Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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15/11/2010

< O XP morreu. De novo? >


 

Esta coluna deveria ter sido publicada há algumas semanas. Mas houve o lançamento das aceleradoras gráficas Radeon HD 6800 da AMD, que exigiu uma longa série de colunas, seguida pela feia briga de comadres entre Facebook e Google, que pedia um comentário. E, afinal, no que diz respeito ao nosso assunto de hoje, as coisas não iriam mudar nestas últimas semanas. Como não mudarão nas próximas. Portanto, resolvi adiar um pouco. Mas deixar de comentar é impossível. Pois, afinal, trata-se de um fato histórico.

Pois acontece que nesta data (na verdade, em 22 de outubro passado) cumprimos o doloroso dever de comunicar – mais uma vez - a morte oficial do sistema operacional mais bem sucedido da linha PC.
Note que eu pensei em escrever “melhor”, em vez de “mais bem sucedido”. Mas, se o fizesse, iria suscitar a costumeira polêmica e, honestamente, já não tenho mais paciência para ela. Então ficou mesmo “bem sucedido” porque o sucesso do Windows XP é inegável e fácil de demonstrar (e se alguém desejar argumentar que algum sistema operacional que detém menos de 5% do mercado – ver Figura 1 – é melhor ou mais bem sucedido que o XP está livre para fazê-lo nos comentários mas não espere que eu morda a isca e entre na vã e estéril discussão que isto sempre provoca). Pois, ao fim e ao cabo, embora oficialmente morto, o XP ainda se aboleta em pelo menos metade das máquinas em funcionamento no planeta. E, quem sabe, em mais algumas fora dele pois não duvido que orbitando a Terra ainda tenha sobrado alguma máquina rodando o XP ou uma de suas adaptações em alguma velha estação espacial ou satélite lançado há alguns anos.
Mas vamos por partes.

A morte (mais uma vez) anunciada
Primeiro, por que morte oficial? A própria MS já não havia anunciado a suspensão das vendas ao público há mais de dois anos, precisamente em 30 de junho de 2008? Não teria sido esta a data do falecimento?
Não exatamente. Porque nesta data o que cessou foi possibilidade de se comprar o sistema operacional avulso, naquelas caixinhas vendidas nas lojas. Mas computadores equipados com ele continuaram a ser vendidos. E, a bem da verdade, vendiam mais que os equipados com seu sucessor oficial, o Windows Vista, já então disponível há ano e meio (foi oferecido oficialmente ao público em 30 de janeiro de 2007, mas desde novembro de 2006 já se podia comprar computadores equipados com a versão final do Vista). Portanto, apesar de não se poder comprar uma versão avulsa, o sistema continuou a ser “vendido” no interior dos computadores onde vinha instalado.
É verdade que a MS tentou acabar com isto anunciando que este tipo de venda somente seria feita até janeiro de 2009. Mas o mercado estrilou. Afinal, no início de 2009, segundo as <  http://www.w3schools.com/browsers/browsers_os.asp > estatísticas do W3Schools, Windows XP ocupava nada menos que 70% dos computadores em uso. Como matar um inconteste campeão? E, relutantemente, a MS concordou em prorrogar o prazo fatal. Mas passou a sufocar o pobre aos poucos. Em 14 de abril de 2009 anunciou que o suporte ao sistema operacional deixava de ser fornecido em base regular (“Mainstream Support") e passava a sê-lo como suporte estendido (“Extended Support”). Em 13 de julho do ano corrente suspendeu inteiramente o suporte técnico para as versões com o Pacote de Serviços 3 (SP3; o das versões com os SP1 e SP2 já havia sido suspenso anteriormente). E, finalmente, no dia 22 de outubro último, anunciou que cessaram definitivamente as vendas do Windows XP instalado em computadores.
Quer dizer: desta vez, morreu mesmo.

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Figura 1: Estatísticas de uso de SOs por versão - Netmarketshare

E morreu de morte matada, é bom que se diga. Porque a autópsia revelou que o falecido gozava excelente estado de saúde no momento do passamento. E, paradoxalmente, continua gozando mesmo depois de morto. Segundo o W3Schools, em outubro de 2010 o Windows XP ainda se refestelava em 49% dos micros em uso. E, para não ser acusado de me ater a uma única fonte, como soe acontecer sempre que cito o W3Schools, vejam na Figura 1 o que mostram as < http://netmarketshare.com/operating-system-market-share.aspx?qprid=10&qptimeframe=M&qpsp=141&qpnp=1 > estatísticas do respeitabilíssimo sítio Netmarketshare para o mesmo mês. Aquela fatia maior, em azul escuro, correspondendo a  59% do mercado, é justamente a do de cujus, o pobre XP, cujos bens acabaram de entrar em inventário.
Quer dizer: um sistema operacional lançado oficialmente em 21 de outubro de 2001 morre, também oficialmente (pois continua vivo no coração dos usuários, MS, mãe ingrata) em 22 de outubro de 2010, com exatamente nove anos e um dia de vida. E ainda ocupando mais da metade dos computadores em uso. Se alguém conhece um sistema operacional mais bem sucedido do que este, que fale agora ou cale-se para sempre. E antes que uma voz se alevante em defesa do MS-DOS, nascido oficialmente em 12 de agosto de 1982 e mantido em uso até o lançamento de Windows 95 treze anos depois, convém lembrar que a) os tempos eram outros e a evolução do hardware e software se dava em câmara lenta se comparada com a de hoje; e b) de 1990 a 1995 o principal uso do DOS era servir de suporte às versões 3.x de Windows, que eram uma mescla de sistema operacional com interface gráfica.

Um começo difícil
É verdade que, como todo sujeito bem sucedido, o XP teve um início de vida ingrato. E não deveria ter tido, já que oficialmente foi lançado para substituir o Windows Me, talvez o único sistema operacional mais malvisto pelos usuários que o Vista. Mas era grande demais a mudança de paradigma em relação ao Windows 98, seu real antecessor (vamos esquecer o Me; na verdade a MS está tentando fazer isto desde setembro de 2000, quando o lançou, mas não consegue; suspeito que seus desenvolvedores de vez em quanto despertam no meio da noite, aterrorizados, em meio a um pesadelo onde ainda são obrigados a rodar o monstrengo que criaram, mas para nós, usuários, é fácil fingir que ele não existiu).
Mas, voltando ao XP: no princípio o mercado relutou em aceitar um SO aparentemente tão diferente, com novidades como a área de notificação (que Windows 7 eliminou, fundindo-a com a Barra de Tarefas, mas que foi um enorme avanço para a época) e a própria Barra de Tarefas, com seu Menu Iniciar e botões que permitiam interagir com os programas ativos mesmo minimizados.
Relutou tanto que a MS, espremida entre um Windows Me, cuja usabilidade oscilava perigosamente perto de zero e cuja estabilidade ainda era mais baixa, e o próprio XP, que então sofria de rejeição por parte dos usuários, teve que fazer uma apressada maquilagem no seu sistema operacional corporativo, o velho Windows NT, que então já havia evoluído e se chamava Windows 2000, dotá-lo de uma interface mais amigável, pendurar nele alguns brinquedos tipo joguinhos, tocadores de música e passadores de filmes (“media player”), adocica-lo um pouco para quebrar a seriedade de um sistema criado para os sisudos escritórios e, enfim, pô-lo ao alcance do usuário doméstico.
Eu mesmo fui um dos que adotaram o Windows 2000 nos primeiros tempos do XP que, aqui entre nós, na tenra infância pecava um pouco no que toca à estabilidade e por isto mesmo angariou certa má fama da qual só se livrou algum tempo depois que foi lançado seu primeiro pacote de serviços, o Windows XP SP1, em 9 de setembro de 2002, pouco menos de um ano depois do lançamento do próprio SO. Além disso, como todo sistema operacional recém-lançado, o XP esperava rodar em uma máquina “de ponta”, o que fez com que os proprietários de sistemas mais antigos o acusassem injustamente de lentidão.
As queixas contra a lentidão desapareceram na medida em que o parque instalado de PCs nas mãos de usuários domésticos foi aos poucos se atualizando. E o SP1 efetivamente corrigiu praticamente todos os defeitos congênitos do XP. Mas, como sabem certas donzelas, principalmente de pequenas cidades do interior (ah, meu Deus, vou ser acusado de machista de novo...) da má fama, depois que “pega”, custa um pouco a se livrar mesmo quando se mantém por um bom tempo um comportamento irrepreensível. E surgiu então um fenômeno curioso: o XP, inquestionavelmente o mais bem sucedido sistema operacional para micros pessoais, foi também o mais criticado (é verdade que o Vista e o Me disputaram com empenho este duvidoso laurel, mas como duraram menos tempo no mercado, perderam de longe). Tanto assim que a Wikipedia mantém < http://en.wikipedia.org/wiki/Criticism_of_Windows_XP > um artigo exclusivamente sobre o assunto.
A razão das críticas reside no fato de ser o mercado ingrato como certos amantes (homens, desta vez) que não sabem viver sem a amada mas, não obstante, dela reclamam o tempo todo (como já veremos, a MS se deixou levar pelas queixas ao lançar o Vista e quebrou a cara).
Expliquemos.
Das queixas, a principal era a falta de segurança. O curioso é que, exceto seu irmão mais velho 2000 que, como sabemos, foi concebido para uso corporativo, o recém-falecido XP foi o primeiro sistema operacional desenvolvido para uso doméstico que, justamente para aumentar a segurança, procurou isolar o usuário da raiz do sistema permitindo a manutenção de uma conta com privilégios de administrador para tarefas como instalação de programas e coisas que tais, e a criação de contas individuais com privilégios limitados. Que, se fossem usadas pela maioria dos usuários, evitariam que pragas como vírus, cavalos de Tróia e outros programas mal intencionados se instalassem na máquina.
Mas o usuário é preguiçoso. E, em sua máquina e no mercado, é soberano. Resultado: o que se via em toda parte eram máquinas de uso compartilhado nas quais todos os usuários detinham privilégios administrativos. Uma festa. E um caldo de cultura para vírus, um prato cheio para a instalação de todo e qualquer programa, bem ou mal intencionado, com ou sem o conhecimento do usuário. Que, então, reclamava.


Figura 2: Win XP SP3

Durante toda a vida do XP (e, por paradoxal que pareça, ainda por mais quatro anos depois de sua morte; já falaremos nisto) a MS se esforçou para tapar buracos, emitindo uma após outra sucessivas atualizações de segurança e, por duas vezes depois do lançamento do SP1, consolidando-as em pacotes de serviços. O Windows XP SP2 foi emitido em 24 de agosto de 2004 e o Windows XP SP3 em abril de 2008, pouco antes da primeira tentativa de assassinato por parte da MS (pois, como vimos, as vendas avulsas do sistema foram suspensas três meses depois). Mas a imaginação criativa dos biltres que desenvolvem programas mal intencionados e a teimosia dos usuários em só usar contas com privilégios de administrador faziam com que a tarefa de tapar buracos se assemelhasse à tentativa de transportar água em peneiras. Bagle, Blaster, Mydoom, Netsky, Sasser e outras tantas pragas tornaram-se então tristemente famosas. E haja atualizações de segurança...

A “Trustworthy Computing Initiative”
Então a MS, ouvindo o mercado, decidiu lançar um sistema operacional realmente seguro. E o Windows Vista foi concebido com um tema principal em mente: segurança absoluta. Tanto que foi a primeira manifestação da < http://en.wikipedia.org/wiki/Trustworthy_Computing > “Trustworthy Computing Initiative", um programa de trabalho da MS destinado a tornar todos os sistemas lançados dali em diante “inerentemente seguros”.
Por isto o Vista implementou o malfadado controle das contas de usuário (“User Account Control”). Que, trocando em miúdos, consistia no seguinte: quando se criava uma conta de usuário no Vista, ao contrário do XP, por padrão a conta não detinha privilégios de administrador. E o sistema foi concebido para manter uma única conta com tais privilégios. As demais até podiam ter acesso a eles, desde que autorizado pelo administrador. Em sistemas corporativos isto era uma desgraça: volta e meia havia que se chamar o administrador para autorizar alguma coisa. Em sistemas não corporativos, o que se recomendava é que, mesmo sendo usado por uma única pessoa, fossem criadas duas contas, uma com privilégios de administrador e outra não, e que esta segunda fosse utilizada correntemente. Para facilitar a vida neste tipo de sistema, cada vez que o usuário comum solicitava a execução de uma tarefa que exigia privilégios de administrador, abria-se uma janela informando isto e solicitando que se entrasse com a senha do administrador.
A ideia por detrás disto era clara: se você, usuário comum, houvesse solicitado, por exemplo, a instalação de um programa ou outra tarefa potencialmente perigosa, bastava que você, administrador (lembre: duas contas, ambas suas), entrasse com a senha para que o sistema prosseguisse com a execução. Porém, caso uma destas janelas se abrisse inopinadamente na tela sem que o usuário tivesse feito algo que a justificasse, muito provavelmente se tratava de um programa mal intencionado tentando se incrustar nos desvãos do sistema. Neste caso, negar a autorização mantinha a máquina livre de riscos.
Eu mesmo usei o Vista desde antes do lançamento (com as primeiras versões beta) sempre respeitando tais recomendações e jamais tive problemas. Digitar de quando em vez uma senha de administrador não fazia mal algum e eu me sentia mais seguro. O problema é que nem todos os usuários concordavam com isto. E, provavelmente aqueles mesmos que reclamavam da insegurança do XP, passaram a reclamar do incômodo de “toda hora ter que aturar aquelas janelas se abrindo e pedindo autorização para tudo”.
Isto, e mais a inclusão do malfadado DRM (“Digital Rights Management”, uma tecnologia destinada a impedir a cópia de material protegido) fez com que o Vista fosse um fracasso de vendas. Apesar disto, eu ainda o acho um bom sistema. Não tão bom quanto o Windows 7, mas melhor que o XP. Esta, porém, é apenas minha opinião e quem não gostar dela favor reclamar com o Paulo Couto, editor do FPCs, e deixar sossegada D. Eulina, que repousa em paz e não é responsável pelas estrepolias do filho que teve.

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Figura 3: Linhas de tendência de mercado dos SOs

Então veio o Windows 7. Dele, não tenho ouvido muitas reclamações. Pelo contrário, ouço (e leio, da parte da imprensa especializada) um bocado de elogios. A interface com o usuário é um primor, ele não aborrece tanto com solicitações de autorizações, é rápido, bonito, intuitivo, em suma: um SO de respeito. E o mercado tem reagido favoravelmente. Veja, na Figura 3, ainda < http://netmarketshare.com/os-market-share.aspx?qprid=11 > de autoria dos magos do Netmarketshare, a evolução das linhas de tendência das fatias de mercado detidas pelas diferentes versões de sistemas operacionais. Segundo ela, o Windows 7, embora ainda em torno dos 20% de mercado (conforme a Figura 1, exatos 18,3% em outubro de 2010 e < http://www.w3schools.com/browsers/browsers_os.asp > de acordo com o W3Schools, 26,8%), é o único que apresenta crescimento significativo.
Então por que a turma se aferra ao XP?
Honestamente, não sei.
Mas sei que a MS não está gostando disto. Afinal, ela tinha planejado uma vida útil de no máximo cinco anos para ele (Windows Vista foi lançado em 2006) e o XP, além de chegar quase ao dobro disto, mantém com larga folga a coroa de SO mais usado.
É verdade que não se abandona à própria sorte um campeão. Por isto, embora não mais desenvolvendo pacotes de serviços nem atualizações para suporte de novo hardware e coisas que tais, a MS promete continuar lançando atualizações de segurança (e apenas as de segurança) para o XP até 8 de abril de 2014. Quer dizer: até lá ele continuará sua carreira como uma espécie de  obstinado zumbi, um morto-vivo renitente. Ou, pelo menos, um cadáver que esperneia e reluta em morrer de verdade.
O que acontecerá doravante? Os esforços da MS serão coroados de êxito? A tendência de crescimento do Windows 7 se manterá? Se acelerará?
Não sei. Só quem sabe é o mercado e seus nebulosos desígnios. Mas sei que chegou a hora de tirar o Windows XP de minha máquina auxiliar. Se a MS não dá mais suporte para ele, não serei eu que o darei respondendo a perguntas de leitores (brincadeira; vou, de fato, removê-lo da máquina auxiliar, mas ele continuará reinando virtualmente na máquina de trabalho onde o tenho instalado no Windows XP Mode).
Espero, porém, não precisar escrever ainda outra coluna anunciando, mais uma vez, a morte do XP (embora suspeite que, querendo ou não, provavelmente terei que fazê-lo).
Quem viver, verá.

 

 

B. Piropo