Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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06/03/2003

< Quem instalou essa porcaria >
<
em minha máquina?
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É madrugada. Você está em casa, solitário, em frente a seu computador, navegando na Internet. Da rua, emana um espesso silêncio. Um mar de paz e tranqüilidade. Ninguém por perto para perturbar. Parece que você está absolutamente sozinho, verdade?
Talvez. Porque, dependendo dos programas instalados em seu micro, sua navegação pode estar sendo observada passo a passo como se atrás de você houvesse uma multidão de olhos curiosos espiando por cima de seu ombro e anotando o endereço de cada sítio visitado, cada clique de mouse, cada atalho percorrido, cada compra feita. E perturbando seu sossego com o espocar de janelas que surgem em sua tela de modo inopinado e não solicitado apresentando publicidade de coisas que não lhe interessam. São os programas conhecidos como “adware” e “spyware”.
O problema não é novo nem desconhecido. Ao contrário: tem sido assunto de discussões, polêmicas e até de ações judiciais. Mas adquiriu nova importância recentemente. Pois ocorre que ultimamente têm sido desenvolvidas formas novas e mais abomináveis de invadir a privacidade alheia, o que causou um súbito recrudescimento do problema. A Earthlink, um dos maiores provedores Internet dos EUA, divulgou semana passada que o número de queixas recebidas de usuários insatisfeitos com esses programas tem aumentado significativamente, o que a levou a fazer uma pesquisa informal cujo resultado é assustador: segundo os dados apurados, de quarenta a cinqüenta porcento de seus usuários possuem algum tipo de programa “adware” ou “spyware” instalado em suas máquinas.
“Adware” é o nome que se dá a um programa desenvolvido com o fim específico de veicular propaganda (“advertisement”, em inglês). Já o termo “spyware” se aplica a programas “espiões” (“spy”, em inglês), que observam suas ações sem seu conhecimento e enviam os dados assim coletados aos servidores das empresas que os criaram. A maioria dos programas tipo “adware” são também “spyware”. É claro que, em sã consciência, ninguém instalaria uma porcaria dessas em suas máquinas. Por isso eles apelam para artifícios pouco recomendáveis para se infiltrar. Geralmente são instalados juntamente com os programas gratuitos mais populares, muitas vezes de forma furtiva ou disfarçada. É por isso que tais programas podem se dar ao luxo da gratuidade: são financiados pelas empresas que distribuem os indesejáveis penduricalhos instalados com eles, na maior parte das vezes à revelia do usuário.
A coisa funciona assim: quase todos os aplicativos gratuitos (“freeware”) exigem, durante a instalação, que o usuário informe alguns dados pessoais em um formulário de registro. Antes de preenchê-lo, leia cuidadosamente os termos da licença de uso. É provável que, escondida entra as diversas cláusulas padrão, exista uma informando que aqueles dados podem ser livremente usados, juntamente com outras informações pessoais – por exemplo, seus hábitos de navegação, o tempo que você passa visitando cada sítio e o tipo e quantidade de compras que você fez via Internet – colhidas sub-repticiamente por um “spyware” que roda em segundo plano enquanto você navega inocentemente pela rede. E ao aceitar os termos da licença você implicitamente forneceu sua autorização para que tais dados passem a ser livremente usados.
Usados para que? Na maior parte das vezes eles são fornecidos a empresas que comercializam produtos ou simplesmente fazem publicidade via Internet e que patrocinam a distribuição do programa “gratuito”. Essas empresas cotejam os hábitos de navegação do usuário com os produtos que comercializam ou anunciam. O resultado é um quase ininterrupto explodir de janelas em sua tela oferecendo de tudo um pouco. Elas são geradas pelos “adware”. Um exemplo típico é o SaveNow, distribuído juntamente com os programas BearShare, iMesh e Global DivX Player. Ele observa os movimentos do usuário e abre novas janelas do navegador com ofertas de produtos baseados nas preferências que detecta.
A pior parte da coisa é que o “spyware” responsável pela coleta e envio de dados nada tem a ver com o programa que você instalou e cujos termos da licença aceitou. Ele é um programa inteiramente independente, instalado juntamente com o primeiro. Na prática isso significa que mesmo depois que você desistiu do programa que começou toda aquela balbúrdia (e em geral a razão da desistência é justamente o incômodo causado pelo irritante pipocar de janelas na tela) e resolve removê-lo, o “adware/spyware” permanece instalado, escondido nas entranhas do micro, e continua perpetrando sua nefasta missão. Mais adiante mencionarei algumas formas de tentar se livrar dele. Mas de alguns é virtualmente impossível se libertar: eles espalham pelo Registro meios de verificar sua própria presença e, se descobrem que foram removidos, deflagram uma rotina que os reinstala, sempre de forma furtiva e dissimulada.
Um exemplo de “adware/spyware” é o programa Offer Companion, da Gator, instalado juntamente com o Audiogalaxy, um utilitário cujo objetivo é buscar e trocar arquivos de músicas no formato MP3 (quase todos os programas gratuitos que fazem isso, incluindo o falecido Napster e o Kazaa, recorrem aos “adware” e “spyware” para financiá-los). Trata-se do mais comum – e um dos piores – desses programas. Seu objetivo visível é efetuar comparações de preços entre diversos fornecedores de um produto. Porém, além disso, ele exibe propaganda “pop-up” (em janelas que se abrem inesperadamente na tela) e acompanha a navegação do usuário, enviando os dados para o servidor da Gator. Esta, por sua vez, vende essas informações para empresas que tiram proveito delas abrindo novas janelas “pop-ups” em sua tela toda vez que detectam determinados termos ou expressões. É assim que certas empresas conseguem exibir sua própria publicidade sempre que se visita o sítio de um de seus concorrentes. A Gator recentemente informou que seu programa já foi instalado nas máquinas de trinta milhões de usuários.
Outra prática pouco recomendável da qual a Gator foi acusada consiste em encobrir com anúncios tipo “banners”, de seus clientes, os “banners” legítimos, existentes nas páginas visitadas. Os “banners” falsos se parecem com os originais, mas fazem publicidade de produtos concorrentes, à revelia do visitante e do responsável pela página visitada. Esse tipo de procedimento é conhecido por “thiefware” (em uma tradução livre: “programa ladrão”; veja mais informações, incluindo uma lista de empresas que empregam essa prática, em < http://www.thiefware.com/>). Outra empresa que recorre ao artifício de alterar páginas alheias criando atalhos (“links”) indevidamente é a eZula. Seu produto chama-se TopText. Ele realça com uma tarja amarela certas palavras chave, quando presentes na página. Ao clicar nelas, o internauta é desviado para a página de um dos clientes da eZula, em geral um concorrente da empresa cujo sítio estava sendo visitado. Esse tipo particular de programa, que cria atalhos nas páginas à revelia do responsável, recebe a denominação genérica de “scumware” (“scum”, em inglês tem, entre outros, o significado de “lixo”, “porcaria”, “ralé”). Veja mais em <http://scumware.com/>.
Desde abril do ano passado diversas empresas, incluindo a Gator, vêm sendo acusadas de uma prática ainda mais ominosa: o “pop-up download”, que se manifesta sob a forma de uma janela que surge repentinamente indagando se o usuário aceita a transferência de um determinado arquivo. Em geral são oferecidas as opções “Sim” e “Não”, confiando na tendência natural do leigo de responder “Sim” quando não sabe exatamente o que está sendo perguntado (os internautas menos experientes são levados a crer que se trata de um programa auxiliar, tipo “plug-in”, necessário a seu navegador). Ao clicar no “Sim”, ele autoriza que o programa seja transferido e instalado em sua máquina. Em sua forma menos agressiva, essa pilantragem é usada para distribuir legalmente programas gratuitos (em geral outros “adware/spyware”). Na pior forma, a janela solicitando permissão sequer é apresentada: o arquivo executável é simplesmente transferido e instalado à revelia do usuário. Nesse caso, em geral os programas transferidos têm objetivos pouco recomendáveis ou ilícitos e seus efeitos vão desde redirecionar o navegador do usuário para sítios pagos de conteúdo pornográfico até a instalação de discadores que usam o modem para efetuar ligações (muitas vezes internacionais, através do serviço DDI) para sítios pagos (veja artigo de Stefanie Olsen na CNet News, em <http://news.com.com/2100-1023-877568.html>). Os “pop-up downloads” têm causado sérios prejuízos a muita gente. Muitas vezes o código que provoca a exibição da janela vem incorporado a mensagens de correio eletrônico. Portanto, sugiro adotar o hábito saudável de, toda vez que uma janela se abrir repentinamente em sua tela perguntando se deseja que esse ou aquele arquivo seja transferido para sua máquina, responder invariavelmente “Não”, a não ser que você saiba exatamente do que se trata.
Muitos dos programas “adware/spyware” alteram os ajustes do navegador, modificando a barra título (na qual inclui o próprio nome), a página inicial (para a de seu sítio ou para a de um de seus clientes), a barra de ferramentas (acrescentando ícones que executam tarefas que geralmente não interessam ao usuário), a lista de favoritos (acrescentando URLs dos sítios de seus clientes) e outras características. Em geral conseguem isso alterando obscuras chaves do Registro de Windows de modo a tornar praticamente impossível para um usuário leigo reverter as alterações (muitas vezes nem mesmo um usuário experiente o consegue). Outra forma de conseguir o mesmo efeito é usar o serviço denominado BHO (Browser Helper Objects) para se agregar ao código do Internet Explorer, tornando praticamente impossível a remoção. Dois exemplos desse tipo são os portais Lop.Com e Xupiter.Com, que redirecionam o navegador para suas páginas sem intervenção do usuário. Outros, como o CommonName, um programa usado para simplificar o acesso a sítios escolhidos pelo usuário substituindo longos e complicados URLs por nomes “comuns”, incorporam um “spyware” que, quando removido com os programas desenvolvidos para esse fim (sobre os quais falaremos adiante), simplesmente impede que a máquina volte a ter acesso à Internet.
Alguns programas “adware” recorrem a técnicas quase diabólicas. Uma delas é o lançamento de mais de dez janelas “pop-up” simultaneamente, na esperança que o usuário preste atenção pelo menos a uma delas. Outra é a técnica denominada “mousetrapping” que faz com que, quando o usuário tenta fechar a janela indesejada, diversas outras, idênticas, sejam abertas simultaneamente. O objetivo é dificultar a identificação da janela original, fazendo com que ela permaneça aberta por mais tempo, atraindo a atenção do usuário.
Agora, que já sabemos (quase) todo tipo de bandalheira praticada por esses programas, vamos ver como nos livrar deles. Para os angloparlantes, recomendo veementemente como primeiro passo uma visita à página “Adware, Spyware and other unwanted ‘malware’ - and how to remove them”, em <http://cexx.org/adware.htm>. Nela você encontrará desde notícias e informações recentes sobre esses programas até uma longa lista de empresas que recorrem a essas práticas, seus programas e os programas juntamente com os quais são distribuídos, organizada por tipo. Para a maioria dos “adwares/spywares” listados há atalhos que levam a páginas com suas características, sua ação e, eventualmente, instruções sobre como removê-los, além de uma lista de atalhos para sítios cuja finalidade é combater esse tipo de abuso. Mas a forma mais largamente usada para detectar e remover (ou evitar a instalação ou ainda combater os efeitos) de “adwares/spywares” é a instalação de programas específicos para esse fim. O mais conhecido certamente é o Ad-Aware, da Lavasoft, já na edição 6.0. Existem diversas versões, desde o Ad-Aware Standard Edition, grátis, até a versão Professional, que pode ser registrada por US$ 49,99. Ambas podem ser obtidas em <www.lavasoftusa.com/>. Mas há diversos outros, como o Spybot – Search and Destroy, da PepiMK, obtido gratuitamente (embora o autor, Patrick Kolla, solicite uma doação para que ele possa continuar aperfeiçoando o programa) em <http://spybot.safer-networking.de/> e o Spyware Eliminator, da Aluria, que pode ser encontrado em <www.aluriasoftware.com/spywareeliminator/index.html> (a licença custa US$ 29,99; não há versão grátis, mas o programa Spyware Scanner, também da Aluria, pode ser baixado gratuitamente para fazer uma varredura na máquina e verificar se há algum “spyware” instalado).
Uma forma alternativa é a instalação de um programa tipo “firewall” (“parede corta-fogo”). Há diversos. Os mais conhecidos são o Zone Alarm, da ZoneLabs, e o Norton Personal Firewall, da Symantec, que monitoram o tráfego de dados entre sua máquina e a Internet, permitindo que você impeça que seus dados pessoais sejam transmitidos. Em <www.zonelabs.com> podem ser obtidas tanto a versão gratuita do Zone Alarm quanto a Plus (por US$ 39,95) e a Pro (por US$ 49,95). Em <www.symantec.com.br> você pode comprar por R$ 99 a versão 2003 do Norton Personal Firewall 2003 em português (o produto faz parte também de aplicativos integrados da Symantec, como o Norton Internet Security).
Se você descobrir os nomes dos arquivos executáveis do programa “adware/spyware” (os verdadeiros responsáveis pela coleta e envio de informações, não o programa principal com o qual foi instalado), pode tentar removê-lo manualmente. Mas eu não aconselho: os procedimentos não são simples, em alguns casos envolvem a edição do Registro de Windows e sempre há a possibilidade de sobrar alguma coisa. Mas se quiser arriscar, em <www.cexx.org/startup.htm> encontrará uma lista de procedimentos que podem ajudar.
Incidentalmente: em alguns casos a remoção do programa “adware/spyware” causa a inativação do programa gratuito juntamente com o qual foi instalado. Nesse caso, compete ao usuário decidir entre permanecer usando o programa e suportar os anúncios pop-up e a agressão à sua privacidade ou se livrar do incômodo mas se abster de usar o programa gratuito. Para quem se amarra em trocar músicas MP3, admito, é uma dura decisão...

B. Piropo