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B. Piropo

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02/05/2005

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Um laser de verdade, afinal...
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Na coluna anterior tropeçamos em um problema aparentemente insolúvel. Por que razão a amplificação da energia luminosa provocada pelo difusão Raman estimulada não se comportava como deveria e parecia esbarrar em um limite intransponível, impedindo a geração de um raio laser?

Bem, se a energia (número de fótons livres) deveria ser amplificada, mas não era, certamente a razão haveria de ser a presença de algo que a absorvia na medida que aumentava o número de fótons. A possibilidade mais evidente seria a presença de elétrons livres no interior do meio usado na tentativa de gerar o laser (filete de silício). Mas o que estaria liberando elétrons?

FIGURA 1: Absorção de dois fótons

Observe a Figura 1. Ela mostra um filete de silício que recebe um raio de luz incidente (“bomba de energia”) que, devido ao efeito Raman, começa a liberar fótons (representados pelas pequenas esferas vermelhas) no interior do meio. Esses fótons vão se multiplicando na medida que a energia do raio incidente é absorvida pelo meio e o efeito Raman se faz sentir. A geração do raio laser depende da presença de um número suficientemente grande desses fótons. Seu número aumenta muito rapidamente e logo são tantos os fótons a se deslocar no interior do meio que eles começam a se chocar com os elétrons da coroa dos átomos de silício. Isso, em princípio, não tem nenhum efeito prejudicial, já que o choque de um único fóton não libera energia suficiente para deslocar o elétron. Porém o número de fótons aumenta tanto que a probabilidade de que dois deles se choquem simultaneamente com um elétron aumenta significativamente. E isso, sim, causa um problema: a energia desprendida é suficiente para deslocar o elétron de sua órbita e fazê-lo vagar livremente no interior do meio. Esse fenômeno está representado na Figura 1, onde se vê dois fótons atingindo um elétron que se libera de seu átomo.

(NOTA: o nome dado a este fenômeno pelos pesquisadores da Intel que o identificaram é “two-photon absorption”, que se traduz por “absorção de dois fótons” ou “absorção devida a dois fótons”; no entanto não são dois fótons que são absorvidos, mas sim um número muito maior; um nome mais esclarecedor seria “absorção de fótons causada pela liberação de elétrons provocada pelo choque com dois fótons”, mas admito que isso não é um nome que se apresente para um fenômeno tão simples...)

Ora, elétrons livres (representados pelas pequenas esferas amarelas na figura 2) absorvem fótons. Então, no interior do filete de silício, ocorrem dois fenômenos que se cancelam. O primeiro, o efeito Raman, libera fótons em número crescente. O segundo, a presença de elétrons livres (liberados pelo choque simultâneo de dois fótons com um elétron), absorve fótons. Ora, é fácil concluir que à medida em que se aumenta a energia do feixe incidente, aumenta o número de fótons liberados, o que provoca um aumento do número de elétrons livres, o que provoca maior absorção de fótons, chegando-se a um estado de equilíbrio após o qual o aumento do número de fótons causado pelo aumento da energia do feixe de luz incidente é compensado pela absorção de fótons pelos elétrons liberados no meio – o que justifica o fato da curva mostrada na Figura 5 da coluna anterior se tornar horizontal após um determinado ponto.

Ora, depois de identificado o problema a solução ficou fácil. Se quem absorve os fótons são os elétrons liberados no meio, para impedir a absorção de fótons basta remover os elétrons.

FIGURA 2: Remoção de elétrons livres

Para remover os elétrons os pesquisadores adotaram um expediente muito simples (note que estamos falando de pesquisadores que dominam o processo de fabricação de dispositivos semicondutores de silício): estenderam, de cada lado do filete de silício, duas canaletas preenchidas com silício ao qual se adicionaram impurezas que tornaram o silício de uma delas do tipo “N” (onde “sobram” elétrons) e da outra do tipo “P” (onde sobram “buracos” receptores de elétrons). Em seguida, conectaram essas canaletas a uma fonte de alimentação elétrica de corrente contínua de tal modo que o pólo negativo fosse ligado à canaleta de silício tipo “P” e o positivo à canaleta de silício tipo “N” (polarização reversa). O resultado é o exibido esquematicamente na Figura 2: os elétrons livres são removidos do filete de silício porque são atraídos para a canaleta ligada ao pólo positivo da fonte.

Com isso a Intel conseguiu fabricar o primeiro laser contínuo de silício, exibido esquematicamente na Figura 3 (adaptada de material de divulgação da Intel).

FIGURA 3: Laser de silício (esquema)

A descrição do dispositivo foi publicada em 2 de março deste ano na revista Nature, nr. 3346, em artigo de Haisheng Rong, Richard Jones, Ansheng Liu, Oded Cohen, Dani Hak, Alexander Fang & Mario Paniccia, todos eles pesquisadores da Intel, em artigo intitulado “A continuous-wave Raman silicon laser” (Um laser Raman de onda contínua). Aqui vai uma tradução livre resumida da parte do artigo que descreve o dispositivo:

“O laser é fabricado a partir de um filete de SOI (“silicon-on-insulator”, ou silício sobre isolante, mostrado em branco na figura) cujas faces são revestidas com diversas camadas de fino material dielétrico. A face anterior é dicróica (bicolor) com um coeficiente de reflexão de 71% para o comprimento de onda Raman/Stokes de 1,686 nm e de 24% para o comprimento de onda do raio incidente, de 1,550nm. A face posterior é altamente refletora, com um coeficiente de reflexão maior que 90% para ambos os comprimentos de onda”.

FIGURA 4: Laser de silício: foto obtida com microscópio

A Figura 4 mostra uma foto obtida com microscópio eletrônico de um corte do circuito do laser de silício. Ela equivale ao dispositivo mostrado esquematicamente na Figura 2 mas, sempre é bom ressaltar, foi obtida de um laser efetivamente fabricado e testado pela Intel.

E, para que não digam que estou exagerando, aqui vai uma foto de um circuito integrado com oito lasers de silício fabricados de acordo com o esquema da Figura 3. Trata-se de um circuito real, cedido pela Intel, rigorosamente funcional – embora valha ressaltar que a tecnologia ainda está em fase de pesquisas e longe da fabricação em escala industrial.

FIGURA 5: Circuito integrado com oito lasers de silício

Fecharemos esta série com uma coluna discutindo as aplicações deste interessante dispositivo.

B. Piropo