Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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29/08/2011

< Apple x Samsung >


A Apple está nas manchetes. Nada de novo: de um jeito ou de outro, a Apple está sempre nas manchetes. Mas desta vez em dose dupla. A primeira, devido à notícia bombástica e absolutamente inesperada: Steve Jobs deixa o comando da empresa e comunica o fato em uma sucinta < http://www.apple.com/pr/library/2011/08/24Letter-from-Steve-Jobs.html > nota de cinco parágrafos, em um dos quais afirma acreditar “que os dias mais brilhantes e inovadores da Apple ainda estão por vir” – e tem um bocado de gente discordando disto. A segunda, pela implacável campanha que move nos tribunais contra a Samsung alegando que os produtos desta última, particularmente os Galaxy Phone e Tab são cópias dos produtos equivalentes da Apple, iPhone e iTab.

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Apple x Samsung

Algo me diz que sim, você está coberto de razão se está começando a achar que estou prestes a mexer em vespeiro, enfiar a mão em cumbuca, meter o nariz onde não fui chamado, cutucar onça com vara curta ou _________ (preencha o espaço com qualquer termo, expressão, ditado ou provérbio cujo significado se pareça com “você pouparia muita chateação se não fizesse isto”), Mas já que me meti a ser colunista de tecnologia e, ao contrário de jornalistas que reportam notícias e não devem opinar sobre elas, colunistas se caracterizam justamente por emitir sua opinião, lá vou eu de novo me meter em confusão. Mesmo porque jamais me furtei a expor minha opinião seja qual fosse o assunto – mesmo quando, como agora, ela não foi solicitada (mas afinal esta é a lide dos colunistas).
Então, mãos à obra.
Se Steve Jobs vai ou não fazer falta à Apple, não sei. Não sei e, para mim, não faz a menor diferença. O que sei é que, além de outras, estas de ordem técnica, uma das razões que me mantém cuidadosamente longe daquela maçã meio mordida é justamente a personalidade de Steve Jobs. Que conheço desde os tempos de um evento da Apple que cobri em Nova Iorque lá pelo final dos anos noventa, o Mac World 99, cuja palestra de abertura (“keynote speech”) foi proferida por ele.
A impressão que Jobs me passou foi das piores: uma personalidade dominadora, pouco propensa a diálogo, deixando entrever a presunção de se acreditar o dono da verdade. E, sobretudo, extremamente arrogante.
Foi ele que “tirou a Apple do buraco”, segundo dizem. Acredito. E se eu fosse acionista da empresa ficaria muito contente com isto. Mas não sou. E, ainda segundo dizem, a Apple “saiu do buraco” (ou seja, se recuperou da situação difícil em que se meteu em meados dos anos noventa do século passado) justamente devido à mão de ferro de Jobs conduzindo o negócio e a suas opiniões sobre o que seria ou não seria bom. O que em princípio é uma façanha admirável. O problema é que, ainda segundo consta, ele sempre se orientou exclusivamente por suas opiniões, não aceitando pitaco de ninguém. Inclusive do usuário, aquele que um dia meteria a mão no bolso para sacar seus chorados caraminguás e comprar os produtos engendrados por ele. Que, segundo consta, certa feita declarou: “You can't just ask customers what they want and then try to give that to them. By the time you get it built, they'll want something new” (“não se pode perguntar aos fregueses o que eles querem e então tentar dar-lhes o que desejam. Quando você chegar a fabricá-lo, eles quererão algo diferente”). Honestamente, se eu usasse algo concebido por uma mente assim tão assumidamente superior que tenha partido do pressuposto de que não tenho sequer condições de saber o que quero, me sentiria um idiota. E, para ser franco, prefiro me sentir um idiota absolutamente convencido que sei o que quero, porque quero e como gostaria que funcionasse.
Mas é claro que não é apenas por uma questão de falta de empatia com Steve Jobs que me abstenho de usar os produtos da Apple. Há outras razões. Uma delas, para mim crucial, é o fato da linha Apple não aceitar animações desenvolvidas em Flash, da Adobe. E não se trata de uma questão de preferência, mas de funcionalidade e, sobretudo, necessidade. Preciso que meus dispositivos portáteis, seja qual for seu fator de forma (“notebook”, “netbook” ou tablete) rodem Flash porque neles armazeno as apresentações das palestras e aulas das disciplinas que ministro para exibi-las em sala. E todas – ou quase todas – são ilustradas com animações em Flash que gastei algumas dezenas de horas desenvolvendo e não estou disposto a deitá-las a perder só porque alguém decidiu que tais e quais micros não rodarão Flash (e, na Apple, quem decide tudo é – ou era – Jobs).
Outra razão é a linha Apple não aceitar o padrão BluRay para discos óticos. Tenho alguns, que eventualmente rodam em meus micros (não só nos de mesa como nos portáteis: meu “notebook” é um Vaio com acionador de discos óticos que aceita BluRay). E também não me agrada usar uma linha de produtos para os quais eu só posso comprar programas previamente aprovados pelo fabricante, na loja mantida por ele aos preços por ele decididos. Um mínimo de liberdade de escolha é essencial.
Em suma: não uso Apple porque não atende minhas necessidades.
Mas não sou estupido a ponto de negar que são produtos de inquestionável qualidade e que há um imenso contingente de usuários extremamente satisfeitos com eles. E todos cheios de boas razões (não há aí nenhuma contradição: eu não os uso porque se usasse não ficaria satisfeito por não atenderem minhas necessidades; eles usam e estão satisfeitos por atenderem as deles). Em suma: estamos todos de acordo que a linha Apple é constituída de bons produtos, bem acabados, projetados com extraordinário bom gosto e linhas extremamente elegantes.
O que nos leva ao segundo ponto: a batalha judicial.
Pois ela se deve justamente ao fato da Apple alegar que a Samsung copiou seus produtos. principalmente o projeto, de extraordinário bom gosto e linhas extremamente elegantes...
Mas por que esta semelhança só foi descoberta agora? A linha Galaxy da Samsung é velha de mais de ano...
Bem, acontece que o iPad é um produto excelente e sobre isto não paira dúvida. Mas há quem ache o Galaxy Tab 10.1 melhor. O iPhone também é inquestionavelmente um aparelho extraordinário. Mas eu não troco meu Samsung Nexus II por um deles nem que a vaca tussa e tem muita gente que pensa como eu. Feitas as contas e a julgar pelo número de proprietários de iPad e iPhone, tem muito mais gente que acha os produtos Apple melhores. Mas o número de usuários que pensa diferente já é representativo e está crescendo. E crescendo depressa.
Ou seja: a Apple sentiu a mordida no calcanhar e reagiu.
E o caminho escolhido para enfrentar a concorrência foi apelar para a via judicial. E não economizou esforços: são quase vinte ações em quatro continentes – uma das quais levou no último dia 9 um juiz de Dusseldorf, Alemanha, a proibir a venda do Galaxy Tab 10.1 em toda a Europa, exceto Holanda e uma semana depois decisão similar foi tomada por uma corte Australiana.
De que a Apple acusa a Samsung?
Segundo a própria empresa (trecho extraído da representação da Apple apresentada a uma corte da Califórnia, EUA, conforme < http://www.engadget.com/2011/04/18/apple-sues-samsung-over-for-copying-the-iphone-and-ipad/ > artigo da Engadget): “Rather than innovate and develop its own technology and a unique Samsung style for its smart phone products and computer tablets, Samsung chose to copy Apple's technology, user interface and innovative style in these infringing products." (Em vez de inovar e desenvolver sua própria tecnologia e um estilo único Samsung para seus telefones espertos e tabletes, a Samsung escolheu copiar a tecnologia da Apple, interface com o usuário e estilo inovador em seus produtos infratores”).
Em suma: a Apple acusa a Samsung de copiar aquilo que em inglês se convencionou chamar de “look and feel” (algo como “aspecto e sensação de uso”) de seus produtos.
E aí começou a apelação.
E não me refiro às apelações judiciais mas a apelação mesmo, “no popular”.
Para começar a Apple, no anseio de convencer a corte de como o iPad e o Galaxy Tab 10.1 são praticamente idênticos, incluiu nos autos do processo a figura abaixo:

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Imagem anexada ao processo pela Apple

É verdade que são parecidos. Mas não tanto. Pois bastou aferir as medidas para descobrir que a Apple, talvez por excesso de entusiasmo e tentando fazê-lo ainda mais parecido, alterou as medidas do Galaxy Tab, como mostra a figura abaixo, obtida em < http://webwereld.nl/nieuws/107599/apple-levert-onjuist-bewijs-in-zaak-tegen-samsung.html > artigo no sítio Webwereld.

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Figura obtida no sítio Webwereld

O artigo é em holandês, mas a legenda interna é em inglês e dela dá para auferir informações interessantes. Na figura inferior, o Galaxy Tab 10.1 aparece quase que com as mesmas proporções do iPad (respectivamente 1,3 / 1 contra 1,36 / 1; e indiscutivelmente, proporções são parte do “look and feel” do produto, particularmente do “look”), enquanto na parte superior o Galaxy Tab aparece com as reais proporções, 1,46 / 1, o que representa uma diferença significativa. Quer dizer: um pouco de Photoshop sempre ajuda na hora de tentar convencer um juiz.
Então, já que estamos no terreno das apelações e o assunto é o aspecto e sentimento de uso dos produtos, e considerando que a Apple parece se julgar dona dos direitos do fator de forma “tablete”, lembro-me que lá pelo início dos anos noventa do século passado, em uma visita ao campus da Microsoft em Seattle, estado de Washington, EUA, assisti uma demonstração de um conjunto de “tecnologias do futuro”. Dentre elas, vejam vocês, aparecia este estranho objeto mostrado na figura abaixo:

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Tablete sugerido pela MS no início dos anos 1990

Tratava-se, segundo a explicação do futurólogo responsável pela apresentação, de um computador sem teclado, com tela sensível ao toque e conexão sem fio ao mundo exterior. O da figura era operado com um estilete de ponta rombuda, semelhante às “canetas” usadas há alguns anos nos micros de mão da Palm. Em suma, era um tablete. E com ícones para carregar programas e tudo o mais que um tablete tem direito.
Acha que isto nada tem a ver com a batalha Apple x Samsung?
Pois se engana.
No sistema jurídico americano existe um conceito denominado “prior art”, que pode ser entendido como “arte preexistente”. É usado justamente para defender empresas acusadas de infringir patentes. A coisa é séria e bastante complicada, dando ensejo a um bocado de debates. Mas, em última análise, se alicerça em um princípio bastante sólido: reza a lei que se um objeto ou produto (no original: “piece of work”) exibe publicamente as características ou conceituação de uma dada invenção e se a exibição pública é feita antes que a patente desta invenção seja solicitada, fica caracterizada uma situação de “arte preexistente” que, automaticamente, invalida a patente.
Então foi a vez da Samsung apelar. E apresentou uma alegação de arte preexistente contra a Apple.
Mas você acha que ela usou como paradigma o tablete sugerido pela Microsoft nos anos noventa do século passado?
Que nada.
Ela apelou para uma exibição pública de conceituação muito mais antiga. Mais especificamente uma que veio a público em 1968.
Reconhece a foto abaixo?

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Uma odisseia no espaço

Seus direitos autorais pertencem a Warner Bros. É uma cena de “2001 – Uma odisseia no espaço”. Nela, dois astronautas almoçam tranquilamente enquanto veem um vídeo, cada um em seu... tablete.
Justamente aquele treco que a Apple alega ter inventado.
A alegação da Samsung (e isto é fato, verifique você mesmo no < http://news.cnet.com/8301-13578_3-20097889-38/sci-fi-tech-as-prior-art-tablets-are-just-the-start/?tag=topStories > artigo de Josh Lowensohn publicado na conceituadíssima CNet News) é que, sendo aquele objeto conceitualmente similar ao tablete patenteado pela Apple e tendo sido mostrado publicamente em um filme exibido há mais de quarenta anos, fica caracterizado o princípio de “arte preexistente”, o que invalidaria a patente da Apple e poria termo à demanda judicial, já que o “look and feel” do objeto definitivamente não foi inventado pela Apple.
Se foi ou não foi, honestamente, não sei. E, em minha opinião, pouco importa. Pois uma demanda judicial como esta me faz pensar em uma tentativa, por exemplo, do inventor da máquina de escrever (que < http://www.calendario.cnt.br/MAQUINAESCREVER.htm > há quem garanta que foi um brasileiro, o padre Azevedo) de processar a IBM pela cópia do “look and feel” de sua invenção quando fabricaram o primeiro PC – ou, pelo menos, seu teclado.
E, honestamente, o que eu preferiria mesmo era que a disputa pelo mercado de tabletes e telefones espertos se desse mais no campo da tecnologia que no dos tribunais.
A regra seria clara: venceria quem fabricasse o melhor produto.
E temos conversado...


B. Piropo