Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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15/09/2005

< Uma questão de pele... >


Imagine um robô de filme de ficção científica, daqueles concebidos para fazer serviços domésticos. Dê-lhe a forma que melhor lhe aprouver, seja a do o glamoroso C-3PO, seja a do eficiente R2-D2 (para ficarmos na “Guerra das Estrelas”), não importa. O que importa é que ele seja do tipo que limpa, arruma, lava passa e cozinha, o sonho de toda a dona de casa. Agora, peça-lhe para fritar um ovo. Ele vai até a cozinha, pega o ovo delicadamente e... o esmaga porque aplicou força em demasia.

Aposto que você nunca pensou nisso, mas diga-me lá: o que lhe impede de fazer a mesma coisa? O que lhe permite manejar um ovo ou uma delicada peça de fino vidro sem danificá-los e levantar uma pesada bola de chumbo aplicando-lhe a pressão devida?

O nome e “tato”, um dos cinco sentidos. Há outras formas de se referir a ele, como “sensibilidade da pele”. Que não apenas nos permite sentir com precisão extraordinária pequenas diferenças de pressão e textura (e quem já viu um deficiente visual “ler” em Braille entende o que quero dizer) como identifica variações de temperatura. Em suma: o que nos garante a sensibilidade para manejar coisas com a delicadeza ou força que a tarefa exige é nossa pele, uma parte do nosso corpo à qual costumamos dar menos importância do que merece.

Robôs somente terão a mesma sensibilidade quando tiverem pele. E terão?

Se depender dos esforços de um grupo de pesquisadores da Universidade de Tóquio capitaneados por Takao Someya, a resposta é sim. E não vai demorar muito.

A matéria prima são os transistores orgânicos, que ao contrário dos similares convencionais de silício, podem ser fabricados sob a forma de filmes plásticos em ambientes de baixa temperatura, o que não somente os torna mais baratos como também permite que sejam fabricados em lâminas flexíveis. Até agora as pesquisas envolvendo transistores orgânicos estão voltadas para telas do tipo cristal líquido ou para a fabricação de “papel eletrônico” (“e-paper”, uma lâmina flexível que funciona de forma semelhante às telas de cristal líquido e que pode exibir textos e imagens, tida como o jornal do futuro; se você quiser saber mais sobre o assunto, consulte minha coluna “OLEDs: uma nova tecnologia para telas”, escrita para o sítio Fórum PCs < < ATIVIDADES ENCERRADAS EM 2012 >. Mas a equipe de Someya tem voltado suas pesquisas para o desenvolvimento de uma matriz flexível na qual um conjunto de matrizes ativas de transistores orgânicos é empregado para interpretar dados fornecidos por sensores de pressão.

Resultados intermediários da pesquisa foram publicados no artigo “Conformable, flexible, large-area networks of pressure and thermal sensors with organic transistor active matrixes” disponível no sítio da PNAS (Proceedings of the National Academy or Sciences) dos EUA, em < http://www.pnas.org/ >. A lista completa dos autores é Takao Someya, Yusaku Kato, Tsuyoshi Sekitani, Shingo Iba, Yoshiaki Noguchi, Yousuke Murase, Hiroshi Kawaguchi e Takayasu Sakurai. E, segundo o próprio artigo, “este novo sensor de pressão poderá ser muito adequado para uma pele artificial eletrônica (e-skin) que será um atributo essencial de robôs, permitindo que eles trabalhem em ambientes não estruturados”.

Ainda há obstáculos a serem vencidos. Um deles é a pequena rapidez de reação dos transistores orgânicos, duas ou três ordens de grandeza menor que a de seus similares de silício, embora essa menor rapidez seja tolerável na maioria das aplicações de sensores de grande superfície. Mas, para aplicações de “pele eletrônica”, a integração de sensores de pressão com periféricos eletrônicos permitirá aos fabricantes evitar as desvantagens dos transistores orgânicos porém aproveitando suas características positivas, como grande flexibilidade (os pesquisadores japoneses já conseguiram desenvolver uma superfície capaz de ser dobrada em um raio de 2 mm, suficientemente pequeno para a fabricação de “dedos” de robôs), grande área, baixo custo e facilidade de fabricação.

O segundo obstáculo é a necessidade da película ser conformativa (em inglês, “conformability”; em português o termo é “conformatividade” e se refere à possibilidade de dar ou tomar forma), ou seja, assumir a forma da superfície sobre a qual é aplicada. O problema é que os materiais existentes que exibem a necessária elasticidade (como os usados para a fabricação de pele humana artificial, empregada no tratamento de queimaduras) não oferecem funcionalidade elétrica. Um dos maiores desafios da tecnologia de manufatura de pele eletrônica é a obtenção de um material que seja elástico e ao mesmo tempo possa abrigar elementos eletrônicos ativos e suas interconexões, condições essenciais para a aplicação de “pele eletrônica” a superfícies tridimensionais. É justamente este desafio que vem sendo enfrentado pela equipe de Someya, que utilizou uma base formada por finos filetes de material orgânico pouco flexível (polimida e naftalato de polietileno) tecidos em uma rede que pode moldar-se a superfícies tridimensionais quando submetidas à pressão. Em seus trabalhos experimentais a equipe conseguiu revestir completamente a superfície de um ovo com este material, comprovando sua flexibilidade e conformatividade (veja foto, obtida do trabalho citado).

Figura 01

Finalmente, o terceiro obstáculo é dotar a pele eletrônica da capacidade de reagir a variações de temperatura, ou seja, de “sentir” calor ou frio. Para resolver esse problema os pesquisadores desenvolveram uma rede flexível de sensores de temperatura empregando diodos criados com semicondutores orgânicos que pode ser integrada à rede de sensores de pressão. O objetivo, segundo o artigo, é integrar as redes, aplicá-las a superfícies tridimensionais e, usando um laminado que contenha ambas as redes, produzir um material sensível tanto à pressão quanto á temperatura.

Em suma: logo os robôs terão uma pele sensível ao calor e ao toque.

Já pensou? Um robô fabricado à imagem e semelhança da Julia Roberts (ou do Richard Gere, para as meninas) com pele sensível e capaz de sentir cócegas?

Sei não, mas acho que essa tecnologia tem futuro...

 

B. Piropo