Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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04/08/2003

< Polícia para quem precisa >


Os leitores da revista “Rolling Stone” de sete de agosto (mas já nas bancas) foram surpreendidos por um anúncio inusitado [clique AQUI para vê-lo]. Sob a pergunta “Cansado de ser tratado como um criminoso por compartilhar música online?” aparece a foto de cinco cidadãos com pinta de empregados de escritório ou estudantes em situação de quem está sendo fichado pela polícia. No texto, a EEF (Electronic Frontier Foundation), que patrocina o anúncio, afirma que se é assim, você está em boa companhia, pois mais de sessenta milhões de pessoas usam serviços como Morpheus e Kazaa para compartilhar suas canções favoritas. E não obstante isso as gravadoras estão intimidando provedores e perseguindo jovens estudantes com o objetivo de abolir esta prática. Admite o problema da pirataria porém sugere que a solução não é essa, mas um novo modelo que ofereça justa compensação aos artistas que apóiam os amantes da música. No final, convoca os leitores para se juntarem à organização e oferece o mote: “Compartilhamento de arquivos: música para nossos ouvidos”.
O anúncio é apenas o início da campanha “Let the music play” (em tradução livre, “deixa rolar a música”) deflagrada pela EEF como reação à nova estratégia da RIAA (<www.riaa.com>), a entidade que congrega as gravadoras americanas, que decidiu voltar toda sua poderosa artilharia legal contra indefesos estudantes, levando à barra do tribunal os que usam as redes de suas universidades para compartilhar arquivos musicais (veja artigo “Roubando bala da boca de criança”, publicado em 9 de junho passado e ainda disponível na seção Escritos / Artigos no Globo de <www.bpiropo.com.br>).
Para justificar a campanha, na página <www.eff.com/share/> de seu sítio, a EEF afirma que o compartilhamento de arquivos permitiu aos fãs de música formarem a maior coleção de músicas gravadas de todos os tempos. E que, em vez de comemorarem essa façanha, as grandes gravadoras passaram os últimos três anos atacando a tecnologia que permitiu alcançar esse feito e perseguindo as pessoas que a usam. Segundo a EEF, nem a tecnologia nem seus usuários são “do mal”. O problema é a ausência de um sistema que permita aos usuários o acesso às suas músicas prediletas enquanto recompensa adequadamente os autores e detentores de direitos.
A própria EEF, em <www.eff.com/share/compensation.php>, oferece algumas sugestões: (“licença voluntária coletiva”, um sistema semelhante ao usado nas emissoras de rádio, “licença individual compulsória”, cuja taxa seria paga a empresas a que os usuários se associariam e repassada aos detentores dos direitos, “Assinaturas P2P”, onde os usuários pagariam diretamente aos Morpheys e Kazaas da vida, que dividiriam o montante entre quem de direito, “micropagamentos”, pequenos débitos efetuados na conta do usuário para cada música transferida, entre outras). Além disso, em <www.eff.com/share/legal.php>, sugere meios de legalizar, através de licenciamento, os sistemas que permitem a troca de arquivos entre usuários (P2P).
A EEF alega, com muita propriedade, que há algo errado em uma lei que trata como criminosos estudantes honestos que nada querem além de ouvir suas músicas prediletas e, sob o peso da justiça, obriga provedores Internet a “dedurar” seus clientes. Com profunda ironia, lembra que os sessenta milhões de americanos que usam os serviços de compartilhamento de arquivos musicais formam um contingente maior que o dos que votaram “no atual presidente” (americano, naturalmente), exortando-os a aderir à campanha. O artigo termina fornecendo alguns atalhos (“links”) úteis: sugestões de meios (legais) para evitar ser processado por compartilhar arquivos, como se defender caso já tenha sido acusado, informações adicionais sobre o processo movido contra o Morpheus e formas de incentivar o legislador em quem se votou para levar o caso a debate no Congresso (lá, isso funciona).
É claro que o assunto não vai esfriar tão cedo. As gravadoras não largarão facilmente esse suculento osso e se aferrarão com unhas e dentes à defesa de um sistema caduco que lhes garante receitas bilionárias. Mas um exame isento da situação levará à conclusão que a postura da IEE é a mais sensata: encontrar meios legais de remunerar a quem de direito sem impedir que uma nova tecnologia siga seu curso.
Afinal, a frase que na minha opinião melhor representa a situação não é minha, mas de Tom Freeburg, o chefe do grupo de cientistas da Motorola que pesquisa as tecnologias do futuro. Diz ele, com extrema sabedoria: “Sempre que houve uma colisão entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu”.
Por que desta vez seria diferente?

B. Piropo