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B. Piropo

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13/12/2010

< O Carioca Ixperto >


Para evitar frustrações dos que esperam encontrar aqui apenas elucubrações sobre computadores e congêneres, começo por esclarecer que esta coluna não será sobre informática. Em vez disto abordará o estranho comportamento de uma espécie animal peculiar, o “carioca ixperto”. Portanto, se você é daqueles que só se interessa por tecnologia, por hoje sugiro sorver seu conhecimento alhures (mas não deixe de voltar semana que vem que vou falar sobre uma máquina notável). Porém, se dispõe de algum tempo, talvez a leitura de hoje não lhe desaponte.
Antes, porém, é preciso esclarecer um ponto: meu amor pelo Rio de Janeiro é inquebrantável, inflexível, inquestionável, inamovível e longevo. Eu mesmo não sou carioca de nascença: moro no Rio, mas nasci em Salvador, outra cidade inegavelmente cativante. Aportei por aqui há mais de meio século, quando a população ainda não passava de dois e meio milhões de habitantes, e encontrei um pedaço do paraíso. Me aculturei, me acostumei, me aconcheguei, me apaixonei. Não renego as origens, é certo. Mas me considero pelo menos meio-carioca. Amo esta cidade de paixão.
E não é que não conheça outras. Por força das atividades que exerço, seja no campo da engenharia, seja no dos computadores, tenho viajado um bocado e já corri meio mundo. Exceto, talvez, Londres e Hong Kong, já visitei todas as demais cidades que gostaria, o que inclui Tóquio, Roma, Paris, Lisboa, Nova Iorque e praticamente toda cidade de grande porte dos EUA e América Latina. Cada uma tem seus encantos e algumas são deslumbrantes, como São Francisco e Veneza (dizem que Nápoles, com sua baía, também é linda, mas por lá ainda não andei). Mas, das muitas centenas de cidades que conheço, não encontrei uma sequer que me causasse tamanha impressão de beleza quanto o Rio. Uma beleza tão intensa que, ainda hoje, quando regresso de uma viagem mais longa e, no caminho de casa, ao passar pela Enseada de Botafogo, vislumbro ao mesmo tempo o Corcovado e o Pão de Açúcar, não consigo deixar de me emocionar.
(A Figura 1 mostra a reprodução de uma obra, óleo sobre tela, do pintor Camões, retratando o Rio de Janeiro de um pouco antes de eu nele chegar, mais precisamente do ano de 1870; vê-se em primeiro plano o Morro Dois Irmãos; atrás dele, à direita, as praias de Ipanema e Leblon, ao centro a Lagoa Rodrigo de Freitas e à esquerda o que hoje são os bairros da Gávea, Jardim Botânico e Lagoa, em frente ao Morro do Corcovado; ao fundo, por detrás dos morros dos Cabritos e Cantagalo, aparece a Praia de Copacabana; a esquerda dela, ainda ao fundo, o conjunto dos morros da Urca e Pão de Açúcar e, mais á esquerda, a Baía da Guanabara; Hoje o Rio já não está tão bonito, mas continua lindo).


Figura 1: Rio de Janeiro

Mas não é só a boniteza. O povo também conquista os de fora. É sofrido, mas alegre. Apanha da vida, mas apanha rindo. E cultiva o saudabilíssimo hábito de rir de si mesmo, de fazer graça com seu próprio infortúnio. Apesar de toda dificuldade que enfrenta no cotidiano, é solidário, risonho, brincalhão. E, sobretudo, acolhedor. O carioca e sua cidade se completam. São de festa, não de briga.
Tudo isto, somado a um clima tropical no qual brilha o sol quase todo o ano e lota as praias mesmo no auge do inverno, faz do Rio de Janeiro – pelo menos para mim – a melhor cidade do mundo. Eu não creio que consiga viver em qualquer outra.
O Rio é minha cidade e me orgulho dela.
Mas que, por razões que só Deus sabe, é o habitat natural de uma espécie de animal endêmica que, definitivamente, não combina com ela: o carioca ixperto.

O Carioca Ixperto
O carioca ixperto é uma subespécie aparentemente derivada do embora uma observação, ainda que superficial, deixe claro que lhe falta pelo menos um, senão ambos os “sapiens”.
Algumas vezes me pergunto se o carioca ixperto não seria descendente direto do homo neanderthalensis, que não era sapiens e por isto mesmo foi extinto. Talvez, quem sabe, seja um ramo perdido desta cepa que, por alguma razão, tenha vindo dar com os costados nesta região tão distante de sua origem lá na Europa Central. Mas, com base no relato dos arqueólogos e antropologistas, a comparação do comportamento do homo neanderthalensis com o do carioca ixperto deixa entrever que, embora não tenha conseguido sobreviver às agruras da vida selvagem e a espécie tenha sido extinta há cerca de quarenta mil anos, o >homo neanderthalensis se revela claramente superior ao carioca ixperto tanto do ponto de vista ético quanto do intelectual. Logo, se há algum traço de descendência direta, houve uma clara e contínua degeneração ao longo dos últimos milênios.
(A Figura 2, obtida no < http://d2l.arizona.edu/ > sítio da University of Arizona, mostra uma reconstituição do que teria sido um homo neanderthalensis; consta que um indivíduo muito parecido com o da foto, possivelmente um exemplar da espécie carioca ixperto, foi visto recentemente deixando a Estação Carioca do Metrô pela saída ao lado do Ed. Avenida Central)


Figura 2: Homo neanderthalensis

A espécie, como eu disse, é endêmica. Seu habitat preferido é a Cidade do Rio de Janeiro, onde se aclimatou e prolifera cada vez mais abundantemente, infestando a maioria de seus ecossistemas. Há relatos – cada vez mais frequentes – de ocorrência de focos de proliferação do animal nas regiões mais densamente povoadas dos municípios vizinhos, tanto na Baixada Fluminense quanto em São Gonçalo e arredores, onde foram registrados casos de infestação, todavia mais limitados. Porém o principal habitat deste mamífero é a Cidade do Rio de Janeiro e não há notícias de sua manifestação fora do Estado.
Por outro lado, é preciso cuidado para não confundir os membros da espécie carioca ixperto com os lídimos cariocas espertos. Que não somente existem como são a maioria. Estes últimos pertencem claramente à espécie homo sapiens sapiens (por vezes cogito se não mereceriam ainda um terceiro “sapiens”) e conseguem contornar as agruras da vida com notável criatividade e bom humor. São todos descendentes do velho malandro, no melhor sentido da palavra, que, como bem lembrou Chico Buarque, hoje em dia “trabalha, vive lá longe e chacoalha num trem da Central”. E, apesar de tudo, se diverte.
Então, como distinguir os membros das duas espécies?
No que toca à taxonomia, ambas são hominídios e pertencem ao gênero primata, portanto deste ponto de vista não há distinção possível – embora certos elementos da espécie carioca ixperto lembrem mais os primatas menos evoluídos, exceto pela cor da pele, que pode variar de um branco leitoso a um marrom escuro.
O que nos leva às distinções morfológicas. Também recorrendo a elas é muito difícil, senão impossível, fazer uma identificação concludente. Ambas as espécies têm o polegar em oposição, como os demais primatas, visão binocular, cérebro ocupando toda a caixa craniana (embora se suspeite que, no caso do carioca ixperto, a maior parte de sua massa não passa de enchimento) e não vivem em árvores como a maioria das espécies de primatas.
Tudo isto torna a distinção baseada puramente nos aspectos morfológicos difícil, senão impossível. O carioca ixperto se parece tanto com o homo sapiens sapiens que pesquisas recentes têm levado à conclusão que a espécie recorreu ao mimetismo visando confundir os observadores e sobreviver já que, caso contrário, seria rapidamente extinta com os membros remanescentes exibidos em jardins zoológicos, preservados em instituições científicas e utilizados como material de pesquisa comportamental (particularmente aquelas envolvendo estudos sobre atitudes socialmente inaceitáveis). Ambos são bípedes, implumes, lembram os demais símios, porém deles se diferenciam pela quase total ausência de pelos exceto em partes localizadas do corpo, além de andarem eretos.
Pela simples observação morfológica, portanto, é impossível identificar os membros da espécie carioca ixperto.
Como a identificação baseada puramente na taxonomia e morfologia é inviável, há que apelar para os aspectos comportamentais.

No Metrô
O comportamento do carioca ixperto é claramente distinto não apenas do adotado pelo homo sapiens sapiens como também, considerando seu grau de estupidez e antissociabilidade, do da maioria das demais espécies animais – com a exceção, talvez, do Raphus cucullatus, ave incapaz de voar também conhecida como < http://en.wikipedia.org/wiki/Dodo > dodô, mostrada na Figura 3, cuja estupidez levou à completa extinção da espécie. Portanto, a forma mais segura de identificar seus membros é através da observação comportamental.


Figura 3: O dodô

Para isto recomendo uma visita ao Metrô do Rio de Janeiro.
Deve haver alguma razão para isto mas, seja lá como for, é neste ambiente onde se manifestam mais claramente as, digamos, idiossincrasias comportamentais do carioca ixperto.
Começando, evidentemente, pela própria ação de entrar no carro do Metrô. Se você quer identificar sem possibilidade de erro uma manada de cariocas ixpertos, observe o que ocorre logo após a parada de um trem na plataforma. O carioca ixperto sempre tenta entrar antes que desembarquem os passageiros que pretendem sair.
Note que não importa se o carro vem cheio ou vazio, se é ou não hora de grande movimento, se há pessoas deficientes ou idosas precisando desembarcar, nada disto interessa. Assim que as portas se abrem uma récua (poupando uma ida ao Houaiss: “récua” é o coletivo de “jumento”) de cariocas ixpertos se arremessa violentamente para o interior do vagão atropelando os que pretendem desembarcar.
É claro que se aguardassem a descida dos que ali desembarcarão não somente facilitariam o próprio embarque como também teriam mais espaço no interior do vagão para se acomodar. É evidente que, para quem vai descer, a manada que tenta embarcar é um estorvo. É óbvio que a violência empregada pela horda que se lança em sentido contrário pode provocar acidentes e causar vítimas. Mas nada disto importa: o carioca ixperto tem que embarcar primeiro porque, presumo eu, acredita que entrando antes dos demais conseguirá vencer a disputa por uma acomodação mais confortável.
Eu já andei de metrô em Tóquio e Nova Iorque. Em Paris e Santiago. Em Boston e Atlanta. Em Roma e Lisboa. Em Munique e Cidade do México. Em Taipé e Chicago. Em São Paulo, para não usar apenas exemplos do estrangeiro. E em mais não sei quantas cidades. Em nenhuma delas vi comportamento semelhante. Não importa o grau de desenvolvimento, as características culturais, o tipo de civilização, nada: em todos os lugares não infestados pelo carioca ixperto espera-se primeiro que desembarquem para depois embarcar. Tanto quanto eu saiba, a compulsão de embarcar antes é um fenômeno que ocorre apenas no Rio e é decorrência exclusiva da infestação da população comum pela espécie predatória carioca ixperto.
Mas vamos adiante e ainda usando como exemplo o Metrô Carioca: em carro cheio, o carioca ixperto viaja sempre perto da porta. Não faz qualquer diferença onde ele embarcou e onde desembarcará. Não importa quantas estações medeiam entre a origem e o destino. Nem se há outras pessoas precisando desembarcar antes dele. Quando o vagão não está lotado e a viagem é longa, ele se afasta da porta em busca de um lugar para sentar ou se achega a quem, aparentemente, saltará antes dele – afinal, convém lembrar, ele é “ixperto”. Mas se o trem está lotado e ele sabe que não conseguirá sentar, assim que embarca se aboleta ao lado da porta, de preferência encostado nela. E, nas paradas, não se abala. É incapaz de se deslocar um milímetro sequer para facilitar a passagem de quem pretende desembarcar exceto se for instado veementemente a fazê-lo, de preferência com um trompaço.
É óbvio que, se sua viagem for longa, ele mesmo desfrutará de maior conforto caso se desloque para o centro do carro onde, na medida em que os demais passageiros forem desembarcando, haverá mais espaço. É claro que agindo assim ele facilitará a saída e a entrada dos demais passageiros durante seu próprio trajeto. Mas o carioca ixperto nada disto leva em conta: viajando junto à porta, ao chegar ao destino seu próprio desembarque será mais fácil e é lá que viajará. Não importa que com isto ele dificulte o desembarque de centenas, talvez milhares de passageiros que para sair terão que circundar sua carcaça inútil postada no caminho da saída. Para ele ficará um pouco mais fácil descer do carro quando chegar ao destino. Para o resto, que se dane.
Evidentemente o carioca ixperto não respeita a preferência dos idosos, portadores de deficiência, gestantes ou mulheres com crianças de colo nos lugares a eles reservados nos carros do Metrô carioca. Senta-se neles na maior cara de pau e caso, por exemplo, uma senhora idosa venha a permanecer em frente a ele, disfarça, finge que não percebeu e, nos casos mais extremos, recorre ao telefone celular – objeto que parece integrar o próprio organismo dos indivíduos da espécie, que os usam sempre aos brados não importa em que ambiente estejam – para fazer de conta que não notaram a presença de quem detém, por lei, a preferência ao lugar. Se bem que, nestes casos, perguntar em voz alta se “o senhor por acaso é deficiente mental?” e acrescentar que este seria o único caso que justificaria a ocupação do assento já que não parece grávido, idoso ou portador de deficiência física, geralmente resolve. Pelo menos tem resolvido sempre que recorro a este alvitre: face a esta interpelação, o carioca ixperto resmunga mas cede o lugar.

No trânsito e em outros ambientes
Mas não é apenas no Metrô que o carioca ixperto exerce sua insociabilidade.
Por exemplo: quando usa escadas rolantes ele fica parado, inerte, inabalável, tanto do lado direito quanto do esquerdo do degrau. E se agasta caso alguém pretenda ultrapassá-lo subindo a escada “a pé”. Além de se ofender e fazer cara feia, muitas vezes obstrui propositalmente a passagem, como se impedir o caminho de quem tem mais pressa do que ele fosse um direito seu, inalienável, pois afinal estava na frente do “adversário” e considera insultante ser deixado para trás (atitude que, se é desagradável na escada rolante, no trânsito pode ser desastrosa como já veremos).
Talvez quem sabe devido à contaminação, há alguns anos, em uma longa escada rolante de um centro comercial de Taipé, distraído com o mapa da cidade que consultava, postei-me do lado esquerdo do degrau e ali permaneci. Até me dar conta do que estava ocorrendo, recebi tantas invectivas em chinês que, suspeito, D. Eulina deve ter sofrido muito na eternidade onde repousa. Porque em Formosa, como em quase todo o mundo, vigora uma regra comportamental singela, porém eficaz: quem não tem pressa nem energia para subir os degraus, permanece parado do lado direito da escada rolante e deixa o esquerdo livre para quem, seja lá por que razão, tem pressa e galga os degraus para acelerar a viagem. E bastou um olhar para me dar conta que todos os transeuntes que trafegavam pela escada rolante naquele momento assim se comportavam, exceto eu – que, envergonhado, percebi então a razão das reclamações e mudei de lado. É simples assim: cada um atende suas necessidades e nenhum atrapalha as alheias. Um comportamento ético e, sobretudo, racional, que faz bem a todo o mundo e não prejudica ninguém mas que foge da compreensão limitada do carioca ixperto.
Outra faceta peculiar do carioca ixperto é o fato dele, ao que parece, padecer de severa incontinência urinária. O fato desta enfermidade se manifestar principalmente durante as grandes festas populares, como Carnaval, festividades do ano novo, paradas, desfiles e demais ocasiões caracterizadas por grandes aglomerações, pode levar a crer que, de certa forma, o ato de urinar nas ruas, se não é aceitável, pelo menos seria compreensível considerando o grande volume de líquido ingerido nestas ocasiões e a notória escassez de banheiros públicos.
Mas não: o carioca ixperto é mijão por natureza. Faz parte de seu caráter e já integrou-se ao padrão comportamental da espécie. Pois é comum encontrar, em qualquer época do ano e a qualquer hora do dia ou da noite, geralmente em áreas relativamente isoladas ou nas margens de vias expressas, exemplares – em geral de machos da espécie, mas não exclusivamente – urinando parcialmente ocultos por portas de carros, folhagens ou qualquer coisa que possa oferecer algo que ele considere como “proteção”. Urinar em público, portanto, é mais uma característica da espécie.
Outro campo em que se manifesta claramente a absoluta ausência de qualquer senso de ética e sociabilidade do carioca ixperto, como seria de esperar, é o trânsito. E no trânsito, para identificar um elemento da espécie, sequer é necessário que ele esteja em movimento: ao parar, também, o carioca ixperto se revela em toda magnificência de sua estupidez. Pois estaciona seu carro em qualquer lugar, independentemente do fato de estar ou não obstruindo entradas de garagem ou o tráfego de pedestres e veículos. Faz isto inclusive e principalmente sobre as calçadas. E faz com absoluta naturalidade, como se aquele trecho da via pública lhe pertencesse. Não se dá ao trabalho de verificar se impediu algum acesso a cadeirantes nem se preocupa em deixar espaço na calçada para mães trafegarem com seus carrinhos de bebê. Se vier alguma, que desça da calçada e se aventure com seu rebento pelo meio da rua. Seu problema de estacionamento foi resolvido. O resto, não é com ele.
No volante de um veículo em movimento o carioca ixperto é um perigo. Constitui permanente risco à segurança e à vida alheia (eventualmente também à própria, mas suas limitações intelectuais não o deixam perceber este detalhe). A rua é dele e ele não está disposto a dividi-la com ninguém. E, sobretudo, cada um de seus deslocamentos pela cidade é encarado por ele como mais uma etapa de um interminável campeonato, um infindável torneio de velocidade e fúria. Por isto, não admite ser ultrapassado. E, se o for, encara o fato como uma ofensa pessoal e sai em perseguição do incauto que perpetrou tal insanidade com uma sanha assassina que só é saciada se conseguir devolver a ofensa, ultrapassando por sua vez o antagonista. E, na ocorrência não pouco improvável de que ambos os contendores sejam membros da espécie carioca ixperto, é altamente aconselhável a quem presenciar tal confronto manter distância prudente, já que durante a sôfrega disputa que então se desenrola, para os cariocas ixpertos nela envolvidos, os circunstantes são como estas figuras animadas de joguinhos de computador que, ao serem atingidas por um veículo, simplesmente desaparecem da tela – e da consciência do atropelador – em um passe de mágica.
O carioca ixperto reina soberano no trânsito. Evidentemente não respeita sinal fechado, placas de contramão, faixas de pedestres e quaisquer outras sinalizações do mesmo gênero, que considera meros empecilhos a seu majestoso deslocamento. Organiza grupos nas redes sociais para informar uns aos outros onde as autoridades policiais estão, naquele momento, realizando operações de fiscalização.  Não obedece regras, normas, recomendações, leis, decretos, regulamentos, estatutos, prescrições ou quaisquer dispositivos de igual teor, que considera terem sido concebidos apenas para os indivíduos da outra espécie, o homo sapiens sapiens, e por isso mesmo estrila quando eles os descumprem, considerando-se cheio de razão. E, por último mas não menos importante, o carioca ixperto “se acha”.
Mas de todas as atitudes do carioca ixperto, a que mais me incomoda, por absolutamente incompreensível, é sua estranha compulsão para fechar cruzamentos. Sim, porque o verdadeiro carioca ixperto nas horas de maior movimento, quando o trânsito é lento e os carros acabam parados no engarrafamento, não pode ver um sinal prestes a fechar sem que, pressurosamente, acelere até que seu veículo se coloque imediatamente atrás do que está parado à sua frente. E se isto não for o bastante para obstruir completamente o cruzamento, logo surgirá outro carioca ixperto que se colocará imediatamente atrás do primeiro, para-choques quase colados, e assim por diante, até que toda a área esteja completamente tomada por uma súcia de cariocas ixpertos e seja absolutamente impossível atravessar quando o sinal abrir para a transversal.



Figura 4: Manada de cariocas ixpertos fechando um cruzamento (ou não...)

(a foto da Figura 4, obtida no magnífico < http://michaelfairchild.com/safari/ > sítio do fotógrafo Michael Fairchild, ao qual eu aconselho enfaticamente uma vista pela beleza das fotos ali exibidas, mostra uma manada de búfalos selvagens tentando atravessar um rio na reserva animal de Masai Mara, no Quênia, mas serve perfeitamente para ilustrar uma récua de cariocas ixpertos obstruindo um cruzamento).
Por mais que eu dê tratos à bola, não consigo entender esta faceta peculiar do comportamento do carioca ixperto. As demais, embora não as aprove, ao menos compreendo. Afinal, todas elas são caracterizadas por um pequeno ganho pessoal independentemente da gravidade do prejuízo que este ganho possa causar a terceiros. Forçar a entrada prematura no carro do Metrô pode, quem sabe, por mais remota que seja a probabilidade, garantir um lugar para sentar. Viajar todo o percurso junto à porta perturba a saída dos demais em todas as paradas mas facilita sua própria descida no destino. Estacionar sobre a calçada obstrui o tráfego de pedestres mas evita perder tempo procurando vaga. Urinar na rua pode não ser higiênico mas é a forma menos trabalhosa de aliviar a bexiga. Mas obstruindo cruzamentos, ganha-se o que?
Nada. Não se chega ao destino um segundo antes, já que o trânsito adiante está parado e tanto faz percorrer lentamente os poucos metros que levam até o veículo que está engarrafado mais à frente antes do sinal fechar ou fazê-lo mais rapidamente quando abrir e o trânsito tiver se movido. Pior: fechar o cruzamento engarrafa o trânsito na via transversal, o que pode gerar reflexos que irão, em cadeia, piorar o fluxo mais adiante no próprio trajeto do carioca ixperto. Portanto além de nada ganhar, é possível perder mais algum tempo no engarrafamento.
Então por que, meu Deus, por que atravancar um cruzamento?
Pois o carioca ixperto jamais desperdiça uma oportunidade para fazê-lo.
Eu disse que esta era a característica comportamental da espécie que mais me irrita?
Me enganei. Não é.
A que mais me irrita mesmo é uma que se manifesta quando eu, no volante de meu carro, vejo o trânsito engarrafar à frente, percebo que não dará tempo para cruzar a transversal antes que o sinal feche e paro meu carro antes do cruzamento para evitar interromper o tráfego na transversal.
Eu sempre faço isto, por hábito. Pois bem: em grande parte das vezes que o faço, um carioca ixperto que foi obrigado a parar atrás de mim, em pleno exercício de seu mais elevado grau de estupidez, incivilidade e insociabilidade, começa a buzinar freneticamente, sinalizando para que eu siga adiante e não o impeça de fechar o cruzamento.
É esta que me tira do sério.
Acha que estou exagerando? Pois, por menos que vocês acreditem, acontece. E com frequência...

 

B. Piropo