Sítio do Piropo

B. Piropo

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12/01/2009

< Nicola Tesla VI: Um sujeito exótico >


Fechamos a coluna passada indagando como a figura de um gênio da envergadura de Nicola Tesla pôde ser praticamente esquecida em menos de um século. O que explicaria tal fenômeno?

 Talvez quem tenha lido a primeira coluna da serie tenha uma ideia. Aquela, cujo título era: “Nicola Tesla I: O cientista louco”. No final de sua longa vida (morreu com a idade de 86 anos), Tesla perdeu o respeito da sociedade de então e passou a ser considerado uma figura folclórica, um “cara meio louco”.

As razões são muitas. Tesla sempre foi um sujeito exótico, qualquer que fosse a acepção usada para o termo: era estrangeiro, era extravagante e era um bocado desajeitado. Viveu a maior parte da vida nos EUA, cuja cidadania adotou, mas jamais assumiu hábitos tipicamente americanos, nunca perdeu o sotaque, sempre manteve um comportamento centroeuropeu e somente no final da vida passou a se vestir de forma menos formal. Não era um sujeito modesto, muito pelo contrário. Suas entrevistas coletivas para anunciar um novo invento eram eventos espalhafatosos nos quais ele procurava chamar atenção dos jornalistas apelando para efeitos que não passavam da aplicação prática de princípios físicos mas que pareciam, aos olhos leigos da imprensa, mágicas espetaculosas cujo efeito ficava entre o maravilhoso e o ridículo (para quem lê inglês, vale a pena consultar a entrevista concedida em maio de 1899 por Tesla, no auge da fama, a Chauncy M´Govern, um jornalista do “Pearson´s Magazine, intitulada < http://homepage.ntlworld.com/forgottenfutures/tesla/tesla.htm > “The  New Wizard of the West”).

Em suma: nos seus dias finais, Tesla era considerado um tipo de “louco manso”.

Mas em que consiste exatamente ser “louco”? Bem, poderíamos perguntar a um psiquiatra e teríamos a definição correta. Ou poderíamos perguntar a dois psiquiatras e teríamos, certamente, duas definições totalmente diferentes, porém defendidas ferozmente como sendo, cada uma, a correta. Então, melhor mesmo é “ir no popular”. E, segundo a sabedoria popular, louco é quem bate na mãe, enfrenta trem ou rasga dinheiro.

A respeitável senhora Ana Kalinic, de tradicionalíssima família sérvia, mãe de Tesla, era uma doce e sofredora mulher (perdeu um filho, o irmão mais velho de Nicola, ainda criança em um acidente de bicicleta). Seu convívio com o filho mais novo não foi longo: ainda jovem Nicola mudou-se para continuar seus estudos em Bucarest, daí emigrou para a França e, mais tarde, para os EUA. Mas, durante o período em que conviveram, não há relatos de agressões por parte do bom Nicola à sua mãe. Portanto, a depender deste critério, tudo bem.

Quanto ao enfrentamento de trens, talvez por ter sido apoiado financeiramente por Westinghouse, justamente o inventor do freio a ar para composições ferroviárias, também não se tem notícia de qualquer episódio de tal natureza na vida de Tesla. O que seguramente significa que jamais ocorreu, posto que, quando ocorre, este tipo de acontecimento rapidamente vira notícia devido às consequências geralmente sangrentas e quase sempre fatais – e sabemos que Tesla morreu sozinho em seu quarto de hotel, no trigésimo terceiro andar de um prédio no centro de Nova Iorque, distante de qualquer linha férrea. Portanto, também por aí, tudo bem.

Já no que toca a rasgar dinheiro...

Apesar do sucesso obtido com o abastecimento da cidade de Buffalo com a eletricidade gerada em Niágara, os elevados custos de construção e operação do sistema afetaram bastante a saúde financeira da Westinghouse Company. E convém não esquecer que a concorrência era capitaneada por Thomas Edison e J. P. Morgan, dois cavalheiros que não eram conhecidos propriamente como paladinos da ética nos negócios. Conta-se – mas como quase sempre, em casos desta natureza, não se tem comprovação – que certo Charles Coffin, um dos gerentes da empresa de Edison, aumentou de seis para oito dólares o custo de cada lâmpada elétrica usada na iluminação pública apenas para, com os dois dólares excedentes em cada lâmpada, criar um fundo para ser distribuído mensalmente aos políticos locais (Imagine uma coisa destas no Brasil! Qualquer um que tentasse uma falcatrua como esta certamente seria alvo do repúdio geral e irrestrito da classe política posto que cobriria de vergonha os parlamentares e financistas nela envolvidos que, com certeza, seriam banidos da vida pública e escorraçados para sempre por seus pares e eleitores. Em suma: uma situação inaceitável e inimaginável em um país sério como o nosso. Mas deixemos de divagações e voltemos ao pouco recomendável submundo dos políticos neoiorquinos...). O objetivo de Mr. Coffin era, segundo o artigo < http://flyingmoose.org/truthfic/tesla.htm “One Story of Nikola Tesla”, fazer com que os legisladores aprovassem rapidamente a expansão do sistema de distribuição de eletricidade em CC de modo a que ele chegasse logo a tal extensão que “os usuários venham a ser obrigados a pagar nosso preço [pelo fornecimento futuro de energia] porque mudar o sistema se tornaria caro demais para ser suportado por eles” ("the users willingly pay our price [for power in the future] as they cannot afford to change the system").

Além disso, membros das instituições financeiras ligadas a J. P. Morgan começaram a espalhar boatos de que a Westinghouse Company, descapitalizada pelo grande investimento exigido para eletrificação de Buffalo, começava a enfrentar dificuldades. Não era verdade, mas na medida que os boatos se espalhavam, a situação ia se tornando cada vez mais veraz, já que os investidores sentiam-se inibidos de aplicar seu capital na empresa e o capital externo era  vital para que os negócios se expandissem.

Mas o que tem isso a ver com o caráter de Tesla?

Tudo a ver.

Os leitores de boa memória (e notável paciência) que acompanham esta longa série de colunas haverão de se lembrar que quando George Westinghouse propôs a Tesla a compra da patente do motor elétrico em CA, recebeu – e aceitou – uma contraproposta que, entre outras coisas, estabelecia que a propriedade intelectual do invento continuava pertencendo a Tesla que, porém, recebeu certa quantia fixa inicial e concedeu a Westinghouse o uso irrestrito da patente contra o pagamento de direitos (“royalties”) de US$ 2,5 por HP de cada motor elétrico fabricado e vendido pela Westinghouse Company.

Quando o contrato foi assinado isto valia rigorosamente nada, já que não havia ainda a fabricação de motores em CA. Mas com o sucesso da empreitada de Buffalo e a extensão das linhas em CA para Chicago e Nova Iorque, a coisa mudou radicalmente de figura. E se, além das dificuldades criadas pelo comportamento pouco ético da concorrência, a Westinghouse Company fosse obrigada a continuar honrando o contrato, certamente iria à bancarrota (alguém calculou que a manutenção do contrato garantiria a Tesla o recebimento de sete e meio bilhões – repetindo: bilhões – de dólares americanos, o que o tornaria o homem mais rico do mundo).

Diante das circunstâncias, no início do século passado, Westinghouse procurou Nicola Tesla com sua cópia do contrato e a intenção de renegociá-lo. Seu objetivo era apenas conseguir uma redução no valor unitário a ser pago. E expôs a situação ao amigo. O que vem a seguir é uma tradução o mais fiel possível da resposta de Tesla segundo o artigo acima citado.

Consta que ao ser posto a par da situação, Tesla pegou sua própria cópia do contrato e retrucou: “Senhor Westinghouse, o senhor tem sido meu amigo, o senhor acreditou em mim quando os demais desacreditavam, o senhor foi suficientemente corajoso para seguir adiante...  quando aos outros faltou coragem; o senhor me apoiou até mesmo contra a opinião de seus próprios engenheiros... o senhor sempre esteve do meu lado como um amigo. Aqui está o meu contrato e aqui está o seu. Eu vou rasgar ambos em pedacinhos e o senhor não mais terá problemas com o pagamento de meus direitos. Isto é suficiente?” (Mr. Westinghouse, you have been my friend, you believed in me when others had no faith; you were brave enough to go ahead... when others lacked courage; you supported me when even your own engineers lacked vision... you have stood by me as a friend... Here is your contract, and here is my contract. I will tear both of them to pieces, and you will no longer have any troubles from my royalties. Is that sufficient?).

É. Parece que Tesla não passou na prova de rasgar dinheiro...

Mas, mesmo sabendo que Tesla chegou a enfrentar algumas dificuldades financeiras no final da vida, você chamaria de maluco um sujeito que rasgou dinheiro para ajudar um amigo?

(Mais tarde, sobre este seu gesto, Tesla declararia: “Dinheiro não representa o valor que o homem lhe atribui. Todo o meu dinheiro foi investido em experiências com as quais eu fiz novas descobertas que permitiram que a humanidade tivesse uma vida mais fácil” [Money does not represent such a value as man have placed upon it. All my money has been invested into experiments with which I have made new discoveries enabling mankind to have a little easier life]. O que seria não mais que uma frase de efeito caso não houvesse partido de um homem que efetivamente recusara, literalmente, bilhões de dólares para não prejudicar um amigo).

Bem, se este critério deixou dúvidas, vamos a outro. O da “normalidade”. Tesla jamais foi considerado um indivíduo “normal”.

Segundo o dicionário Houaiss, “normal” significa “conforme a norma, a regra, regular”. E “norma” é “aquilo que regula procedimentos ou atos; regra, princípio, padrão”. Ou ainda: “padrão representativo do desempenho usual de um dado grupo”. Por via de consequência, “anormal”, ainda segundo a mesma fonte, significa “que desvia claramente de uma norma (diz-se de manifestação, comportamento, vivência etc.)”. Ou ainda “que apresenta desenvolvimento físico, intelectual ou mental defeituoso”.

Simplificando: normal é quem faz “o que todo o mundo faz”. E anormal é quem age diferentemente do restante de seus semelhantes ou é deficiente físico, intelectual ou mental.

Ora, já que não apresentava qualquer defeito físico e quanto à superioridade de sua capacidade intelectual não há muito o que discutir, conclui-se que sua anormalidade poderia ser considerada um “desenvolvimento mental defeituoso”. Ou seja: o bicho era maluco.

Mas como estas anormalidades se manifestavam? Em que consistiria esta “maluquez”?  (obrigado, Raul).

Por exemplo (e este fato já foi mencionado no início da série): Tesla não gostava de ver animais sofrerem, especialmente pombos. Por isso costumava passear pelos parques de Nova Iorque e, quando encontrava um destes animais ferido, levava-o para seu hotel (Tesla sempre morou em hoteis, a maior parte da vida no Waldorf Astoria, do qual era amigo do dono, George Boldt Astor) e tratava do bicho até que ele se restabelecesse e pudesse ser posto em liberdade. Ele tinha mesmo uma pomba preferida (veja Figura 1, obtida no sítio da PBS americana) que criava como animal de estimação e que quando morreu o fez acreditar que teria levado com ela toda a fagulha de inspiração que permitia a ele, Tesla, conceber seus inventos. Esta atitude foi considerada anormal.

Figura 1: a pomba de Tesla.

Mas não era só isso. No início da primeira guerra mundial Tesla chegou a mencionar sua teoria sobre um modo de localizar navios no oceano através da transmissão de ondas de rádio de alta frequência que se refletiriam no alvo e seriam captadas de volta em uma tela fluorescente. Uma ideia tão fora de sua época (hoje é usada corriqueiramente e se chama “radar”) que foi considerada anormal. Tesla não era mesmo um cara normal.

Querem ver outro exemplo? Também mais ou menos nesta época Tesla chegou a mencionar a possibilidade da construção de veículos voadores, porém sem asas, não tripulados, carregados de explosivos, que seriam guiados remotamente até alvos muito distantes. Tesla chegou mesmo a construir um protótipo de controle remoto para modelos de barcos, que patenteou sob o nr. 61,809 (veja o artigo < http://www.pbs.org/tesla/ll/ll_robots.html > “Race of Robots”). Nenhuma pessoa normal, naqueles dias, poderia imaginar uma coisa dessas (hoje a chamamos de “foguetes teleguiados”). Definitivamente o sujeito não era normal.

Mas tudo isto eram detalhes, pequenas coisas que podiam ou não serem levadas a sério. Mas dois eventos foram especialmente importantes para garantir a fama de maluco para Tesla.

O primeiro foi o “raio da morte”. Era mesmo uma ideia meio doida, absolutamente revolucionária para a época, o ano de 1934, quando as nuvens que prenunciavam a segunda guerra mundial já começavam a encobrir os céus da Europa: um emissor de feixe de partículas  “capaz de concentrar tamanha energia que poderia derrubar uma esquadrilha de mil aviões a 250 milhas de distância”. Hoje sabemos que se trata, basicamente, do artefato que seria empregado no projeto denominado “star wars” que o Congresso dos Estados Unidos da América negou recursos para que o presidente Bush implantasse não por ser inviável tecnicamente, mas por ser muito caro. Mas naquela época a idéia era tão esdrúxula que levou os jornais a estamparem manchetes sobre Tesla e seu “raio da morte” (“death beam”) que ajudaram bastante a reforçar sua fama de maluco. Mas a prova definitiva de sua anormalidade não adveio do projeto em si, mas sim do que Tesla fez com ele. Enquanto o normal seria buscar um financiamento para fabricar a tal arma, que garantiria a invencibilidade de qualquer país em uma guerra eventual ou, quem sabe, em um rasgo de patriotismo, procurar o governo de seu país (mas de que país? Nesta altura dos acontecimentos Tesla era Sérvio naturalizado Americano) para oferecer-lhe tal maravilha, Tesla decidiu fazer de seu projeto uma “arma para acabar com todas as guerras”. E partindo do princípio que se todas as nações – ou pelo menos as mais poderosas – dispusessem deste artefato as guerras não mais seriam possíveis já que todas estariam protegidas contra qualquer ataque, Tesla preparou, em um trabalho intitulado "Nova arte de projetar energia concentrada e não dispersiva através de meios naturais” (New Art of Projecting Concentrated Non-Dispersive Energy Through Natural Media), uma minuciosa descrição dos princípios envolvidos e distribuiu o trabalho a diferentes nações, entre as quais EUA, Canadá, Inglaterra, França e as então existentes Yugoslávia e União Soviética. Seu objetivo maior não era dinheiro nem poder, era simplesmente acabar com a possibilidade de qualquer guerra. Pode-se considerar um cara destes “normal”? (veja uma foto de publicidade, obtida na Wikipedia, mostrando Tesla lendo calmamente no interior de seu laboratório enquanto centelhas de milhares de volts saltavam sobre sua cabeça).

Figura 2: Tesla em seu laboratório.

Mas o segundo evento, o fato mais espantoso, aquele que deu ao mundo a certeza que Tesla não era mesmo uma pessoa normal, foi sua torre dos sonhos, aquela construída na região de Long Island, NY, que abrigava a famosa “bobina de Tesla” e cujas ruínas existem até hoje.

Mas este é justamente nosso assunto da próxima coluna. Que, prometo, será a última sobre este assunto.

Mesmo porque eu já estou rodando Windows 7 e estou doidinho pra falar dele...

 

B. Piropo