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B. Piropo

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13/10/2008

< Discos de Estado Sólido (SSD) I: os novos discos da EMC >


No último dia sete (07/10/2008) a EMC promoveu em São Paulo o evento “EMC Forum 2008” onde reuniu imprensa, clientes e especialistas em sistemas de armazenamento de dados para discutir os planos da empresa e tendências para o futuro próximo. Foi um evento essencialmente corporativo, já que a capacidade dos sistemas de armazenamento fornecidos pela EMC situa-se na casa dos Terabytes e não são exatamente do tipo cogitado pelo usuário doméstico para aumentar a capacidade seu micro de mesa de acumular mais uns joguinhos, filmes e canções. Portanto, sendo a maioria dos leitores de minhas colunas constituída por usuários domésticos, não seria de esperar encontrar por aqui as novidades discutidas no evento. Mas toda regra tem exceção e não é que, entre as palestras ministradas no EMC Forum 2008, encontrei uma que Irá interessar – e muito – a meus leitores habituais?

Trata-se da palestra do gerente de vendas e produtividade da EMC, João Bonassis. O título não era lá muito chamativo: “A EMC inovando os Subsistemas de Armazenamento de Dados”. Mas quando tomei conhecimento do tema, nem me dei ao trabalho de assisti-la. Em vez disso solicitei à assessoria de imprensa do evento uma entrevista com o palestrante. Porque o assunto merecia ser discutido em detalhes e eu tinha perguntas demais para caber no tempo dedicado a elas ao final da palestra.

E que assunto era este?

“Discos” de estado sólido. Uma nova tecnologia que, pelo que eu percebi da conversa que mantive com Bonassis, nos próximos anos revolucionará o mercado de dispositivos de armazenamento de massa e muito provavelmente fará com que os discos rígidos de meio magnético tenham o mesmo destino dos LPs de vinil.

Senão vejamos.

Os dispositivos de armazenamento de estado sólido conhecidos do público composto por usuários não especialistas são os “cartões de memória” usados para câmaras digitais e similares (há de diferentes tipos, mas a tecnologia básica é a mesma) e os dispositivos removíveis tipo “pen-drive”, “thumb-drive” ou “key-drive”, que se conectam a uma porta USB e simulam o comportamento de um disco removível – razão pela qual, embora de “discos” nada tenham, são designados como “discos de estado sólido”, ou SSD (Solid State Disks).

“Estado sólido” é a expressão usada desde meados do século passado para designar os dispositivos eletrônicos baseados em semicondutores. Isto porque estes semicondutores (transistores, diodos e congêneres) são constituídos de matéria sólida (basicamente silício, ao qual se adicionam impurezas), em oposição aos dispositivos eletrônicos que vieram a substituir, as válvulas, que se baseavam na transmissão de elétrons no vácuo. E o meio usado para armazenamento de dados nos novos “discos de estado sólido” é a memória tipo “flash”, um tipo de memória não volátil que usa transistores para constituir suas células de memória.

Mas, se a palestra de Bonassis anunciava o uso de discos de estado sólido e os bons e velhos pen-drives já estão rolando por aí há mais de dez anos, afinal onde está a grande novidade?

Logo chegaremos lá. Antes, vejamos o que anunciou o bom Bonassis.

Segundo nota publicada no Wall Street Journal de 14 de janeiro deste ano, a EMC anunciou que vai iniciar a produção de unidades de armazenamento de massa baseadas em memória tipo “flash” para substituir alguns dos discos magnéticos mais lentos usados em seus sistemas de topo de linha e altíssima capacidade de armazenamento, Symmetrix e Clarion.

As novas unidades estarão disponíveis ainda este trimestre. Comparadas aos discos rígidos magnéticos de alto desempenho, além de consumir menos potência elétrica, serão trinta vezes mais rápidas.

Em contrapartida, seu custo por MB armazenado será trinta vezes maior. Porém, mesmo com a grande diferença de custo, a substituição pode se revelar economicamente viável para empresas como instituições financeiras de grande porte que precisam gerenciar centenas de transações por segundo (como as operadoras de cartões de crédito) e que, com o objetivo de reduzir a quantidade de dados armazenados por disco para com isto conseguir melhor desempenho nas operações de leitura e escrita, costumam instalar um número muito maior de discos convencionais do que o exigido pela quantidade de dados a serem armazenados. Segundo a EMC, em situações como estas, um sistema típico com apenas quatro discos de memória flash pode substituir um constituído por um número muito maior de discos convencionais a um custo apenas 10% superior.

As novas unidades de armazenamento não serão “discos”, já que adotam a tecnologia de memória “flash”. E não serão fabricadas pela EMC (que não fabrica os dispositivos de armazenamento que usa em seus sistemas, apenas desenvolve a arquitetura, o software de controle e monta os sistemas), mas sim pela empresa STEC, especialista na fabricação de “discos de estado sólido” (SSD). Elas usarão células de memória flash de “nível único” (single-level cell, ou SLC) em lugar das mais comuns, mais lentas e mais baratas células de camadas múltiplas (multi-level cell, ou MLC) usadas nos atuais dispositivos de armazenamento de memória tipo flash. A STEC pretende vender ainda este ano à EMC cerca de 50 milhões de dólares americanos em SSD e acredita que as vendas no próximo ano ultrapassem os 200 milhões de dólares.

As unidades de armazenamento baseadas em memória flash comercializadas pela EMC terão o mesmo fator de forma (ou seja, basicamente o mesmo formato e dimensões) dos discos rígidos convencionais e adotarão as mesmas conexões e protocolos. Isto permitirá que se remova uma unidade existente e se a substitua por um SSD sem que seja necessária qualquer tipo de alteração no sistema. A produção inicial será de unidades com capacidade de armazenar 73 GB ou 146 GB de dados (veja uma destas na Figura 1).

Figura 1: SSD da STEC de 146 GB de capacidade de armazenamento.

Mas o que contou Bonassis sobre o novo dispositivo? Bem, para começar, mostrou a definição da SNIA daquilo que se pode considerar um SSD. A < http://www.snia.org/ > SNIA (de Storage Networking Industry Association), ou Associação da Indústria de Armazenamento em Rede, é uma instituição formada por cerca de 400 empresas dedicada ao desenvolvimento e à publicação de padrões, tecnologia e treinamento para a indústria do gerenciamento de informações. E, segundo ela, “Um drive de estado sólido (SSD) é um dispositivo de armazenamento em bloco baseado em semicondutores que se comporta como um drive de disco rígido (HDD) virtual e aparece para o dispositivo que o hospeda como se fora um drive de disco” [“A solid state drive (SSD) is a semiconductor-based block storage device that behaves as a virtual HDD and appears to the host device as a disk drive”]. O que, convenhamos, não é grande novidade.

A novidade é que os novos dispositivos fabricados pela STEC, se comparados com um equivalente disco rígido de meio magnético e alto desempenho (15.000 RPM), oferecem um tempo de resposta dez vezes menor, permitem trinta vezes mais operações de entrada/saída por drive, consomem 32% menos potência por GB armazenado e impressionantes 98% menos potência por operação de entrada/saída. E conseguem a formidável marca de um tempo de resposta inferior a 1 ms (milissegundo) quando o dado a ser lido não está armazenado no cache de disco.

É claro que, considerado o alto custo destas melhorias, estas unidades foram concebidas para uso corporativo (e assim continuarão pelo menos por algum tempo). Por isto a EMC apenas pretende integrá-las, por ora, às suas linhas Symmetrix DMX-4 e conjuntos de unidades CLARiiON CX-4 (tanto os 480 quanto os 960).

Em princípio, a notícia é essa.

Pois bem: de tudo o que disse Bonassis, o que mais me chamou a atenção foi a afirmação de que estas unidades suportam pelo menos cinco anos de escrita contínua. E por “escrita contínua” ele quer dizer operações de escrita que se sucedem continuamente 24 horas por dia, sete dias por semana durante os 365 dias do ano (para os que pensam que exagero, aí vai na Figura 2 uma ilustração obtida da própria palestra do Bonassis). E mais: a expectativa de vida dos SSD deve exceder a dos discos rígidos convencionais.

Figura 2: SDD suporta 5 anos de escrita continuada.

Mas qual a razão do meu espanto?

Bem, é que como sabemos todos (e os que não sabem, deveriam saber para não mais “desfragmentarem” seus “pen-drives”), a tecnologia empregada na memória “flash” tem um único, porém grave defeito: enquanto permite que os dados nela armazenados sejam lidos um número praticamente ilimitado de vezes, impõem um limite razoavelmente severo para o número de operações de escrita.

Em outras palavras: memórias “flash” acabam. Gastam-se. Depois de um determinado número de vezes que o conteúdo de suas células de memória é alterado (o que só ocorre nas operações de escrita), elas já não mais suportam novas operações. Simplesmente param de funcionar como memória. Há que trocá-las como se trocam peças gastas em máquinas de uso constante.

E qual a ordem de grandeza deste limite? Bem, para as memórias flash do tipo SLC (Single-Level Cell) usadas pelos pen-drives e demais dispositivos convencionais atualmente disponíveis no mercado, este limite se situa na casa das dez mil (10.000) operações de escrita por célula. Mas como, conforme já mencionado, os SSD fabricados pela STEC usam memórias flash do tipo MLC (Multi-Level Cell), este limite se decuplica e elas suportam cem mil (100.000) operações de escrita antes de perderem a capacidade de armazenar dados.

Nesta altura alguns de vocês deverão estar murmurando um “Ah, bom”, na base do “já que é assim, tudo bem”. Mas, por favor, examinem o assunto com um pouco mais de atenção: se a duração das tais células de memória “envenenadas” chega a cem mil operações de escrita, como sustentar escritas contínuas, que se sucedem em intervalos de poucos milissegundos, por um período de cinco anos como garante a EMC? Faça as contas e você verá que, em uma situação como esta, a duração dos SSD deveria andar na casa dos segundos, não dos anos...

E mais: pense no disco rígido que equipa sua máquina, seja ela qual for. Imagine, durante o funcionamento da máquina, qual a freqüência com que nele são feitas operações de escrita. Se você acha que não há de ser muito grande, certamente esqueceu-se dos arquivos temporários criados pelos programas e pelo sistema operacional, dos arquivos usados como cópia do conteúdo da memória pelos bons programas editores gráficos e de texto e, sobretudo, da memória virtual, com seus famosos “arquivos de troca” (atualmente conhecidos como “arquivos de página” ou “page files”) que estão continuamente sendo escritos e sobrescritos no disco.

Como é possível então fabricar discos rígidos baseados em memórias tipo flash, que padecem de um limite do número de operações de escrita, para este tipo de uso?

Pense bem: para nossos pen-drives e congêneres, até que o limite de dez mil operações de escrita não é tão cruel. Afinal, eles são usados principalmente para transportar arquivos entre máquinas não conectadas em rede ou para preservar dados que necessitamos levar conosco em formato digital. Neles, o número de operações de leitura excede, em muito, o de escritas. Eu mesmo ando com um bichinho destes há anos pendurado em meu chaveiro e ele tem me safado de um bocado de dificuldades. Mas dispositivos deste tipo não são usados como meio de armazenamento temporário pelo sistema operacional e pelos programas. Já os discos rígidos...

Então como pode a STEC fabricar dispositivos de armazenamento de estado sólido para serem usados no lugar de discos rígidos e alegar que a vida útil de seus discos é maior do que a dos concorrentes de meio magnético e alto desempenho?

A resposta é muito mais simples do que se pode imaginar. E, juntamente com as demais características (algumas, notáveis) dos novos dispositivos SSD, será o assunto da próxima coluna.

 

B. Piropo