Sítio do Piropo

B. Piropo

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04/01/2010

< Coluninha de Ano Novo >


Primeira coluna do ano de 2010, final de festas, ressaca generalizada, quem quer ler sobre tecnologia? E, mais importante (pelo menos para mim...): quem quer escrever sobre tecnologia? Melhor, então, ficar nas generalidades. Principalmente um cara como eu, que por força das circunstâncias acabou se tornando um especialista em generalidades.

Raio que os partam

Não, definitivamente não se trata de um impropério nem de exagero. Trata-se da mais pura e cruel realidade.
Os leitores que acompanham minhas colunas (a última estatística razoavelmente confiável indicou que eram 51, mas isso foi antes do falecimento de D. Eulina, minha saudosa mãe, de modo que o total deve ter diminuído quase 2%) devem ter percebido meu desaparecimento virtual no período natalino. E os mais atentos, que se deram ao trabalho de ler os (poucos) comentários à minha última coluna talvez até saibam por que raios eu sumi.
Pois foi um raio mesmo.
Acontece que decidi passar o final de semana natalino em Saquarema, onde mantenho um pequeno apartamento para fugir do bulício (bela palavra; muito usada no Século XVI) do Rio de Janeiro e conviver um pouco com meu neto que mora por lá.
Como não consigo (seja por razões profissionais, seja por questões puramente psicológicas) viver sem Internet, montei um computador “residente” em Saquarema e contratei os serviços de um pequeno provedor local, o NETspeedy. Sobre o qual já escrevi, mais especificamente na coluna “Pequenos Provedores”, publicada aqui mesmo em abril de 2008. E vinha vivendo muito satisfeito com ambos. Especialmente porque (o que não é tão assombroso quanto parece, já que Saquarema não chega a ser propriamente uma megalópole) as instalações da pequena empresa estão localizadas no térreo do, vejam vocês, mesmo edifício do meu apartamento. Uma feliz coincidência que, como logo veremos, tem também seus inconvenientes.
Pois bem: na semana do Natal, ao chegar “em casa”, dando por findos os trâmites iniciais, liguei o computador para pôr em dia o correio eletrônico.
Eu liguei, mas ele não. E por mais que insistisse, continuou se negando a fazê-lo. Pior: nem a unidade de fornecimento ininterrupto de energia (tá bão, aqui há que se abrir uma exceção: o “no-break”) mostrava qualquer sinal de vida. Assim como os dois monitores e, de quebra, a televisão, que nada tinha a ver com a questão.
Nesta altura dos acontecimentos, perguntei a mim mesmo: “-Mim mesmo, o que teria acontecido?” e, dada a ausência de resposta, decidi perguntar ao administrador do prédio que deveria saber mais detalhes. E ele informou que, na véspera, o prédio e a rede elétrica das redondezas haviam sido atingidos por um raio que “tinha queimado alguns eletrodomésticos”.
Modéstia dele. Na verdade o raio do raio “queimou” praticamente todos os equipamentos que direta ou remotamente tinham alguma coisa a ver com eletricidade e, mesmo desligados e teoricamente protegidos, estavam conectados a tomadas da rede elétrica do prédio.
Bem, quando é inevitável, há que relaxar e aproveitar, como disse muito bem aquela Ministra paulistana (a mesma que, quando era prefeita, queixou-se das comunidades carentes que reclamavam das enchentes declarando a uma jornalista que “essas pessoas vivem dizendo que não têm nada e quando chega a enchente alegam que perderam tudo”). E como eu havia levado meu micrinho portátil, um corajoso “netbook” LeNovo, bastaria conectá-lo ao cabo da rede do provedor que, pensei eu, por sorte ficava no mesmo prédio e me havia fornecido uma conexão direta.
Sorte? No mesmo prédio? Aquele do raio? Ah, tolinho...
Pois é...
Também lá no provedor não havia sobrado muita coisa...
Mas eu sou renitente. Junto com o “netbook” viaja sempre o modem 3G. Assino o serviço da Vivo, caro porém funcionalmente razoável. E foi ele que me salvou do isolamento.
Ocorre que, embora a Vivo jure que o serviço é “banda larga”, eu já havia constatado que é larga, pero no mucho. E, se dava para manter o correio eletrônico (pelo menos a parte das mensagens mais urgentes) quase em dia e consultar de quando em vez o FPCs para ver em que pé estavam os comentários à coluna anterior, não dava para ir muito além disso naquela tela pequenina.
Resultado: na volta a TV ficou por lá mesmo, em uma oficina atulhada de eletrônicos (aquele raio vai fazer o pessoal da oficina ganhar uma grana preta, mas garanto que nunca trabalharam tanto em um Natal) enquanto o computador, “no-break” e monitores vieram dar um passeio no Rio, em busca de conserto. E eu voltei à Internet plena, se é que me entendem.
Incidentalmente: o que escrevi sobre as vantagens de se lidar com pequenos provedores na coluna citada lá em cima mais uma vez mostrou-se verdadeiro. O pessoal do < http://www.netspeedy.com.br/ > NETspeedy desdobrou-se não apenas para restabelecer seus serviços o mais rapidamente possível (no domingo, três dias depois do raio, a Internet já estava no ar e eu pude recomeçar a usá-la no “netbook”) como também para tentar resolver os problemas de conexão resultantes da mudança do endereço MAC da placa de rede. A atenção que me dedicaram foi digna do espírito de Natal. A equipe está toda de parabéns.

Figura 1: NETspeedy.


Sim, eu sei que parece propaganda. Não é. É apenas uma declaração – e um agradecimento – de um usuário satisfeito.
E eu estou de volta à batalha do dia a dia.

Em que década estamos?

Se, antes de perder seu tempo lendo essas bobagens, você dedicou sua atenção ao que realmente importa, haverá de ter lido a excelente coluna de Mestre Luis Sucupira, “Os primeiros 10 anos deste Século: Do Google AdWords ao Hulu”. Se ainda não leu, não deixe de ler.
E, em a lendo, procure notar o cuidado com que Mestre Sucupira evitou a palavra “década”. Ele menciona “decênio”, “dez anos”, mas nada de década...
Estranhou?
Pois tudo tem sua razão de ser.
A coluna do Mestre Sucupira é consequência de uma excelente sugestão dele mesmo. Consubstanciada em uma mensagem por ele enviada aos demais colunistas do Fórum há pouco mais de uma semana (ou seja, no final de 2009) mais ou menos nos seguintes termos:
Este é o último ano da primeira década do Século XXI. Minha sugestão seria elaborarmos material sobre o que mudou nesta década”.
A idéia, como se vê, é excelente. Não obstante achei que alguma coisa soava mal na forma como foi sugerida. O que me levou a responder mais ou menos o seguinte:
Com a devida vênia e com todo o respeito, acho que para isto teremos que esperar um ano. Pois o último ano da primeira década do século XXI será o próximo”.
Ou seja, para deixar a coisa perfeitamente clara: Mestre Sucupira afirmava que a primeira década do século XXI se encerraria em 31 de dezembro passado, ano de 2009, enquanto eu afirmo que ela se encerrará em 31 de dezembro deste ano, 2010.
O que gerou uma interessantíssima discussão sobre anos, décadas e séculos com uma agradável troca de mensagens entre mim e Mestre Sucupira, da qual participaram outros colegas do FPCs.
Mas afinal, quando foi mesmo o início da primeira década do século XXI (e, por via de consequência, do próprio Século XXI)?
Vamos começar pelo começo, como convém: o que é “uma década”?
Se você pensa (como eu pensava) que “década” se refere exclusivamente a um período de dez anos, engana-se. Segundo o Houaiss, além desta acepção, o termo tem diversas (e surpreendentes) outras. Como “conjunto de dez entidades, seres, objetos etc. de igual natureza” (o que permite escrever, por exemplo, que um time de futebol é formado por uma década de jogadores mais o goleiro), “periódico que se publica a intervalos de dez dias” (você não sabia dessa? Pois eu também não...), “obra que se compõe de dez partes ou poema com dez versos; estrofe de dez versos” e, finalmente, para mim a mais surpreendente: “conjunto de dez dias consecutivos; decêndio” (ou seja: o termo também se refere a uma dezena de dias, e não apenas de anos). Mas a acepção mais corriqueira e praticamente a única de emprego corrente na linguagem comum (mesmo na chamada “regra culta”) é “período de dez anos; decênio”. Fiquemos, pois, com ela.
E quanto à validade disso, penso eu, estamos todos de acordo: uma década, na acepção corrente, se refere a um período de dez anos consecutivos.
Mas note que a definição não estabelece referencial de início ou fim da contagem.
Explicando melhor: estamos de acordo que o período transcorrido desde ano 2000 até o ano 2009 foi uma década. Como décadas foram igualmente os períodos transcorridos entre, por exemplo, 1960 e 1969 (esta, garanto para os que não a viveram, absolutamente inesquecível pelo que aconteceu de delicioso no mundo e de execrável no Brasil), ou entre 1990 e 1999, também conhecidas como “anos sessenta” e “anos noventa”, respectivamente.
Mas o que pouca gente se dá conta é que também décadas foram, por exemplo, o período de dez anos compreendidos entre, digamos, 1939 e 1948 (duplamente importante para a humanidade não somente por conter os anos da Segunda Grande Guerra – esta parte é séria – como também por corresponder aos meus primeiros dez anos de vida – já esta é brincadeira). Ou a década de 432AC a 421AC, que marcou a “Guerra dos dez anos” entre Atenas e Esparta. Ou qualquer outro período que comece em um ano qualquer e se prolongue pelos nove seguintes.
Até aí, tudo bem. Mas nada disso responde à pergunta. Afinal, em que década estamos?
Bem, considerando que já vivemos 2010, sem fazer esforço posso citar exatamente dez delas. A primeira começa em primeiro de janeiro de 2001 (atenção! 2001, não 2000) e terminará em 31 de dezembro deste ano. E a última começou há quatro dias, em primeiro de janeiro de 2010, e terminará em 31 de dezembro de 2019. Além destas, há ainda todas as demais décadas situadas entre elas que começaram em primeiro de janeiro de qualquer ano desde 2002 até 2009, inclusive, e venham a terminar dez anos depois, em 31 de dezembro de um ano situado entre 2011 e 2018, inclusive. Escolha qualquer delas e situe-se, alegremente, dentro dela. Todas são décadas e todas incluem o ano de 2010. E podem ser chamadas de “esta década” já que todas incluem este ano.
Agora vamos fixar um referencial. Mais especificamente, 31 de dezembro do ano passado (faz menos de uma semana, mas era mesmo o ano passado, pois não? Esclarecendo: me refiro a 31/12/2009). Se este foi o dia final de uma década, quando teria ela começado?
Ora, basta contar dez anos para trás para descobrir, como espertamente concluiu Mestre Sucupira, que ela começou em primeiro de janeiro de 2000.
Como diria o sujeito que caiu do vigésimo andar quando passou pelo terceiro, “até aqui tudo bem”. Cite um referencial, seja para início ou final de uma década, que a década fica perfeitamente identificada. Com a vantagem de que basta mencionar o ano, pois presume-se que as décadas sempre começam em primeiro de janeiro de um determinado ano e terminam em 31 de dezembro exatamente dez anos depois.
Agora vamos dar um passo adiante. Na mensagem Mestre Sucupira se referiu a ela como “a primeira década do Século XXI” (na coluna, a qualificou como “os primeiros dez anos do século XXI”, o que vem a dar exatamente na mesma).
Teria ele razão?
Verifiquemos. Vamos contar para trás. Considerar a década de 2000 a 2009 como a primeira do século XXI traz como fato implícito que o Século XXI começou no ano 2000.
E o Século XX? Bem, partindo-se da premissa (da qual eu discordo e já veremos porque) que o Século XXI começou em 2000, e considerando que, como todo século que se apresenta, ele durou cem anos, o Século XX teria começado em 1900. E, continuando, o Século XIX teria começado em 1800, o XVIII em 1700 e assim por diante (digo, por detrás, já que estamos contando os séculos em ordem decrescente).
Neste caso, quando – ou melhor, em primeiro de janeiro de que ano – teria começado o Século I, o primeiro da era cristã?
Bem, se o século XXI começou em 2000, o Século I teria começado em 0000, ou seja, no ano zero mil zerocentos e zerenta e zero. Quer dizer: no ano zero.
Muito bem, sendo assim então diga-me lá: o que aconteceu neste ano? O que registra a história sobre ele? Em que época se situaria ele, na era cristã ou nos anos AC (Antes de Cristo)?
Melhor: cite um fato histórico nele ocorrido. Qualquer um, importante ou desimportante, Afinal, sendo o ano inicial do primeiro século de uma era, não é um ano qualquer. O que registra a história sobre ele? Investigue. Procure no Google. Vá até a Wikipedia. Eu espero.
Viu? Exceto algumas referências a um joguinho de computador e um disco de um obscuro grupo de roque (se é muito conhecido, que me perdoem seus fãs: para mim, todo grupo de roque é, por natureza, obscuro) a única coisa palpável que se encontra sobre um possível “ano zero” é uma referência na Wikipedia em Inglês, verbete < http://en.wikipedia.org/wiki/Year_zero > “Year zero”, sobre um ano zero em “numeração astronômica” (< http://en.wikipedia.org/wiki/Astronomical_year_numbering > Astronomical year numbering) no qual é mencionado textualmente que “O ano zero não é usado no amplamente utilizado calendário Gregoriano nem em seu predecessor, o Calendário Juliano. Nestes sistemas o ano 1 AC é seguido imediatamente pelo ano 1AD” (“AC”, como sabem todos, significa “Antes de Cristo” e “AD” “Anno Domini”, ou ano do Senhor, referindo-se à era cristã).
Ou seja: não existiu o ano zero. Nem no calendário Gregoriano nem no Juliano (embora exista nos calendários Budista e Hindu, mas podem tirar o cavalo da chuva que no primeiro ele correspondeu a 691 AC e no segundo a 3102 AC, portanto neles o Século XXI já passou – literalmente – há séculos). A Era Cristã começou no ano 1, o primeiro ano da primeira década do primeiro século. E este, sim, não somente existiu com a história < http://en.wikipedia.org/wiki/1 > registra uma longa lista de acontecimentos, entre os quais a construção do aqueduto Aqua Alsietina, a escrita do poema Metamorfose por Ovídio, a introdução do budismo na China e, entre outros, o “alegado nascimento de Jesus Cristo”. Veja, na Figura 2 (obtida na Wikipedia) uma ilustração da ocupação do mundo no Ano 1.

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Figura 2: distribuição da população do planeta no ano 1 AD.

Portanto o ano do nascimento de Jesus Cristo, o primeiro ano do primeiro século da Era Cristã, foi o ano 1.
O que, para aqueles que acreditam que o Século XXI começou em 2000, leva a uma curiosa constatação: como o Século II há de ter começado no ano cem, o Século I terminou no ano 99. Ora, como começou no ano 1, teria sido então um século de apenas 99 anos.
Então não foi um século, já que como é sabido, séculos que honram seu nome costumam durar cem anos exatos, nem um a mais e – muito menos – um a menos.
Ora, mas se o século primeiro foi mesmo um século e se ele começou no ano 1, quando teria terminado?
Basta somar ao 1 os 99 anos adicionais que completam o século para concluir que o Século I terminou no ano cem. Portanto o Século II começou no ano seguinte, o ano 101.
Agora é só contar daí para frente século a século para concluir que o Século XX terminou em 2000. O que leva à conclusão elementar que o Século XXI começou no ano seguinte, 2001. Que coincidiu, naturalmente, com o início de sua primeira década. Que, como toda boa década que se apresenta, durará dez anos. E, por conseguinte, somente terminará em 31 de dezembro deste ano, 2010.
Se alguém duvidar, enfileire duzentos amigos, faça cada um exibir os dez dedos de suas (deles) mãos, junte seus próprios dez no final da fila, batize o mindinho da mão esquerda do amigo da ponta da fila de “ano um” e vá contando. Cada amigo, uma década, cada dez amigos um século, cada cem um milênio. Continue contando até descobrir que o ano de 2009 cairá no dedo anular de sua própria mão direita. Ficará então faltando um mindinho para acabar a primeira década do vigésimo primeiro século...
Quer dizer: os anos que transcorreram entre 2000 e 2009 não corresponderam à primeira década (nem aos primeiros dez anos, ça va sans dire) do Século XXI. Corresponderam apenas aos primeiros nove anos do século XXI aos quais se imiscuiu o enxerido último ano do Século XX, o ano 2000.
Eu sei que vai ter gente estrilando, estranhando, esperneando e achando que uma década que se apresente começa em um ano terminado em zero. E, sem ironia, eu concordo.
Mas quando se fixa um referencial (tipo “a última década do Século XV”, por acaso a década do descobrimento do Brasil – e pense bem antes de contestar), há que se respeitar o referencial fixado. E se este referencial é um século da era cristã, a contagem começa no ano 1. E não tem choro nem vela.
Mas não tem nada não. Há exatos dez anos, nos albores do ano 2000, foi um custo para explicar aos afobados que o terceiro milênio só começaria no ano seguinte.
E tem gente que até hoje não acredita...

 

B. Piropo