Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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06/04/2006

< Web 2.0 >


A grande novidade da Internet é a Web 2.0, a nova geração da Internet. Que tem provocado artigos como “Web 2.0: o futuro da internet”, de Humberto Oliveira
(< http://www.holiveira.com/arquivo/web_2_o_futuro_da_internet.aspx >),
ou “Web 2.0 nasce para reinar em 2006” em
(< http://noticias.terra.com.br/retrospectiva2005/interna/0,,OI779348-EI5871,00.html >)
ou ainda “Você sabe o que é Web 2.0? Nossos clientes também não”, um artigo escrito a dez mãos em
(< http://www.carreirasolo.org/archives/voce_sabe_o_que_e_we.html >).
Trata-se, portanto, ao que parece, de uma grande novidade. E uma grande novidade exige que se escreva sobre ela.

Este artigo, portanto, é sobre Web 2.0 (lê-se “web dois-ponto-zero”). E, se vamos escrever sobre Web 2.0 manda o bom senso que, desde já, nos ponhamos de acordo sobre o que, exatamente, significa esta expressão. Uma tarefa que parece fácil, principalmente para quem se propõe a escrever um artigo sobre Web 2.0.

Mas não é.

Pois acontece que pelo que eu pude apurar Web 2.0 não é uma “coisa”, é um “conceito”. Infelizmente, no momento atual, ainda se trata de um conceito difuso, fluido, que envolve o uso de umas tantas tecnologias, alguns desenvolvimentos de técnicas de criar páginas e sítios da Internet e, sobretudo, um conjunto de ações e participações da parte do usuário. Ou seja: Web 2.0 é, entre outras coisas, uma questão de atitude. Então, para entendermos o que é exatamente Web 2.0 precisaremos rever cada uma destas técnicas e atitudes.

Tentemos, pois.

CSS é a sigla de “Cascading Style Sheets”, ou “folhas de estilo em cascata”. Trata-se de uma técnica de criação de páginas para Internet baseada em um conjunto de padrões estabelecidos pelo W3 Consortium, uma organização não governamental que coordena o estabelecimento de padrões para a Internet. A idéia central era pôr fim ao caos em que se transformou a Internet quando começou a apelar excessivamente para a multimídia, recorrendo a músicas e animações, gerando páginas shakespeareanas cheias de som e fúria, significando nada. O uso das CSS implica tratar separadamente os três elementos básicos de uma página: a estrutura, aí compreendido conteúdo, sons e imagens, os comportamentos, que inclui basicamente efeitos que usam animações, e a aparência, que abrange a tipografia, uso de cores, tamanho e distribuição espacial do conteúdo. Como as CSS abominam o uso de tabelas, há quem classifique os sítios desenvolvidos com seu apoio de “tableless” (ou seja, “sem tabelas”). Se você quer ver um bom exemplo (vá lá, sejamos modestos: um exemplo) visite o sítio DisquePiropo, em < www.disquepiropo.com.br > criado por mim basicamente para demonstrar o uso das CSS. Lá, passe para a seção “CSS” e clique no atalho “clique aqui” para ver como é possível separar inteiramente forma de conteúdo. Se você tem alguma noção sobre o desenvolvimento de páginas da Internet, acredite: a visita vale a pena.

O padrão CSS não é novidade, já existe deste o final do século passado (ou seja, há cerca de oito ou nove anos) e vem sendo cada vez mais extensamente adotado. Web 2.0 não exige o uso das CSS. Mas, para ser enquadrado como um “sítio web 2.0” espera-se que ele seja desenvolvido com o uso das CSS.

RSS é a sigla de “Really Simple Syndication”, uma expressão difícil de traduzir porém fácil de entender: ela designa a ação de distribuir um “anúncio” eletrônico sobre novidades ou notícias publicadas na Internet. Este anúncio é feito sob a forma de um documento cujo formato é aderente ao padrão XML (“eXtensible Markup Language”, um padrão para criação de páginas baseado em “marcações” que são interpretadas pelo programa que as exibe) distribuído automaticamente aos “assinantes” do serviço, que contém essencialmente um resumo da novidade ou notícia e um atalho (“link”) para o sítio que a publicou. Para receber esses anúncios (conhecidos por “RSS feeds” ou “web feeds”) é preciso instalar na própria máquina um programa leitor (ou agregador) de “feeds” e inscrever-se em um ou mais sítios que os distribuem. Se quiser mais detalhes sobre o assunto visite a seção “Pesquisar” de meu sítio e faça uma busca com “RSS”.  Embora a tecnologia possa ser usada, por exemplo, para que duas empresas troquem informações comerciais de forma automatizada, o RSS é empregado cada vez mais como forma de divulgar entre os internautas interessados as notícias e novidades postadas em sítios interativos, como fóruns e concentradores de informações.

RSS também não é novidade: sua primeira especificação foi proposta em 2000. Web 2.0 não exige o uso de RSS. Mas, para ser enquadrado como um “sítio web 2.0” espera-se que ele distribua informações entre seus freqüentadores usando RSS.

AJAX é o acrônimo de “Assynchronous JavaScript and XML”. Como o nome indica, AJAX não é uma tecnologia, mas a extremamente bem sucedida união de diferentes tecnologias independentes visando um determinado fim. A idéia é excelente e sua aplicação tem se mostrado altamente eficiente. Vamos tentar explicar a coisa resumidamente. Em uma página da Internet desenvolvida usando a tecnologia convencional, quando o usuário clica em um atalho ou interage de alguma outra forma com a página, uma solicitação é enviada de sua máquina ao servidor onde o sítio está hospedado que, cumprindo o solicitado pelo usuário, “monta” novamente a página usando a linguagem HTML (o padrão de linguagem usada para criar páginas web e que é interpretado pelo programa navegador para exibi-las) e a envia para a máquina do usuário. Ou seja: a cada solicitação, todo o conteúdo da página transita pela rede enquanto o usuário espera. Pois bem: quando se usa o AJAX, no primeiro acesso à página, o programa navegador carrega o “AJAX engine”, um conjunto de rotinas de programação desenvolvidas usando a linguagem Java que a partir de então se torna responsável tanto pela “montagem” (“renderização”) da página quanto pela comunicação com o servidor. Desta forma a interação do usuário se faz com o “AJAX engine”, o que permite entre outras coisas renovar apenas um pequeno trecho da página em resposta a uma solicitação do usuário, algo muito mais rápido que renovar desnecessariamente a página inteira. Em outras palavras: a interação do usuário não mais depende da comunicação de sua máquina com o servidor e sim com o “AJAX engine”. Como não mais é feita em sincronia com o servidor, é “assíncrona”. E por ser assíncrona, baseada em JavaScript transmitindo solicitações e informações formatadas no padrão XML, ganhou o nome de AJAX. Aqui não dá para descer a detalhes mais profundos mas se você quiser saber mais sobre o AJAX leia o excelente artigo de Jesse James Garret em
(< http://www.adaptivepath.com/publications/essays/archives/000385.php >).

O AJAX não é novo, vem sendo usado desde 1998. Web 2.0 não exige o AJAX. Mas, para ser enquadrado como um “sítio web 2.0” espera-se que ele tenha sido desenvolvido (pelo menos parcialmente) com o uso do AJAX.

Sítios desenvolvidos com AJAX permitem grande interatividade por parte do usuário. O melhor (e mais antigo) exemplo é o MyYahoo (< http://my.yahoo.com/ >). É gratuito mas exige algum conhecimento de inglês. Visite-o, inscreva-se, forneça uma senha e “crie” sua própria página Yahoo. Não uma página com o conteúdo gerado por você, mas uma página com o conteúdo gerado pelo Yahoo de acordo com seu gosto e desejo pessoais. Depois que “montar” a página conforme melhor lhe aprouver ela exibirá apenas os temas sobre os quais você deseja ler, fornecerá seu horóscopo e terá o aspecto, cores e formato estabelecidos por você (graças ao AJAX e a profusa aplicação de padrões CSS). Mas se você quer um exemplo (provavelmente) melhor conhecido, aqui vai um: o bom e velho Orkut. Sua página no Orkut com suas informações pessoais, lista e fotos de amigos, recados e mensagens, galerias de fotos e tudo o mais, em suma, toda aquela interatividade, existe apenas porque o Orkut (e, diga-se de passagem, todos os demais ramos do Google, a quem pertence o Orkut) fazem intenso uso do AJAX.

Até a MS embarcou nessa canoa (logo, devemos dedicar uma atenção especial a ela já que a MS não é de embarcar em canoa furada) e está lançando seu próprio sítio interativo, o Windows Live, “um conjunto de serviços pessoais de internet e software projetado para reunir, em um único local, todos os contatos, informações e interesses importantes para o usuário” (isso é uma citação do artigo publicado aqui mesmo sobre o Windows Live em 10 de novembro do ano passado e ainda disponível na seção “Escritos / Artigos no Estado de Minas” de meu sítio em < www.bpiropo.com.br >). Para ter um “gostinho” do Windows Live visite-o em < http://www.live.com/ >. Na verdade a preocupação da MS com a questão da interatividade fez com que ela desenvolvesse a XMLHTTP, um novo conjunto de APIs (Application Program Interface) para Windows que pode ser usada por JavaScript, JScript, VBScript e outras linguagens de “script” para transferir e manipular dados no formato XML, cujo objetivo é concorrer com o AJAX (e quando a MS decide concorrer com alguma coisa pode apostar que a “coisa”, seja ela qual for, está dando certo).

Interatividade não é nova, sítios interativos existem desde que surgiram as linguagens de script (notadamente Java) na segunda metade dos anos 90. Web 2.0 não exige o uso de interatividade. Mas, para ser enquadrado como um “sítio web 2.0” espera-se definitivamente que ele seja interativo.

Mas a interatividade não se esgota na forma. Ela também inclui conteúdo. Ou, examinando o assunto sob uma diferente perspectiva: sítios interativos como o MyYahoo e Windows Live permitem que o usuário “monte” sua página de acordo com seu gosto e preferência, porém com conteúdo inteiramente fornecido pelo servidor. Há, no entanto, a possibilidade de dar um passo à frente e montar páginas nas quais o usuário entra com o próprio conteúdo. São os sítios colaborativos, como os blogs, fóruns, wikis e o próprio Orkut, feitos com a colaboração intensa dos usuários e visitantes. Além daqueles onde o usuário pode postar e examinar fotos, como o Flickr (< http://flickr.com/ >), considerados um dos paradigmas da Web 2.0. Isso sem falar na colaboração no desenvolvimento de projetos, como o Basecamp (< http://basecamphq.com/ >), que permite controlar e acompanhar um projeto desenvolvido por uma equipe sem que qualquer elemento de software seja instalado na máquina de qualquer participante da equipe: tudo roda no servidor e o acesso é feito exclusivamente através da Internet (já há quem ofereça planilhas eletrônicas, processadores de texto e banco de dados que aderem a este conceito). Tudo o que você precisa para ter acesso a seu texto, planilha ou projeto em andamento é um micro conectado à Internet em qualquer parte do mundo.

O Flickr e Orkut, assim como os Blogs e Wikis (o exemplo mais marcante é a Wikipedia, uma enciclopédia colaborativa extremamente útil e popular com edições em dezenas de idiomas, inclusive o português, em < http://pt.wikipedia.org/ >) já estão rolando por aí há anos. Sítios colaborativos, portanto, não são novidade. Web 2.0 não exige colaboração por parte do usuário. Mas, para ser enquadrado como um “sítio web 2.0” espera-se decisivamente que ele seja colaborativo.

Neste ponto já podemos fazer um balanço sobre a “grande novidade” e o “futuro da Internet”. Ao que parece, trata-se do uso em conjunto de tecnologias e práticas que já rolam pela rede há quase uma década (é bom lembrar que, embora velha de mais de vinte anos, do ponto de vista do acesso ao usuário comum a Internet nasceu em 1955, ou seja, tem apenas onze anos; nessa perspectiva, “quase uma década” é uma eternidade). Elas incluem as CSS, programação AJAX, difusão por RSS, interatividade e colaboração. Em suma: nada de novo e, sobretudo, nada de muito consistente. Mais parece um oba-oba que mete em um único saco tudo aquilo que está se tornando popular na rede e apresenta como se fosse uma grande novidade.

Mas isso é apenas minha opinião e afinal eu não sou o dono da verdade nem autoridade em Internet. Pode-se buscar outras. Como por exemplo a de Tim O’Reilly, um dos “inventores” da expressão Web 2.0 no extenso artigo “What is Web 2.0” publicado em
< http://www.oreillynet.com/pub/a/oreilly/tim/news/2005/09/30/what-is-web-20.html?page=1 >.
Mas como este é demasiadamente longo e pouco conclusivo, melhor apelar para uma fonte fidedigna, um dos paradigmas da Web 2.0, a Wikipedia. Vejamos como esta respeitabilíssima enciclopédia interativa e colaborativa define Web 2.0.

Segundo uma tradução livre da Wikipedia, em < http://en.wikipedia.org/wiki/Web_2.0 > (não há definição na edição em português) “Web 2.0 em geral se refere à segunda geração dos serviços disponíveis na WWW que permite que pessoas colaborem e troquem informações online... O termo foi popularizado pelas empresas O’Reilly Media e Media Live International como o nome de uma série de conferências sobre desenvolvimento que se iniciaram em outubro de 2004... O termo pode incluir blogs e wikis. De uma certa forma, Web 2.0 é uma “buzzword” que incorpora tudo o que se tornou popular recentemente na web... e seu significado ainda é fluido”.

Em suma: Web 2.0, segundo a Wikipedia, é uma “buzzword”, que segundo o Michaelis significa “palavra da moda”, “clichê”.

Os defensores da Web 2.0 certamente discordarão do uso deste termo (e sugiro que reclamem diretamente com a Wikipedia, já que eu nada mais fiz senão transcrevê-lo, razão pela qual fiz questão de mantê-lo no idioma original). Mas há quem concorde.

Há por exemplo quem ache que Web 2.0 simplesmente não existe. Que ela não passa de um grupo de velhas tecnologias usadas em conjunto para criar sítios da Internet interativos e colaborativos, o que não chega a ser uma coisa nova. Porém tudo isto é acompanhado de muito barulho e propaganda para fazer crer que se trata efetivamente de uma novidade revolucionária com o objetivo de garantir que um grupo de supostas “autoridades” e “especialistas” em Web 2.0 defendam seu dinheirinho. Um conceito um tanto radical e que nem mereceria um segundo olhar não tivesse sido expresso no artigo “Web 3.0” do respeitabilíssimo Jefffrey Zeldman, ele sim reconhecida autoridade em CSS e XML, respeitadíssimo autor do excelente livro “Designing with Web Standards” (editado pela New Riders em 2003) e editor de diversos sítios, todos de excelente qualidade de gozando de grande respeito, como “A List Apart” (onde foi publicado o artigo citado, em < http://www.alistapart.com/articles/web3point0 >) e “Happy Cog Studios” em < http://www.happycog.com/ >), dedicados à boa prática do desenvolvimento de sítios da Internet. Em suma: uma opinião de respeito.

E você, o que acha?

Como você reparou, acabo de pedir sua opinião em um artigo desenvolvido com as mesmas técnicas tradicionais, porém recém editado e digitado em um computador de última geração usando um editor de textos moderníssimo, a última palavra em tecnologia. E, pensando bem, ao pedi-la e aceitá-la, tornei o artigo interativo e colaborativo.

Pois não é que escrevi um artigo aderente aos padrões Web 2.0 e nem tinha percebido?

B. Piropo