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B. Piropo

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17/11/2008

< Nicola Tesla I: O cientista louco >


Se você fizer uma pesquisa no Google com o termo “Tesla”, provavelmente sua lista de respostas retornará encimada pelo sítio da < http://www.teslamotors.com/ >Tesla Motors, uma fábrica de automóveis muito peculiar situada em San Carlos Califórnia, EUA, que fabrica um único modelo de automóvel. Mas que modelo!

Trata-se do Tesla Roadster. É um carro esportivo que vai de zero cem km/h em quatro segundos. Mantém o torque praticamente constante em rotações de zero a 6.000 RPM enquanto a potência consumida sobe quase linearmente neste mesmo intervalo. Sua potência máxima é de 248 HP e chega a atingir uma velocidade superior a 200 km/h. As suspensões dianteira e traseira são independentes. Freios dianteiros e traseiros a disco, acabamento interno luxuoso (pudera! custa 109 mil dólares americanos...), tudo de melhor que se pode exigir de um carro esporte de primeira linha.

Apesar disso é econômico: gasta pouco mais de um centavo para percorrer uma milha. E gasolina nenhuma: seu motor, com um torque de 375 Nm @ 4.500 RPM, é um motor elétrico refrigerado a ar com velocidade variável abastecido por uma bateria que só precisa ser trocada a cada cinco anos e leva mais ou menos o mesmo tempo que seu telefone celular para carregar: pouco mais de três horas. O que tem um desdobramento interessante: o carro não tem caixa de marchas, já que só precisa de uma. E não emite poluentes.

Dê só uma olhada na Figura 1 (obtida no sítio da Tesla Motors, onde há mais detalhes sobre o carro).

Figura 1: Tesla Roadster.

Gostou? Um carro de sonho, pois não? Mas diga-me lá: por que cargas d´água ele abre esta coluna sobre tecnologia? (uma pista: tem a ver com seu nome)

A humanidade costuma recompensar bem seus grandes nomes da ciência e tecnologia. Quando não com dinheiro, como fez com Alfred Nobel, inventor da dinamite, que criou uma fundação para distribuir anualmente o milionário Prêmio Nobel apenas com os juros de sua fortuna, pelo menos com fama e respeito. Por isso, todos sabemos quem foi o casal Curie, descobridor da radioatividade. E homenageamos Thomas Edison (cujo caráter, como logo veremos, não era dos mais exemplares) pela invenção da lâmpada incandescente. Graham Bell tem sido reverenciado por haver inventado o telefone. E quem não sabe que Benjamin Franklin inventou o pára-raios (e, de quebra, os óculos bifocais)?

Sabemos de cor o nome dos inventores da maior parte dos dispositivos e artefatos com que lidamos em nosso dia-a-dia. Desde tempos imemoriais Archimedes é reconhecido por suas invenções concebidas há mais de dois milênios e algumas levaram seu nome, como o Parafuso de Archimedes. Quem lê estas colunas sabe que Charles Babbage inventou o computador, Jean Marie Jacquard o primeiro dispositivo programável (seu Tear de Jacquard) e Grace Hopper a linguagem assembly. Bardeen, Shockley e Brattain inventaram o transistor, mudaram com ele o perfil de nossa sociedade e ganharam todo o reconhecimento por isso (foram agraciados com um prêmio Nobel). Karl Benz inventou o automóvel à gasolina e Henry Ford notabilizou-se por conceber a linha de montagem que permitiu sua produção em massa.

Algumas invenções são disputadas, como a do avião. Até hoje americanos e brasileiros não se entenderam sobre a questão. Mas, seja como for, tanto Santos Dumont (que, se lhe roubarem a autoria da invenção do avião, pelo menos lhe restará o reconhecimento por também haver inventado o relógio de pulso) quanto os irmãos Wright receberam as devidas homenagens por seus feitos e conquistaram seu lugar na história. Sir Alexander Fleming ganhou seu título de cavalheiro em reconhecimento pela invenção da penicilina e Albert Sabin deu seu nome à vacina contra poliomielite que criou.

Quem não sabe que o telégrafo foi inventado por Samuel Morse? Que Galileu Galilei concebeu o telescópio e com ele descortinou o universo? Que a máquina de costurar foi inventada por Singer (esta, quem não sabe, desconfia)? E qualquer estudante de física elementar sabe que a bateria, ou acumulador de energia, foi inventada por Alessandro Volta.

Nomes como estes, jamais serão esquecidos. Como não foram os de gênios como Isaac Newton, Leonardo Da Vinci e Euclides, figuras exponenciais que viveram há séculos mas que ainda são lembradas e reverenciadas.

Mas, por alguma razão, certos inventores geniais não mereceram a mesma sorte. Poucos sabem seus nomes. A humanidade os ignora. E nem por isso sua contribuição para facilitar nossa vida diária foi menos importante.

Por exemplo: quem inventou o motor elétrico de corrente alternada que equipa quase tudo o que se move em torno de nós? Quem inventou a lâmpada fluorescente? E o controle remoto, este pequeno aparelho que nos poupa tantas viagens da poltrona à televisão?

E o radar, quem foi seu descobridor? Os raios-x, quem os descobriu (acho que você pensa que foi Röentgen...)

Quem teria sido o primeiro a idealizar um sistema para obter energia elétrica a partir da luz solar? E quem teria inventado o sistema de ignição elétrica que permite dar a partida nos motores a explosão, que acionamos sem pensar toda vez que ligamos nosso carro?

Todos estes inventos são importantes para nossa vida diária. Os usamos rotineiramente. Fazem parte das atividades humanas mais elementares. Mas quem sabe quem os inventou?

E, sobretudo: quem já ouviu falar em Nicola Tesla? (sim, o Tesla Roadster foi assim batizado em sua homenagem...)

Para relatar alguns fatos sobre este homem extraordinário, vamos começar pelo final, a parte menos interessante.

Nicola Tesla foi um homem que morreu em New York, NY, EUA, aos 87 anos, sozinho, em um pequeno apartamento do New Yorker Hotel em janeiro de 1943. Já morava ali há dez anos e era bem conhecido da equipe do hotel. Sobretudo de uma camareira que, sentindo falta dele após passar três dias sem vê-lo, abriu a porta do apartamento e encontrou seu corpo sem vida sentado em uma poltrona.

Figura 2: Tesla, já octogenário (foto obtida no sítio do RSNA Jornal).

Na ocasião de sua morte, Tesla era tido pela sociedade americana como o estereótipo do “cientista louco”. Tanto assim que alguns anos antes um dos desenhos animados de grande sucesso na época relatava a luta do Super-Homem contra um gênio do mal que pretendia destruir Nova Iorque com um “raio da morte”. Parte deste desenho é mostrado no documentário “The mad electricity” produzido pela Modern Marvels para o History Channel sobre a vida de Nicola Tesla. A imagem do cientista louco do desenho animado guarda uma notável semelhança com a figura esguia e peculiar de Tesla.

Parte desta fama de louco deve-se ao fato de Tesla haver sofrido da enfermidade que hoje a medicina chama de “Transtorno Obsessivo Compulsivo”, ou TOC.

Tesla tinha compulsão pelo número três. Repetia tudo três vezes. Todas as ações repetitivas que ele executava tinham que ser feitas três vezes ou um múltiplo de três. Quando falhava, recomeçava do início e assim continuava até chegar ao ponto que ele considerasse satisfatório ainda que isso consumisse algumas horas.

O número do apartamento em que viveu seus últimos anos e onde morreu era 3327, múltiplo exato de três, e situado no 33º andar. Vivia sozinho, mas as camareiras eram instruídas para fornecer sempre três (ou um de seus múltiplos) exemplares de tudo o que levavam para o apartamento: três pratos, três toalhas, três copos e assim por diante. O pão que lhe era servido tinha que ser cortado em nove fatias.

Tinha aversão profunda a mulheres de orelhas perfuradas, jóias de qualquer espécie e objetos redondos. Costumava dizer que quando via uma mulher com um brinco de pérola pendente de sua orelha furada sentia a mesma aflição que nós, considerados normais, sentimos quando se deixa escorregar as unhas por um quadro-negro.

Tesla não tocava nos cabelos de outras pessoas. Tinha uma profunda aversão a isso. Além de desenvolver um pavor doentio por germens. Procurava livrar-se deles lavando as mãos compulsiva e freqüentemente com água e sabão abundantes.

Apesar disso era obcecado por pombos. Recolhia pombos feridos no Central Park e levava-os para seu apartamento para tratar deles. Havia, em particular, uma pomba branca com asas raiadas que, segundo ele acreditava, guardava sua criatividade. Quando o animal morreu, Tesla ficou terrivelmente abalado.

Além de tudo isto, a forma que costumava usar para comunicar suas descobertas e invenções quando ainda no auge da fama ajudou bastante a reforçar a imagem de cientista louco. Costumava convocar a imprensa para entrevistas coletivas onde anunciava espalhafatosamente seus feitos, muitas vezes com demonstrações exóticas como aparecer com uma lâmpada fluorescente acesa em suas mãos nuas (a energia era transmitida à lâmpada pelo campo eletromagnético gerado por uma de suas invenções usada até hoje, a “bobina de Tesla”). Certa feita declarou em entrevista coletiva que recebia mensagens do espaço exterior, o que causou notável comoção e escândalo (estas mensagens nada mais eram que as mesmas radiações hoje captadas pelos radiotelescópios e que Tesla recebia durante seus experimentos com radiotransmissões).

Além de tudo isto, Nicola Tesla era um visionário. Sua mente pairava muito acima e adiante de seu tempo. Manifestou, há mais de cem anos, quando o consumo de combustíveis retirados de recursos não renováveis como carvão mineral e petróleo ainda era desprezível, sua preocupação com o risco de que eles se esgotassem. Preocupação que somente veio a ser compreendida um século mais tarde e hoje ocupa as páginas de todos os jornais propagando o uso dos biocombustíveis e recursos renováveis.

Tesla era desapegado ao dinheiro e luxo: em uma ocasião, para não prejudicar um amigo, rasgou um contrato que lhe garantiria o pagamento de, literalmente, bilhões de dólares americanos em royalties (voltaremos a este feito extraordinário mais adiante). E sua maior ambição era acabar com as guerras, objetivo que perseguia com algumas de suas invenções e assunto central de muitas de suas entrevistas (nascido na Europa, viveu nos EUA durante a primeira grande guerra e faleceu antes de terminar a segunda).

Em suma: Nicola Tesla tinha tudo para ser considerado o protótipo do cientista louco. Por isto, no final de sua vida, por vezes foi ridicularizado e, após sua morte, virtualmente esquecido.

Não obstante foi um dos maiores gênios dos séculos dezenove e vinte.

Logo veremos por que.

 

B. Piropo