Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
Volte
21/02/2005

< Lei de Moore: até quando? – III >
<
Fazendo microprocessadores
>


A vantagem (ou seria a desvantagem?) de se escrever colunas em um Fórum como este é que o processo acaba se tornando interativo. Embora, quando iniciei a série, já tivesse um “rumo” traçado até o final, é inegável que os comentários postados pelos que têm tido a paciência de acompanhar o tema acabam influenciando. E causando não exatamente uma mudança de rumo, mas pequenos desvios. Como esse de hoje, motivado, entre outros, pelo comentário do ilusionbr, que pergunta se não existiria alguma matéria em português sobre o processo de fabricação de um microprocessador.

Talvez exista, pensei eu. Mas é muito mais fácil analisar o funcionamento de alguma coisa quando se sabe como ela é feita. Então decidi incluir na série o artigo de hoje, uma breve descrição do processo de fabricação de microprocessadores baseada em material técnico distribuído pela Intel em um de seus últimos “Developer’s Forum”.

Um microprocessador, ou CPU, nada mais é que um circuito integrado “inteligente”. A diferença entre ele e um circuito integrado comum (não ficaria bem chamá-lo de “burro”...) é que este último é concebido para cumprir uma única função, enquanto o microprocessador é capaz de cumprir diversas, de acordo com “instruções” recebidas sob a forma de pulsos elétricos (ou números binários, o que dá no mesmo; um conjunto de instruções, em números binários, encadeadas e com um determinado objetivo, denomina-se programa em linguagem de máquina). Mas, reduzido à sua expressão mais simples, a poderosa CPU de sua máquina nada mais é que um circuito integrado.

Um circuito integrado é uma combinação de transistores interligados fabricados em uma única peça envolta em um encapsulamento protetor com terminais (contatos elétricos) que permitem sua comunicação com o mundo exterior. O processo de fabricação de uma CPU envolve mais de 300 passos cujo resultado é uma peça circular de 30 cm de diâmetro com centenas de microprocessadores, como mostrado na Figura 1 (no caso da figura, protegido no interior de uma caixa plástica). Cada pequeno quadrado que se percebe na peça é um microprocessador sem seu encapsulamento. Essa peça toma o nome de “wafer” (porque, como  logo veremos, ela é constituída de camadas sobrepostas, como um biscoito tipo “wafer”) e para que se tenha uma idéia de suas proporções ela é mostrada nas mãos desse escrevinhador na Figura 2. Um desses wafers gerará centenas de CPU assim que seus microprocessadores forem separados e inseridos no encapsulamento apropriado (o wafer fotografado é refugo do processo de fabricação; um wafer usado efetivamente para produzir microprocessadores jamais pode sair da “sala limpa”).

“Sala limpa” é o ambiente onde se dá o processo de fabricação da CPU. Trata-se de uma grande instalação industrial hermeticamente fechada, na qual o ar é permanentemente filtrado de modo a manter uma concentração de partículas em suspensão inferior a cem por metro cúbico (leia a coluna da semana passada, “O rápido e o pequeno”) e onde só se pode permanecer usando trajes especiais que impeçam a contaminação do ar pela respiração humana, como os mostrados na Figura 3. O resultado final do processo de fabricação é um “chip” (como o exibido na Figura 4, com a face inferior voltada para cima sobre um wafer).

figura 1

figura 2

 

Note que a maior parte do tamanho do chip corresponde a seu encapsulamento (cuja grande superfície é necessária não apenas para abrigar as centenas de contatos elétricos que efetuam a comunicação com o mundo exterior como também para facilitar a dissipação do calor). O microprocessador propriamente dito é do tamanho do quadrado do centro do chip e corresponde a um dos pequenos quadrados que podem ser distinguidos no wafer (as figuras 3 e 4 são material de divulgação da Intel).

figura 3

figura 4

O processo de fabricação de um wafer começa com a fabricação de um cilindro de silício (silício é um mineral barato, abundante na areia) extremamente purificado. Após liquefazer o silício, deixa-se a temperatura baixar lentamente, permitindo que o material se cristalize. Isso gera um cilindro de puríssimo cristal de silício com 30 cm de diâmetro denominado “ingot”. Este cilindro é então fatiado usando instrumental de precisão. O processo atual de fabricação produz fatias de 90 nm de espessura (veja colunas anteriores) que são polidas até remover completamente as irregularidades da superfície e sobrepostas a um suporte circular de material inerte de mesmo diâmetro para facilitar a manipulação. Esse suporte deve ser suficientemente espesso para resistir fisicamente ao processo de fabricação.

O passo seguinte é fazer com que uma camada finíssima de óxido de silício se deposite uniformemente sobre a camada de silício. Óxido de silício é um material isolante. A deposição se dá em uma câmara hermética a altíssima temperatura (na verdade, uma fornalha). A espessura da camada de óxido de silício que se deposita depende do tempo que a peça permanece na fornalha e é da ordem de poucos nanômetros.

Neste ponto o wafer já tem três camadas: o suporte físico (um material isolante), o silício (que, puro, também é isolante) e o óxido de silício (ainda um isolante). Agora, é preciso criar as microscópicas áreas de material semicondutor para gerar os transistores. Isso é feito através de um processo denominado “fotolitografia”.

Primeiro, aplica-se sobre a camada de óxido de silício uma outra camada de material fotossensível (sensível à luz) semelhante a uma película fotográfica. Depois, coloca-se sobre o conjunto uma máscara com perfurações microscópicas em pontos precisamente determinados e banha-se a superfície com um feixe de luz ultravioleta. Os pontos da camada de material fotossensível que receberam luz através dos orifícios da máscara sofrem uma alteração química, o que permite que o material seja facilmente removido, expondo o óxido de silício apenas naqueles pontos. Esse óxido de silício então é removido por um processo de precisão denominado “entalhamento” que expõe, apenas nesses pontos, a superfície da camada de cristal de silício. Em seguida, o restante do material fotossensível é removido. O resultado é uma camada de silício cuja superfície é tomada por uma matriz de pequenos pontos recobertos por uma fina película de dióxido de silício.

Sobre cada um destes pontos é aplicada uma partícula de polissilício, um composto condutor de eletricidade, para formar a “porta” (ou “gate”) de um transistor . E as áreas circunvizinhas da camada de silício, expostas pelo processo de entalhamento, são bombardeadas com moléculas de materiais denominados “dopantes” (impurezas, como cianetos e outros compostos) que penetram alguns nanômetros na superfície cristalina e, apenas nessa região, alteram as propriedades do silício transformando-o em material condutor de eletricidade (essas áreas formarão o “dreno” e a “fonte” dos futuros transistores; detalhes na coluna da próxima semana). O aspecto de uma dessas camadas, ou “die”, é o mostrado na Figura 5, que exibe a foto obtida por microscópio de uma camada de um antigo processador Cyrix 386.

figura 5

Terminada a fabricação da primeira camada, camadas adicionais da película de cristal de silício são a ela superpostas, revestidas com óxido de silício, novamente revestidas com material fotossensível, protegidas com uma máscara, submetidas ao banho de ultravioleta, e assim por diante, repetindo-se o processo de vinte a vinte e cinco vezes, em um procedimento que dura diversas semanas. Nas camadas intermediárias, além dos pontos que formarão porta, dreno e fonte dos futuros transistores, são abertos pequenos orifícios, ou janelas, na camada de silício. O preenchimento desses orifícios com um metal (alumínio ou, mais modernamente, cobre) forma os condutores elétricos que interconectam  os transistores das diversas camadas. O resultado final é um conjunto de camadas de silício superpostas, cada uma contendo de centenas de milhares a milhões de transistores interconectados.

Depois de confeccionada a camada superior, começa o processo de acabamento. Primeiro, a camada suporte (base física do wafer) tem sua espessura reduzida a um terço, é limpa, polida e recoberta com uma camada protetora. Em seguida, eletrodos são ligados aos diversos contatos de cada microprocessador do wafer e são efetuados testes através de um computador para verificar o funcionamento de cada um. Finalmente, o wafer é cortado, separando as centenas de microprocessadores nele contidos. Os que não foram aprovados nos   testes são descartados e os remanescentes são montados em seus encapsulamentos. Os produtos finais são submetidos a longos “testes de estresse” e os aprovados são encaminhados para comercialização.

Pronto. Agora que sabemos como é fabricado um microprocessador com seus milhões de transistores, podemos avaliar como funciona cada um desses transistores, entender suas limitações e perceber, afinal, como elas interferem no futuro da Lei de Moore.

Assunto das próximas semanas, naturalmente.

 

B. Piropo