Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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15/12/2003

< Conexões sem fio >


Desde o princípio dos tempos (da era da informática, bem entendido), computadores conectam-se a periféricos. Até recentemente toda conexão usava um meio físico, fios ou cabos, para transportar informações. E um simples olhar para o caótico emaranhado dos mais diferentes tipos de condutores elétricos plugados, espetados, encaixados e aparafusados na traseira de nossos micros comprova essa verdade elementar. Durante anos ninguém estranhou, muito pelo contrário. Mas bastou começarem a aparecer as primeiras conexões sem fio para que todos se maravilhassem. Primeiro, e com justa razão, pelo fato de que um dia, quem sabe, elas venham a dar um fim àquele emaranhado de cabos e fios. Depois, porque elas trazem em si mesmas algo de misterioso. Afinal, como é possível transmitir informações de um dispositivo para outro sem um meio físico que as transporte?
Na verdade não há mistério algum. Nem é coisa nova ou descoberta tecnológica recente. Mesmo porque, nesse exato momento, sem sequer se dar conta disso, você está tirando partido do mesmíssimo fenômeno físico usado nas redes “wireless” para transmitir informações entre dois dispositivos: o jornal (ou tela, ou seja lá onde você está lendo este texto) e (esse sim, um notável receptor de informações sem fio) seu globo ocular. Não acredita que o fenômeno é basicamente o mesmo? Pois logo se convencerá do contrário.
A transmissão de energia de um ponto a outro sem o suporte de um meio físico chama-se “radiação”. Pegue seu rádio de pilha AM, ligue-o e sintonize-o fora de qualquer estação onde não se ouça nada além de uma eventual estática. Agora, pegue uma dessas baterias de 9 volts que têm os pólos um ao lado do outro, aproxime-a da antena do rádio (mas não encoste nela) e, com movimentos rápidos, faça uma moeda tocar em ambos os terminais da bateria. Isso provocará uma série de estalidos no alto-falante. Você não sabe, mas acabou de efetuar sua primeira transmissão de sinais de rádio. Aqueles estalidos nada mais foram do que a transformação em energia sonora da energia eletromagnética irradiada para o espaço e gerada por você ao criar e interromper uma corrente elétrica entre os terminais da bateria. Essa radiação foi captada pela antena e transformada em som. É claro que nenhuma informação foi transmitida, apenas barulho. Mas se você estabelecer um “protocolo” (ou seja, um conjunto de regras sobre como a informação será produzida e transmitida; por exemplo: os estalidos podem ser interpretados como código Morse) nada impede de usar esse sistema rudimentar para transmitir informações sem fio.
É claro que a coisa pode ser muito mais sofisticada. Por exemplo: monte um transmissor de radiação eletromagnética muitíssimo mais potente que seu conjunto pilha/moeda e ligue sua saída a uma antena no topo de um morro. Em vez de criar e interromper a corrente elétrica ao acaso, com toques da moeda, faça isso de forma regular, mantendo uma freqüência perfeitamente definida (ou seja, um número exato de variações do campo eletromagnético em cada segundo). Isso fará a energia irradiada pela antena variar regularmente, aumentando e diminuindo, partindo da antena e se espalhando por todo o espaço em volta em um fenômeno semelhante ao das ondas formadas na superfície de um lago a partir do ponto em que uma pedra mergulhou. Pronto: você criou uma onda eletromagnética. Se você ligar um microfone ao transmissor de tal forma que falar no microfone faça a energia irradiada variar de acordo com a entonação de sua voz (ou seja, faça variar a “amplitude” da onda), você estará irradiando sua voz pelo espaço, sem nenhum suporte físico. Mas quem a ouvirá? Ora, qualquer pessoa com um rádio “sintonizado” no seu transmissor, ou seja, ajustado para captar radiações de mesma freqüência da onda emitida pelo transmissor. A antena do rádio captará as ondas eletromagnéticas irradiadas pelo transmissor, verificará como varia sua amplitude e fará o alto-falante vibrar conforme essa variação. Sua voz será então ouvida no rádio que, dependendo da potência da antena de seu transmissor, poderá estar a milhares de quilômetros de distância. Talvez seja complicado, admito. Mas misterioso, definitivamente não é.
As principais características de uma radiação são sua amplitude (a distância entre os pontos mais alto e mais baixo da onda ao realizar uma oscilação completa) e sua freqüência (ou seja, o número de vezes que a onda “sobe e desce” em cada segundo; há uma terceira característica comumente citada, o “comprimento de onda”, mas ele é igual ao inverso da freqüência, de modo que conhecida a freqüência determina-se o comprimento da onda e vice-versa). A distribuição das freqüências das radiações chama-se “espectro”. Por exemplo: radiações com freqüência entre 400 THz e 750 THz (Terahertz, ou trilhões de oscilações por segundo) pertencem à faixa do espectro correspondente à “luz visível”, ou seja, podem ser captadas por nossos olhos. É por isso que você está usando a tecnologia de transmissão de radiações para levar informações do jornal a seus olhos: as radiações de energia emitidas pelo sol (ou pela lâmpada que ilumina seu ambiente de leitura) na faixa do espectro da luz visível são refletidas na página e captadas pelos seus olhos, que as transformam em imagens (letras) enviadas a seu cérebro para serem decodificadas. Pensando bem, não é muito diferente de um computador recebendo dados de um dispositivo de entrada...
O espectro das radiações eletromagnéticas vai muito além e aquém da faixa correspondente à luz visível. Acima dela (freqüências de 750 THz a 30.000 THz) situa-se a faixa denominada “radiação ultravioleta”. Imediatamente abaixo (300 GHz a 400 THz), a faixa correspondente à radiação infravermelha, uma das usadas para transmissão de dados. E daí para baixo, faixas de radiação usadas para telemetria, radar, transmissões de televisão, rádio FM, rádio “faixa do cidadão”, rádio de “ondas curtas”, rádio AM e, depois, uma infinidade de meios de comunicação que vão dos controles remotos para portas de garagem (cerca de 40 MHz), telefones sem fio (40 MHz a 50 MHz, ou os novos, de 900 MHz), controles remotos para brinquedos (70 MHz a 75 MHz), telefones celulares (mais de uma faixa), e um mundo de outras utilizações. Dentre elas as que nos interessam: as usadas para conexões sem fio entre os micros e seus periféricos.

Infravermelho

A transmissão de informações através de radiação na faixa do infravermelho não é nova. Na verdade, se sua televisão tem controle remoto, é muito provável que você já esteja mais que habituado a usá-la. Apenas não sabia disso.
Nesse tipo de transmissão, o transmissor emite um feixe de raios infravermelhos (algo muito semelhante ao feixe de raios luminosos emitidos por uma lanterna, porém “invisível”) que é capturado por um dispositivo sensível ao infravermelho (similar a uma célula fotoelétrica, porém sensível apenas às radiações na faixa do infravermelho) que converte as variações do feixe de ondas em variações de corrente elétrica. Dados digitalizados podem, assim, serem transferidos bit após bit (ou seja, em uma transmissão tipo serial) entre o transmissor e o receptor. Na verdade, todo transmissor pode agir igualmente como receptor, o que faz da transmissão via infravermelho uma troca de dados bidirecional.
Toda transmissão de dados digitalizados depende de um protocolo, um conjunto de regras que estabelece a forma pela qual os dados fluem entre transmissor e receptor, critérios para verificação de erros e coisas que tais. No que toca ao infravermelho, esses critérios são padronizados pela IrDA (Infrared Data Association), uma associação de fabricantes de equipamentos que usam esse tipo de transmissão de dados e que pode ser visitada em <www.irda.org/>, onde se encontra um resumo do padrão.
A comunicação via radiação infravermelha é barata e confiável, mas tem algumas desvantagens. A primeira é que é necessário manter desimpedida uma “linha de visada” entre o transmissor e o receptor, ou seja, um tem que ficar em frente ao outro, sem obstáculos entre eles (a radiação infravermelha, como a luminosa, não é capaz de transpor obstáculos opacos). A segunda é que se trata de uma comunicação do tipo “um para um” (ou seja, de um único transmissor para um único receptor; pode-se trocar dados entre micro e diversos periféricos, porém não simultaneamente).
Em princípio, a troca de informações via infravermelho foi concebida para dispositivos situados a curta distância (idealmente menos de um metro) e fluxo de dados relativamente lento: as transmissões são feitas entre 9.600 b/s (bits por segundo) até um máximo de 4 Mb/s (megabits por segundo; atenção: bits, não bytes). O protocolo utiliza a detecção de erros através de um algoritmo tipo CRC (verificação cíclica de redundância). Talvez o exemplo mais ubíquo de transmissão de dados via infravermelho seja a troca de dados entre micros de mão, tipo “palmtop”.

Bluetooth

Bluetooth é um tipo de comunicação sem fio que, à semelhança do infravermelho, foi desenvolvido para pequenas distâncias. Mas, ao contrário deste último, é capaz de transpor obstáculos situados entre o transmissor e o receptor. Para isso usa uma faixa de radiação eletromagnética situada dentro do espectro das ondas de rádio: de 2,4 GHz até 2,5 GHz, originalmente destinada por acordo internacional para uso de dispositivos industriais, científicos e médicos. Como o alcance da comunicação via bluetooth é muito curto, não há perigo de interferir nas transmissões daqueles dispositivos. Além disso o bluetooth usa uma série de artifícios para impedir que as transmissões interfiram umas com as outras. O primeiro é limitar em 1miliwatt a potência dos sinais transmitidos, reduzindo o alcance da transmissão a uns poucos metros (telefones celulares usam uma potência três mil vezes maior), porém suficiente para atravessar uma parede. O segundo artifício é ainda mais inteligente. Trata-se da técnica denominada “spread-spectrum frequency hopping”, um negócio muito bem bolado. Quando dois dispositivos bluetooth se põem ao alcance um do outro, iniciam uma “conversa” (ao contrário das demais técnicas de transferência de dados aqui discutidas, a bluetooth independe do controle do usuário: assim que os dispositivos “sentem” a presença um do outro, iniciam automaticamente as negociações para troca de dados). O primeiro passo é descobrir o “endereço” (um número de identificação) do outro dispositivo e verificar se está dentro da faixa de endereços que foi programado para se comunicar (não faz sentido uma base de telefone sem fio se comunicar com uma televisão, por exemplo). Se positivo e caso tenham dados a compartilhar, escolhem aleatoriamente 79 diferentes freqüências de transmissão, todas dentro da faixa destinada ao bluetooth, e passam a transmitir sinais de rádio dentro dessas freqüências, trocando rapidamente de uma para outra. E quando digo “rapidamente”, não exagero: são feitas 1.600 trocas de canal a cada segundo. Isso faz com que a probabilidade de que dois pares de dispositivos bluetooth trocando dados no mesmo ambiente usem a mesma freqüência simultaneamente seja mínima. E, mesmo que isso aconteça, a troca de canal se dá tão rapidamente (em frações de milissegundo) que qualquer interferência pode ser desprezada.
A transmissão sem fio via bluetooth é do tipo “um para muitos”: um único transmissor (mestre) pode servir dados simultaneamente a até sete receptores (slaves). Dados podem ser trocados entre telefones celulares e audiofones, entre computadores e periféricos (incluindo televisões e aparelhos de som), em suma, entre quaisquer dispositivos eletrônicos que compartilhem o mesmo ambiente e estejam dentro do alcance um do outro. O protocolo bluetooth permite comunicação bidirecional simultânea (“full duplex”) ou seqüencial (“half duplex”). No primeiro caso (por exemplo, entre o telefone celular na cintura do usuário e o audiofone em sua cabeça) a transmissão pode se dar a pouco mais de 400 Kb/s (quilobits por segundo) em ambas as direções. No segundo caso (por exemplo: comunicação entre um micro e uma impressora) a transmissão pode se dar em até 721 Kb/s em uma direção e 57,6 Kb/s na outra.
Uma curiosidade: o nome da tecnologia foi dado em homenagem a Harald Bluetooth, um rei da Dinamarca que, no século dez, promoveu a união de seu país com a Noruega e introduziu o cristianismo no reino. A escolha do nome tem menos a ver com a tecnologia propriamente dita que com a importância dos países escandinavos na indústria das telecomunicações.
Maiores informações sobre a tecnologia bluetooth podem ser encontradas no sítio oficial do padrão, em <www.bluetooth.com/>.

WiFi

WiFi é o nome comercial usado para designar um conjunto de padrões desenvolvidos pelo comitê 802.11 do IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineers) dedicado à padronização de protocolos e equipamentos para redes locais sem fio, ou “Wireless LANs”. O nome reporta-se a “HiFi” (de “High Fidelity”, alta fidelidade), usado para designar os primeiros equipamentos de som de alta qualidade e evoca “Wireless Fidelity”, ressaltando a qualidade e confiabilidade da comunicação. Os dispositivos WiFi, semelhantemente aos bluetooth, comunicam-se através de radiações situadas no espectro das ondas de rádio mas, além de transporem qualquer tipo de obstáculo físico, têm um alcance da ordem de algumas centenas de metros e um fluxo de dados muito maior que o admitido pelo padrão bluetooth.
Até o momento há três sub-padrões estabelecidos, todos conhecidos por WiFi: o 802.11b (o primeiro), que opera nas freqüências vizinhas a 2,4 GHz e alcança um fluxo de dados de 11 Mb/s, o 802.11a (que, curiosamente, foi desenvolvido depois do “b”), que opera nas freqüências próximas a 5,2 GHz e atinge ao formidável fluxo de dados de 54 Mb/s e o 802.11g, que compatibiliza os dois anteriores (enquanto os dispositivos 802.11a e b somente se comunicam entre si, o 802.11g comunica-se com todos os demais) operando na faixa vizinha aos 2,4 GHz com fluxo de 54 Mb/s. O grupo continua trabalhando em novos padrões para melhorar a segurança (802.11i), confiabilidade (802.11e) e gerenciamento do (elevado) consumo de energia (802.11h), especialmente importante para dispositivos móveis que dependem da carga da bateria.
A tecnologia WiFi tem um alcance de algumas centenas de metros, bastante superior à atingida pelas anteriores. Ela permite criar uma rede local inteiramente sem fio a partir de um ou mais “pontos de presença” (transmissor/receptor tipo “um para muitos”) ligados a uma rede, que se comunicam com dezenas de clientes equipados com uma controladora WiFi que troca dados com o ponto de presença. Dependendo do número e localização dos pontos de presença, a rede pode abranger uma única sala, um prédio ou até mesmo um conjunto de prédios, como um campus universitário.
De todas as tecnologias examinadas, a WiFi é a mais poderosa, seja pelo alcance, seja pelo fluxo de dados, seja pela confiabilidade. Um dispositivo móvel (como um micro portátil ou de mão) com uma placa controladora WiFi no interior de uma área coberta por diversos pontos de presença WiFi pode se manter conectado a uma rede local (e, através dela, à Internet) durante todo o tempo em que estiver ligado e no interior do campo de alcance de um dos pontos de presença.
Mais informações sobre o padrão WiFi podem ser obtidas no sítio da WiFi Alliance, uma associação internacional criada em 1999 para certificar produtos baseados no padrão e divulgar a tecnologia, em <www.wi-fi.org/>.

B. Piropo