Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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22/08/2002

< Warchalking >


A formidável rede rodoviária americana surgiu após a Segunda Guerra Mundial. Até então imperavam soberanas as ferrovias, com seus lentos trens de carga que ofereciam infinitas oportunidades para jovens impetuosos, sem dinheiro e sem destino, cruzarem o país esquivando-se dos guardas ferroviários apenas pelo prazer da aventura. Eles formaram uma comunidade, com cultura e linguajar próprios. Viviam de biscates e eram conhecidos por "hoboes". Essa comunidade existe até hoje e mantém diversos sítios na internet, como o "Hobo Tramp Homepage em <www.geocities.com/hobotramp/>.

Os hoboes tinham duas peculiaridades: eram errantes e tinham pouco ou nenhum dinheiro. Para eles eram vitais informações sobre onde encontrar comida e abrigo, qual o comportamento da polícia local e onde poderiam esperar alguma hostilidade. Como não tinham paradeiro ou ponto de encontro, desenvolveram uma simbologia expressa em gráficos e  portavam sempre um pedaço de giz para espalhar pelos muros informações úteis para sua comunidade. Uma rica coleção desses símbolos pode ser encontrada em
<www.angelfire.com/folk/famoustramp/signs.html>.

Atualmente, espalhados aqui e ali em diversos pontos das grandes cidades européias e americanas, recomeçam a aparecer nas paredes estranhos símbolos riscados com giz. São manifestações de uma nova mania, denominada "warchalk" ("guerra de giz", termo cunhado por Matt Jones, o inglês que criou a atividade) com um objetivo semelhante ao dos velhos símbolos hoboes: indicar aos membros da comunidade WiFi a presença de um "ponto de acesso", ou seja, um nó de uma rede sem fio (wireless network) à qual seu notebook ou palmtop equipado com uma placa de rede aderente ao padrão 802.11 pode ser conectado. Os símbolos indicam se o nó é "aberto" (dois semicírculos em oposição), "fechado" (um círculo vazio) ou "WEP" (de Wireless Equivalent Privacy, indicado por um círculo com um "W" no centro, cujo acesso é mais difícil porque o protocolo WEP usa criptografia). Acima do símbolo há um código (o SSID, ou Service Set Identifier, que funciona como uma senha para conectar-se àquele nó) e, abaixo, o valor da taxa de transferência ("bandwidth") alcançada naquele ponto. Achado um símbolo, basta ligar o notebook e conectar-se ao nó. Com um pouco de sorte a internet estará à sua disposição. E, geralmente, em "banda larga".

O Warchalking só é possível devido às vulnerabilidades do padrão WiFi adotado para redes sem fio. Essas vulnerabilidades foram detectadas por acadêmicos da Universidade de Maryland, EUA, tornaram-se públicas e são comentadas no artigo de Ephraim Schwartz, em
<http://www.pcworld.com/news/article/0,aid,84424,00.asp>.
Segundo ele, redes WiFi são inseguras mesmo quando usam o protocolo WEP, concebido para impedir o acesso não autorizado mas que, na prática, apenas o dificulta.

Jones teve a idéia de assinalar os pontos onde se pode efetuar conexões sem fio a redes privadas quando assistiu em Londres à performance de alguns estudantes da Sociedade Britânica de Arquitetura que, em plena Bedford Square, riscaram no chão a planta de um escritório e nele se instalaram com seus notebooks conectados a uma rede sem fio (veja fotos da "performance" em
<www.aaschool.ac.uk/antennaa/workweb/>).
Desde então, com um notebook com adaptador 802.11, Jones passou a vagar pelas ruas de Londres à procura de "vazamentos" de redes privadas e lembrou-se dos símbolos dos hoboes para marcar os locais onde os encontrava. Concebeu a simbologia e criou um Web Log em
<www.blackbeltjones.com/warchalking/>
para compartilhá-la com seus amigos. A notícia chegou aos ouvidos do www.slashdot.org, um sítio popular nos EUA de notícias sobre novas tecnologias e se espalhou. O Warchalking tornou-se uma mania explosiva.

É claro que essa explosão atingiu dois pólos opostos: a dos warchalkers, que se puseram como doidos, a pé ou de carro, a percorrer o mundo com seus notebooks à procura de pontos de acesso, e a dos representantes da lei e da ordem, que consideram o warchalking ilegal e perigoso (o FBI alega que ele pode expor dados corporativos a hackers e terroristas; veja artigo em
<www.pcworld.com/news/article/0,aid,103965,tk,dn081402X,00.asp>).
Em suma: mais uma faceta da velha luta do bem contra o mal (nesse contexto, escolha você mesmo quem representa o bem e quem representa o mal; eu tenho cá minhas convicções, mas já sou macaco suficientemente velho para não meter minha mão em uma cumbuca dessas).

Do lado da lei, as corporações são avisadas do perigo (em Pittsburgh, EUA, a representação local do FBI enviou mensagens de correio eletrônico para diversas corporações colocando-as a par dos perigos do warchalking). Do lado dos warchalkers, além das marcas de giz espalhadas pelas cidades, estão surgindo páginas na internet, seja fornecendo mapas onde se podem localizar pontos de acesso abertos (como o Zhrodague Wireless Maps, em
<http://mapserver.zhrodague.net/>,
cujo ambicioso objetivo é fornecer um mapa com a localização de pontos de acesso em escala mundial), seja fornecendo informações sobre como localizar e marcar pontos
(veja <www.warchalking.org>),
ou ainda, como o Warchalk Now, em
<http://cheerleader.yoz.com/warchalk.html>,
que oferece um formulário onde o "warchalker" entra com os dados e localização de um ponto recém descoberto e o sítio os armazena em seu banco de dados e devolve um modelo do símbolo a ser estampado a giz no ponto de acesso (com a polêmica levantada sobre o warchalking, alguns dos sítios aqui citados podem ter sido tirados do ar, mas seguramente uma pesquisa em um bom dispositivo de busca com a palavra "warchalk" irá revelar diversos outros).

Warchalking é uma atividade que, embora esteja apenas começando, já gerou um bocado de polêmica. Alguns acham que usar uma conexão à internet à revelia do "dono" e sem efetuar pagamento algum é uma forma de furto. Outros acham que, se o ponto de acesso está disponível e você tem meios de conectar a ele, o acesso não causará mal algum desde que você não se dedique a atividades ilegais. Portanto, por que não usá-lo?

Eu não sei qual é sua opinião sobre warchalking. Mas, seja ela qual for, fique atento. Porque nos próximos meses vai se falar um bocado do assunto...

PS: no Sítio do B. Piropo (<www.bpiropo.com.br>), seção "Escritos", você encontra atalhos ("links") para os sítios citados e para o correio eletrônico do autor.

B. Piropo