimento que já enseja a existência de programas comerciais capazes de, se não eliminar, pelo menos minimizar o uso do teclado. Portanto, se você tem um micro equipado com os periféricos adequados e dispuser de um programa destes, já pode falar com seu micro sem ser olhada de viés pelos circunstantes (pelo menos por aqueles que sabem que isso é possível; no estágio atual de disseminação da tecnologia, sempre é bom avisar do que se trata para não correr o risco de uma internação forçada). Mas e o contrário? Quando nosso micro será capaz de falar conosco?

Bem, para isto ainda falta muito. Não propriamente para fazer o micro "falar", ou seja, para fazê-lo emitir sons que sejam entendidos como palavras. Na verdade, para isto já existem programas relativamente baratos que sintetizam os sons de palavras escritas: você digita as palavras e o micro as repete em "voz alta" através do alto falante. Os programas disponíveis foram desenvolvidos nos EUA e "falam" com um horrível sotaque americano, evidentemente, mas tornam perfeitamente possível distinguir e entender palavras mesmo em português. Estes programas são usados principalmente para permitir que deficientes visuais possam usar um computador e cumprem suas funções relativamente bem. Mas, mesmo usando um programa destes em um micro capaz de entender comandos emitidos em voz alta, não se pode considerar esse diálogo com o micro como uma "conversa". A não ser que você considere "conversa" um diálogo com um papagaio.

A questão, portanto, não é fazer o micro falar. O problema é fazê-lo dizer coisa com coisa, ou seja, concatenar fatos e exprimir conclusões em voz alta. Pois, embora seus ancestrais tenham sido chamados de "cérebros eletrônicos", computadores não pensam. São máquinas maravilhosas, capazes de executar tarefas com exatidão e rapidez incríveis, mas são burros. Inegável, inexorável e imperdoavelmente burros. Computadores como o HAL do filme 2001 só existem na ficção científica.

Mas a coisa está mudando. Há um campo da ciência da computação denominado "Inteligência Artificial" que trata justamente disso. Que embora pareça, não é magia negra, mas o emprego de técnicas de programação e análise de problemas baseadas em redes neurais e lógica difusa. Assuntos nada misteriosos, se bem que um tanto complicados demais para serem destrinchados aqui. Mas, para entender as ideias básicas envolvidas, basta saber que as redes neurais podem emular o funcionamento de sistemas nervosos biológicos usando circuitos eletrônicos digitais. Não são capazes de fazer o computador "pensar", mas podem fazê-lo "aprender" através de um mecanismo relativamente simples onde cada erro diminui a importância de determinadas decisões intermediárias envolvidas na solução de um problema e cada acerto reforça essa importância. E lógica difusa é um tipo de lógica empregada em situações onde os problemas admitem mais de uma solução - como a maioria dos que se apresentam na vida real.

Enquanto você está aí numa boa lendo estas mal traçadas linhas, há milhares de técnicos trabalhando arduamente para fazer nossos computadores menos burros - ou mais inteligentes, sei lá. Uma coisa mais ou menos assim como um filhote de HAL. Que seja capaz de entender ordens faladas e agir de acordo. E, eventualmente, respondê-las em voz alta.

Daqui há muitos anos, quando eles tiverem terminado seu trabalho, você poderá sair de casa de manhã e dizer a seu computador doméstico:

"- Burroughs, só volto às sete. Atenda o telefone, grave os recados, ponha na lavadora a roupa suja que está na cesta, seque-a e arrume no armário. Limpe e arrume a casa mas não misture os papeis da escrivaninha. Ás seis, tire o vinho da geladeira, ponha a truta com amêndoas no micro-ondas por dez minutos e mantenha-a aquecida até eu chegar."

E ele, quase humano, lhe responderá em um tom entediado:

"-Pelo amor de Deus! Hoje não. Estou sem a menor vontade de trabalhar."

E, silenciosamente, se auto-desligará da tomada.

B. Piropo