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B. Piropo

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15/02/2010

< Quadrados Mágicos I: Quadrados Pan-mágicos >


Li recentemente o mais novo romance de Dan Brown, “O símbolo perdido”. O autor chamou minha atenção com seu excelente “O Código Da Vinci”, o que acabou por me levar a ler todos os seus demais romances. E o melhor que posso dizer sobre este último é que, definitivamente, não é a obra prima do autor. E não sendo esta coluna voltada para a crítica literária, me absterei de enfadá-los detalhando as razões que me levaram a esta conclusão. O fato é que, em minha opinião, o livro não é lá grande coisa.
Mas, a páginas tantas, o livro menciona Albrecht Dürer, este pouco conhecido gênio das artes e dos números. E o menciona como autor de uma de suas mais perturbadoras obras. Que entrou na história justamente por conter o extraordinário quadrado mágico de Dürer. Que me levou a escrever esta coluna.
Mas vamos por partes.
Albrecht Dürer foi um gênio precoce. A qualidade de suas obras tornou-o famoso com menos de trinta anos. Considerando que viveu entre 1471 e 1528, quando ainda não havia Internet nem Big Brother (o que obrigava a quem quisesse se tornar famoso a merecê-lo), o fato de ter sido considerado o mais importante artista renascentista fora da Itália ainda em vida é uma façanha e tanto. Façanha merecida, aliás. Veja, na Figura 1, sua lebre, uma aquarela pintada em 1502 (figura obtida na Wikipedia e sujeita aos direitos da Wikimedia Commons) cujo original está exposto no Museu Albertina, de Viena, Áustria.

Figura 1: “Young Hare”, aquarela de Albrecht Dürer

Mas a lebre nada tem a ver com nossa coluna. Na verdade ela aí está apenas por sua incontestável beleza. É um trabalho tão bonito que resolvi brindá-los com sua imagem. Porque o trabalho de Dürer que realmente nos interessa não é esse.
A obra de Dürer que nos diz respeito é justamente a citada no livro de Brown, a gravura “Melencolia I” de 1514, uma composição alegórica tão cheia de símbolos e alusões que talvez tenha sido a imagem com maior número de interpretações da era moderna. Veja-a na Figura 2, também da Wikimedia Commons.

Figura 2: “Melencolia I” de Albrecht Dürer

Segundo as interpretações mais aceitas, a gravura mostra a melancólica figura de uma artista deprimida pela falta de inspiração para criar sua obra mesmo dispondo de todos os artefatos e conhecimentos necessários, aparatos estes que estão espalhados em torno dela: as ferramentas e instrumentos de desenho e marcenaria a seus pés, intocados; um imenso sólido romboédrico (hoje conhecido como “Sólido de Dürer”) aparentemente inacabado; uma ampulheta mostrando a passagem do tempo; uma balança vazia; a figura mitológica de um gênio, igualmente deprimido talvez por não conseguir ajudar; o farol e o arco-íris ao fundo; chaves e outros objetos espalhados por toda a parte e, finalmente (por ser o que nos interessa), gravado na parede por detrás da figura principal, um quadrado mágico que, segundo a maioria das interpretações, simboliza o conhecimento matemático.
Este espantoso quadrado mágico tornou-se conhecido como “Quadrado Mágico de Dürer”. Ei-lo, ampliado, na Figura 3.

Figura 3: O “Quadrado Mágico de Dürer”

Mas o que tem o quadrado mágico de Dürer para merecer o adjetivo “espantoso”? Em que ele se destaca dos demais quadrados mágicos?
Bem, para descobrir isso precisamos saber um pouco mais sobre os quadrados mágicos. Começando por responder à pergunta: o que é um “quadrado mágico”?
Se você gosta de matemática e de curiosidades a ela relacionadas, prepare-se para se deliciar com os próximos parágrafos (por outro lado, se não gosta, talvez não se delicie tanto, mas depois não venha reclamar que estou ficando velho e chato; desta vez eu avisei).
Um quadrado mágico é um tipo particular daquilo que os matemáticos chamam de “matriz”, que no fundo não passa de uma tabela de “n” linhas por “m” colunas. Quando n = m, ou seja, quando o número de linhas é igual ao de colunas, ela é conhecida como “matriz quadrada”.
A “ordem” de uma matriz quadrada é igual a seu número de linhas (e de colunas, naturalmente; afinal, ela é quadrada).
Matrizes – ou, mais particularmente o “cálculo matricial” – constituem todo um ramo da matemática e são usadas principalmente para a resolução de sistemas de equações lineares. Um negócio danado de complicado que inclui a realização de todo um conjunto de operações matemáticas com matrizes. Mas estamos interessados apenas nas características mais elementares das matrizes, basicamente na soma de alguns de seus elementos, portanto não há razão para preocupações: não será necessário apelar para quaisquer complicadores do cálculo matricial. Muito pelo contrário. Pouco faremos aqui além de meras adições.
Pois bem: a definição mais simples de quadrado mágico é aquela que diz que ele é uma matriz quadrada (ou seja, um “quadrado de números”) em que a soma dos números de todas as linhas e de todas as colunas é a mesma.
Veja um deles na figura 4 (uma matriz de ordem quatro, mesma ordem do quadrado de Dürer).

Figura 4: Quadrado Mágico simples

Há, no entanto, quem não considere o quadrado mostrada na figura acima como um “Quadrado Mágico”. Ou, pelo menos, não suficientemente mágico. Isso porque, segundo estes, para ser (pelo menos um pouco mais) mágico é necessário que a soma das diagonais também seja igual à das linhas e colunas. Como, por exemplo, o quadrado da Figura 5 onde a soma das diagonais são exibidas nos vértices inferiores (se você quiser conferir, divirta-se, afinal você tem uma calculadora à distância de um clique; mas dificilmente encontrará um erro posto que todas as figuras que mostram quadrados mágicos nesta coluna foram criadas e verificadas no Excel, copiadas, editadas e coladas aqui).

Figura 5: Quadrado mágico incluindo diagonais


Melhorou um pouco, pois não? Agora também as diagonais exibem a mesma soma. Mas ainda há um detalhe importante. Há quem diga (e eu estou de acordo) que um quadrado em que há números repetidos não pode ser considerado verdadeiramente “mágico”. Para que o seja, além da igualdade das somas das linhas, colunas e diagonais, os números que compõem o quadrado devem ser diferentes e sucessivos. O que complica bastante as coisas, mas não a ponto de tornar impossível a criação de um quadrado que obedeça a estas especificações, como o mostrado na Figura 6 (na verdade, como você perceberá mais tarde se voltar a consultar a Figura 6, descobrirá que ele adere a estas e muitas outras; mas não nos precipitemos e sigamos nosso caminho passo a passo para facilitar o entendimento).

Figura 6: Quadrado mágico sem números repetidos

Pois há quem exija ainda mais. Para estes, o quadrado da Figura 6 não merece a classificação de mágico porque a série de números sucessivos que o formam começa do “zero”, não do “um” como manda a tradição. O que é perfeitamente compreensível já que os quadrados mágicos precedem de muito, mas muito mesmo, a invenção do “zero” que, como sabemos, foi inventado pelos chineses aproximadamente em 500 AC, incorporado ao sistema numérico pelos indianos e adotado pelos árabes em seu sistema de “algarismos arábicos”, que foi disseminado pelo norte da África de onde foi levado à Europa por Fibonacci no início do segundo milênio. Já quanto aos quadrados mágicos, < http://www.markfarrar.co.uk/msqhst01.htm > há notícias de que os mais antigos datam de mil e trezentos anos antes da criação do “zero”, ano de 2800 AC, também criado pelos chineses (talvez vocês se espantem com esta afirmação, mas os chineses inventaram há milênios quase tudo que a civilização ocidental se orgulha tanto de haver (re)inventado nestes últimos dois mil anos e o ocidente desconhecia apenas devido ao isolamento da civilização chinesa). Portanto, para que o quadrado seja efetivamente “mágico”, os números que o formam devem constituir uma série de inteiros sucessivos começando do “um”. Mas se todos os problemas fosse simples assim de resolver o mundo seria mais fácil. Pois para obter um quadrado mágico começando do “um” a partir de um começando do “zero” basta somar uma unidade a cada elemento deste último. Veja, na Figura 7 (este sim um quadrado mágico para ninguém botar defeito), o resultado da soma de “um” a cada elemento do quadrado mostrado na Figura 6.

Figura 7: Quadrado mágico perfeito

Mas será que além deste (e do de Dürer, que logo examinaremos em detalhe e veremos que é aquilo que se poderia chamar de “mais que perfeito”) haverá outros quadrados mágicos perfeitos de quarta ordem?
Mas claro. Reza a teoria que podem ser criados exatos 880 quadrados mágicos de quarta ordem (e você pode encontrá-los todos < http://mathforum.org/te/exchange/hosted/suzuki/MagicSquare.4x4.total.html > aqui). Veja, na Figura 8, alguns exemplos. Que, por mais que lhe custe acreditar, assim como os precedentes (menos o de Dürer, é claro) não foram copiados da página acima citada, mas criados por esse vosso criado. E para que não se diga que repeti o mesmo quadrado usando truques como rotações, espelhamentos e transposições (que, como veremos, permite criar quadrados mágicos aparentemente diferentes a partir de um só), todos apresentam o numeral 16 no canto superior esquerdo.  
Mas não se iluda: isso não se constitui em qualquer façanha digna de nota. Qualquer coisa pode ser feita por qualquer pessoa que tenha mais de quatro ou cinco neurônios desde que tenha aprendido como fazê-la. E, no que toca a quadrados mágicos, como criá-los é mais simples do que parece, eu aprendi e pretendo logo ensinar a vocês. Mas lá vou eu novamente botando o carro adiante dos bois...

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Figura 8: Quadrados mágicos perfeitos

Antes de examinar detalhadamente o quadrado mágico de Dürer, há que conhecer mais alguns detalhes simples sobre quadrados mágicos.
Começando por definir “número mágico” como aquele em que resulta a soma das linhas, colunas e diagonais. Para quadrados mágicos perfeitos de uma determinada ordem, esse número é sempre o mesmo (e, como se vê na Figura 8, o correspondente ao quadrado mágico de ordem quatro é 34). Mas ao contrário do que possa parecer, não há nada de mágico nisso. É apenas o resultado da aplicação de aritmética elementar e algum raciocínio.
Tomemos o quadrado de ordem quatro como exemplo. Sendo uma matriz de 4x4, ele necessariamente terá 4x4=16 elementos. Como obrigatoriamente começa em “um”, estes elementos são a série de números inteiros de um a 16.
Quanto vale a soma de uma série de números começada em “um”?
Não iremos nos dar ao trabalho de somá-los todos. Repare que somando o primeiro com o último, o resultado é o mesmo da soma do segundo com o penúltimo, do terceiro com o antepenúltimo e assim por diante: sempre 17. Como de um a 16 há oito pares de valores 17, para calcular a soma total basta multiplicar 8 x 17. O resultado é 136. E se você pensar um pouco verá que este raciocínio leva à dedução da fórmula da soma “s” dos números da série de 1 a “n”:
s = ([n+1] . n)/2.
Voltando ao quadrado de Dürer: a soma dos números que o compõem é 136. Como ele tem quatro linhas, a soma do total das linhas é obrigatoriamente igual a este total. E como as somas das linhas são iguais (afinal, o quadrado é mágico, pois não?), cada uma delas somará um quarto disso, Portanto não há de ser surpresa descobrir que o número mágico de um quadrado mágico perfeito de quarta ordem é 136/4=34 (usando o mesmo raciocínio descobre-se que número mágico dos quadrados perfeitos das ordens cinco, seis e sete são 65, 111 e 175. E o de um quadrado de ordem cem será 500.050).
Finalmente, mais um ponto importante sobre os quadrados mágicos. Embora as condições até agora examinadas sejam bastantes para caracterizar um quadrado mágico “perfeito”, há ainda um tipo de quadrado mágico ainda mais surpreendente. São aqueles denominados “quadrados pan-mágicos”, também conhecidos como “quadrados de Nasik”. Neles, os elementos das “diagonais quebradas” (“broken diagonals”) também somam o número mágico.
O que são “diagonais quebradas”? São linhas traçadas diagonalmente (ou seja, paralelas a uma das duas diagonais do quadrado) mas que não “terminam” dentro do quadrado. Em vez disso, “dão a volta” por fora dele e retornam para serem completadas por outra paralela. Em um quadrado de quarta ordem todas as diagonais, inclusive as “quebradas”, têm quatro elementos. Veja, na Figura 9, mais um quadrado mágico. E verifique que ele é um quadrado pan-mágico (como igualmente o são todos os mostrados na Figura 8, confira). Além das diagonais verdadeiras, as “diagonais quebradas” estão traçadas nas diversas representações do quadrado e a soma de seus elementos, igualmente mostrada na figura, é sempre 34. Na representação do alto, á esquerda, aparecem as duas diagonais do quadrado. Na da direita, vê-se as duas diagonais quebradas de 2 + 2 elementos, enquanto nas representações de baixo são mostradas as quatro diagonais quebradas de 3 + 1 elementos.
Figura 9: quadrado pan-mágico
Pronto. Agora já temos o conhecimento necessário para analisarmos o quadrado de Dürer e perceber por que ele é tão especial. Sim, você adivinhou: ele é muito mais do que pan-mágico.
E, de quebra, ainda aprenderemos a criar quadrados mágicos.
Tudo isso na próxima coluna, naturalmente.

 

B. Piropo