Sítio do Piropo

B. Piropo

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28/02/2005

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Transistor, a dimensão
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Um transistor é um dispositivo eletrônico com um imenso número de aplicações. Mas, na informática, ele encontra certamente sua aplicação mais simples: “chaveamento de corrente”. Uma espécie de interruptor sofisticado. Eu poderia dizer que ele funciona como um relé eletrônico, mas para quem não sabe o que é relé a explicação não será de muita valia, portanto melhor evitá-la (porém, para quem sabe, fica aí uma boa indicação...)

Vamos ver, de forma muito simplificada, o que eu quero dizer com “chaveador de corrente”. Um transistor tem três elementos internos: fonte, dreno e porta, cada um ligado a um terminal. Internamente, a fonte se interliga ao dreno e a porta se interpõe entre eles. Aplique uma tensão elevada ao terminal ligado à fonte, uma tensão mais baixa (ou nula, “aterrando-o”) ao terminal ligado ao dreno e nenhuma tensão à porta. O que acontece? Como a fonte está ligada ao dreno, a tendência seria a formação de corrente entre fonte e dreno. Mas sem tensão aplicada à porta, o transistor funciona como um isolante e, apesar da diferença de tensões entre fonte e dreno, nenhuma corrente elétrica fluirá entre eles. Mas basta aplicar uma tensão, mesmo pequena, ao terminal ligado à porta que imediatamente o transistor começará a agir como um condutor de muito baixa resistência. Isso fará com que uma corrente se estabeleça entre fonte e dreno. Quer dizer: o transistor funciona como se fosse um interruptor eletrônico. Se há tensão aplicada à porta, ele permite que a corrente flua da fonte para o dreno. Se não há, a corrente é bloqueada. Essa é a idéia de um “chaveador de corrente”: agir como uma “chave” que deixa ou não a corrente fluir entre dois terminais (note que “chave”, nesse contexto, não tem o significado usual de “chave para fechadura”, mas o de “chave elétrica”). Como se vê, um transistor é algo muito simples.

(Porque um componente simples assim tem tanta importância na eletrônica digital, a ponto de se montar um poderosíssimo microprocessador apenas combinando transistores é outra história – uma história, aliás, bastante interessante que talvez um dia eu explique aqui mesmo mas que, infelizmente, não cabe nesta série de colunas. Mas não custa dar uma pista: os transistores são os componentes eletrônicos que permitem materializar a “lógica digital”, ou seja, construir circuitos que reproduzam exatamente o comportamento das operações lógicas como AND, OR, XOR, NOT e todas as suas combinações, e essas operações lógicas estão para a ciência do processamento de dados assim como as operações elementares da soma, subtração, multiplicação e divisão estão para as ciências matemáticas. Se você está particularmente interessado no assunto, visite o Sítio do Piropo em < www.bpiropo.com.br > e dê uma espiada na seção “Arquitetura)

Quem leu a coluna da semana passada sabe que um microprocessador é fabricado gerando milhões de transistores sobre uma série de camadas superpostas, constituídas cada uma por uma finíssima camada de cristal de silício puro. A Figura 1 mostra, sob a forma de um diagrama, o aspecto de um destes transistores.

figura 1

Na parte inferior da figura, em azul, aparece um trecho da camada de cristal de silício, um material isolante. Acima dela, separada por uma fina camada de óxido de silício mostrada em amarelo, aparece um contato de polissilício, material condutor, mostrado na cor ocre (cor de tijolo). E, na mesma cor, na parte superior da camada de silício, logo abaixo de sua superfície, de ambos os lados do contato de polissilício, os trechos transformados em condutores devido à ação dos “dopantes” (não entendeu? Então leia a coluna da semana passada, “Fazendo microprocessadores”). O contato de polissilício agirá como “porta” e as duas regiões que receberam dopantes agirão como “fonte” e “dreno” deste transistor elementar.

Mas como funciona esse negócio?

Examinemos a Figura 2, que mostra o mesmo transistor em três diferentes situações. Na primeira, Fig 2-A, ele está em repouso, sem tensões aplicadas. Não havendo tensões, o trecho entre fonte e dreno, abaixo da camada de óxido de silício que separa a porta dos demais componentes, se comporta como isolante. A Fig. 2-B mostra o mesmo transistor, agora com uma tensão Vp aplicada à sua porta. Isso faz com que o trecho da camada de silício situado abaixo da porta passe a se comportar como condutor. Finalmente, a Fig. 2-C mostra as tensões Vf e Vd aplicadas à fonte e dreno, respectivamente. Como fonte e dreno agora estão separados por um trecho de material condutor, a diferença de tensões fará com que se estabeleça a corrente I entre eles, através desse trecho condutor. Eliminada a tensão Vp aplicada sobre a porta, o trecho da camada de silício abaixo dela volta a se comportar como isolante e a corrente I é interrompida, mesmo que ainda existam as tensões Vf e Vd. O transistor, portanto, funciona “chaveando” a corrente entre fonte e dreno, ou seja, deixando-a fluir ou não dependendo do fato de haver ou não tensão aplicada à porta. É simples assim.

figura 2

O esquema acima, por incrível que pareça, não é muito diferente do aspecto real de um microscópico transistor criado no interior de um microprocessador. Na verdade, é bem parecido. Apenas muito maior. E bota maior nisso...

Quem acompanha esta série de colunas desde o início sabe que os progressos no aumento da capacidade de processamento dos microprocessadores são alcançados graças, principalmente, à redução da espessura da camada de silício (mostrada em azul na Fig. 1) usada como base para gerar transistores. E sabe também que a tecnologia atual de fabricação de microprocessadores emprega uma camada com espessura de apenas 90 nm. Ora, em um campo onde a precisão é absolutamente fundamental, antes que um processo de fabricação assim delicado entre em regime industrial, transcorrem anos de testes e pesquisas. Portanto, se a Intel usa uma técnica de fabricação sobre camada de 90 nm e pretende reduzir essa espessura, deve estar, neste exato momento, pesquisando e fabricando em condições de teste protótipos de transistores em camadas ainda menos espessas. E quem pensa assim tem razão. Basta ver a Figura 3, que mostra imagens de transistores fabricados em camadas de diversas espessuras, de 140 nm até incríveis 25 nm.

(Antes de prosseguir: as imagens mostradas, todas elas obtidas de material de divulgação ou documentação técnica da Intel, não são fotografias. Como se sabe, fotografar nada mais é que capturar a luz refletida pelos objetos, portanto é impossível fotografar algo que é menor que o comprimento de onda da luz visível. As imagens exibidas na Figura 3 foram obtidas através de microscopia eletrônica, a única forma de “visualizar” objetos na escala de alguns nanômetros. Mas são uma representação bastante fiel da realidade).

figura 3

A Fig. 3 mostra, da esquerda para a direita e de cima para baixo, imagens de cinco transistores fabricados em camadas de silício cada vez menos espessas. Compare-as com as imagens esquemáticas das Figs. 1 e 2 e note, principalmente nas imagens 1 e 3 da Figura 3 a perfeita semelhança. Esta semelhança facilita a identificação dos elementos: a camada de silício, na parte inferior, o depósito de polissilício que forma a “porta”, no centro e ao alto, e até mesmo (mais facilmente identificável nas imagens 1, 2 e 3 da Figura 3) as regiões mais escuras que receberam os dopantes e funcionam como material condutor, formando fonte e dreno de cada transistor. Também nessas três imagens pode-se distinguir a fina película de óxido de silício que separa a porta da camada de silício da base. E em todas elas é fácil notar a “largura” do depósito de polissilício que forma a porta (mesmo porque, em cada imagem, essa largura está assinalada). Repare como, na medida que se reduz a espessura da camada do silício, também se reduz a largura da porta. Tanto é assim que a Figura 4 (também material técnico fornecido pela Intel) mostra dois gráficos, um deles, em preto, exibindo a redução da espessura da camada de silício ao longo do tempo e o outro, em vermelho, mostrando a evolução da largura da porta dos transistores no mesmo período.

figura 4

Sobre a Figura 4 cabem algumas observações. A primeira é que ela foi gerada no ano de 2002, portanto tudo o que aparece nos anos subseqüentes corresponde a previsões efetuadas com os dados disponíveis naquele ano. A segunda é que a espessura da camada de silício que corresponde ao ano de 2005 está aparentemente errada: consta no gráfico uma espessura de 65 nm e, como sabemos, a tecnologia atual é baseada em uma camada de silício de 90 nm, Mas isto apenas ocorre porque ainda estamos em fevereiro, pois segundo Frank Spindler, Vice-Presidente da Intel e Diretor do Programa de Tecnologia Industrial da empresa, ela adotará a tecnologia de 65 nm antes do final deste ano, portanto o gráfico está correto. Finalmente: note que a Intel espera adotar o processo de fabricação em camada de silício de 30 nm até 2010 e que, nessa ocasião, a espessura da porta não ultrapassará os 15 nm.

Por hoje, terminamos. E o que deveremos lembrar para a semana que vem? Que quanto mais fina fica a camada de silício onde os transistores são gerados, mais estreita é a porta e mais fina a película de óxido que a separa do suporte.

Por que?

Porque estes são os principais fatores que farão com que, para que a Lei de Moore continue vigendo, dentro de menos de duas décadas seja preciso mudar radicalmente a tecnologia usada para fabricar microprocessadores.

B. Piropo