Sítio do Piropo

B. Piropo

< Mulher de Hoje >
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09/1994

< Brinquedo Novo >


José é um amigo de infância. Desses que a gente não vê com freqüência, mas a amizade se mantém ao longo dos anos. Cinqüentão, divorciado, casou-se novamente. Tem um enteado de treze anos. É advogado. Diretor de recursos humanos de uma indústria de porte médio, nunca foi chegado a um computador. Seja porque, quando éramos jovens, computador era um negócio mais ligado à ficção científica que à vida diária, seja porque sua profissão não é daquelas que a gente imagina ligada a computadores, até recentemente ele jamais havia pensado em ter um bicho desses.

Mas as coisa mudaram. Os computadores espalharam-se pelas casas e escritórios. Tornaram-se ferramentas de trabalho indispensáveis nas profissões mais insuspeitadas. E, entre os profissionais que mais podem se aproveitar deles, estão justamente os advogados.

Como disse, nós não nos vemos com muita freqüência. Mas estivemos juntos há alguns meses e a conversa inevitavelmente fluiu para a informática. Discutiu-se justamente a enorme utilidade que um computador poderia ter para um profissional como ele. Talvez por isso, José decidiu-se a comprar um micro. Afinal, se não se desse bem com a máquina, pelo menos ela poderia ser útil ao enteado. E levou o computador para casa.

Semana passada falei com José. Desta vez por telefone. Como era de esperar, perguntei como estava se entendendo com a máquina.

Mal, disse ele. Aquele negócio era muito complicado. Não tinha muito tempo para dedicar ao micro e volta e meia se enrolava. Quem vivia mexendo com o computador era o enteado. Que, segundo ele, “já sabia tudo”.

Conheço José há décadas. É um sujeito brilhante, culto, de rara percepção, um profissional bem sucedido. Nunca teve problemas no campo intelectual. Como explicar sua dificuldade para se entender com uma máquina que um adolescente dominou com tanta facilidade?

Bem, esta é uma situação cada vez mais comum nos dias de hoje e mais fácil de entender do que parece: trata-se de uma questão de atitude.

Para José, o micro é um desafio. Para seu enteado também. A diferença está na forma pela qual ambos encaram o desafio.

José é exigente em relação a si mesmo. É um homem de valor, um profissional bem sucedido e tem justificado orgulho disso. Acostumou-se a enfrentar e vencer desafios. O micro é só mais um. Porém não é como os demais: usa uma lógica própria, tem suas mumunhas. Não que seja mais difícil. Ao contrário: José já enfrentou e venceu desafios muito piores. Mas esse é diferente. As regras são novas e é preciso conhecê-las. Nada de muito complicado, mas enquanto ainda não se as domina, comete-se erros. E José detesta cometer erros. É claro que ele também acerta. Só erra de vez em quando. Mas a vida o acostumou a acertar, e os acertos para ele já não têm importância. O que importa são os erros. São eles que ficam na lembrança. E não são lembranças agradáveis.

Para seu enteado, o micro é um brinquedo novo. Um objeto de prazer, algo diferente a ser explorado. Sem compromissos consigo mesmo, aventura-se naquele mundo desconhecido com imensa curiosidade. Errar, para ele, não tem a menor importância, é um percalço natural, faz parte do jogo. Mas cada vez que acerta, é uma alegria. Como José, erra muito e acerta pouco. Mas os erros são encarados com naturalidade e esquecidos. O que fica na lembrança são os acertos. E são lembranças agradáveis.

O resultado não poderia ser outro. Quando José olha para o micro, lembra-se dos fracassos. Já o garoto lembra-se dos sucessos. Não é de espantar que um sinta atração e o outro repulsa pela máquina. Por isso José “quase não tem tempo para o micro” enquanto o enteado “vive mexendo com o computador”. E aprendendo.

De tudo isso, fica uma lição. Se sua adolescência já vai longe, como a minha e a de José, e você resolveu enfronhar-se no misterioso mundo da informática, lembre-se de seus dias de criança e encare a coisa como um brinquedo novo. Transforme sua experiência em um jogo. Entenda que os erros são naturais e tire proveito dos acertos. Não seja severo consigo mesmo, como os velhos. Seja complacente como as crianças.

Garanto que tudo fica mais simples. Logo você vai descobrir que a coisa é mas fácil do que parece.

E ter um enorme prazer com isso.

B. Piropo