Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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06/06/2005

< O incansável Big Brother >


Há duas semanas comentei o uso de chips RFID para controlar a movimentação de presos no Estado da Califórnia, EUA.

RFID é a sigla de Radio Frequency Identification, o nome usado para designar os circuitos integrados (chips) de identificação por radiofreqüência, o equivalente eletrônico ao código de barras, que transmitem um número de identificação.

Chips RFID são a base do sistema EPC, Electronic Product Code (código eletrônico de produto) cujo objetivo é identificar produtos, de automóveis a pacotes de biscoito. Identificá-los individualmente, ou seja, cada carro e cada pacote de biscoito. Sensores poderiam controlar o fluxo de produtos. Por exemplo: sensores situados nas entradas e saídas do depósito de mercadorias de um supermercado ligados a um sistema informatizado com acesso a um banco de dados podem permitir que o responsável pelo depósito saiba exatamente quantos itens de qualquer produto existem no depósito e traçar seu fluxo de entrada e saída. Sensores colocados junto às caixas registradoras dispensariam a leitura de código de barras ou até mesmo o manuseio da mercadoria: bastaria o cliente passar junto a ele com seu carrinho de compras que todo o conteúdo seria lido, registrado e emitida a nota para pagamento. O sistema, além de efetuar a cobrança, daria baixa na mercadoria e permitiria o controle de estoque em tempo real.

Produzidos em escala industrial, cada chip custa poucas dezenas de centavos. E, segundo a padronização proposta, o número de identificação terá 96 bits (um número de 56 bits basta para quantificar cada grão de arroz produzido no planeta), portanto o sistema pode ser economicamente viável e tecnicamente capaz de identificar qualquer coisa.

E para “coisas” não há igual. O sistema permite acompanhar todo o ciclo de vida de um produto, do momento da fabricação até seu lançamento em um aterro sanitário. Fábricas começam a usá-lo para controlar o fluxo das linhas de montagem, organizações atacadistas já controlam seus estoques através dele, redes de vendas a varejo começam a exigir que seus fornecedores o implantem para controlar vendas e repor estoques. Ou seja: para controlar objetos, é uma maravilha. O problema é que estão começando a usar RFID para controlar humanos.

E não me refiro apenas ao uso citado no artigo anterior, chips RFID incrustados em pulseiras firmemente presas aos braços de internos no sistema prisional. Refiro-me ao uso desses chips em objetos carregados pelo cidadão comum, como crachás, telefones celulares, ou carteiras de identidade e motorista.

O problema tornou-se tão sério que o GAO, Government Accountability Office, um órgão do Governo dos EUA, foi solicitado pelo Congresso local a investigar o uso da tecnologia pelas agências governamentais e “discutir aspectos de segurança e privacidade ligados à tecnologia, assim como ferramentas e práticas disponíveis para mitigar esses efeitos”. Os resultados estão detalhadamente relatados em
< www.gao.gov/new.items/d05551.pdf >.

O estudo concluiu que, das 24 agências governamentais investigadas, 13 informaram que já haviam implementado ou planejavam implementar esta tecnologia em uma ou mais aplicações, de controle de movimentação de bagagens até a emissão de “passaportes eletrônicos”. Três delas admitiram que a aplicação poderia permitir acompanhar os deslocamentos de seus empregados porém apenas uma delas considerou que isso implicava considerações legais relativas à privacidade.

Além disso, o Governo Americano está prestes a implementar uma lei já aprovada pelo Congresso, o “Real ID Act”
(em < http://thomas.loc.gov/cgi-bin/bdquery/z?d109:h.r.00418 >)
que, pela primeira vez, cria um documento de identidade federal nos EUA. E, de acordo com o texto em tramitação, esse documento poderá incluir um chip RFID.

A questão é tão controversa que ano passado o congressista estadual da Califórnia, Joe Simitian, apresentou um projeto de lei proibindo o uso de chips RFID em qualquer documento de identidade emitido pelo Estado da Califórnia. A lei
(cujo projeto está em < http://leginfo.ca.gov/pub/bill/sen/sb_0651-0700/sb_682_bill_20050331_amended_sen.html >)
foi aprovada pela câmara de deputados local por 29 votos a 7.

Como se vê, nos EUA, a questão é candente. Por aqui, ainda não se fala nela. Mas é somente uma questão de tempo. Aguardemos.

O big brother não descansa...

B. Piropo