Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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05/08/2002

< Acabou o papel >


Artigo publicado em O Globo de 05/08/2002

A companhia aérea United Airlines decidiu banir o papel de seus portões de embarque nos aeroportos. Para isso informou semana passada que acabou de implementar um sistema de bilhetagem eletrônica que abrange todos os trechos domésticos dos EUA, se estendendo a Porto Rico e Ilhas Virgens. E, a partir da última quinta-feira, primeiro de agosto, caso o passageiro exija bilhete em papel para qualquer trecho incorporado ao novo sistema, pagará uma taxa extra de US$ 20. Mais que isso: a partir de julho do próximo ano, suspenderá definitivamente a emissão de bilhetes em papel em todo território americano e estenderá a medida para os vôos internacionais a partir de janeiro de 2004 (veja artigo de Scarlet Pruitt em
<http://www.pcworld.com/news/article/0,aid,103454,tk,dn073002X,00.asp>).

O que causa espanto não é o uso da bilhetagem eletrônica, mas sim a notícia de que apenas ela será usada (o objetivo da iniciativa, segundo a United, é não apenas cortar custos mas, principalmente, reduzir filas e eliminar o tempo de espera no “check-in”, que será feito por meios eletrônicos em quiosques estrategicamente localizados nos aeroportos). Porque o sistema em si não é novidade. A Alaska Air há mais de ano e meio implementou um sistema semelhante, que atende a ela e à sua associada Horizon Air. O sistema foi criado no Aeroporto Internacional de Seattle-Tacoma e permite que passageiros façam o próprio check-in usando telefones celulares ou quaisquer dispositivos portáteis (agendas de bolso com capacidade de comunicação sem fio) que suportem o protocolo WAP (Wireless Application Protocol), empregado na maioria dos telefones celulares digitais. Para usar o sistema, basta que o usuário (escolhido no grupo de “frequent flyers” da companhia) baixe gratuitamente um programa do sítio da empresa aérea. Ao entrar no aeroporto, através do dispositivo sem fio, o passageiro efetua a conexão com a companhia aérea e informa que está no local, pronto para o embarque (ou seja, faz seu “check-in”). Em seguida, vai ao portão de embarque e, para embarcar, precisa apenas exibir um documento de identidade com foto (veja artigo de Bob Brewin em
<http://www.pcworld.com/news/article/0,aid,39262,00.asp>).

Será que afinal são esses os primeiros passos para o tão sonhado “escritório sem papel”? Para quem não lembra, essa era a palavra de ordem no início da era da informática, quando se esperava que a insuperável capacidade dos computadores de armazenar, gerenciar, pesquisar e exibir todo tipo de informação fosse eliminar para sempre o uso do papel. Na verdade o que ocorreu foi exatamente o oposto: a facilidade de juntar rapidamente enorme massa de informação e imprimi-la em impressoras de alta definição e em cores provocou justamente o efeito inverso, uma inundação de material impresso como jamais se viu. Os computadores sozinhos não foram bastante para evitar o uso do papel. Mas as coisas estão mudando e nos últimos anos eclodiram dois fenômenos que podem, efetivamente, reverter essa tendência: o uso das redes de computadores (não apenas as redes corporativas, mas também e sobretudo a internet) e uma explosão das comunicações jamais vista, especialmente daquelas baseadas nos dispositivos sem fio. Se você ainda não entendeu porque essas duas forças podem se conjugar para eliminar o papel, basta pensar em como o simples uso do correio eletrônico afetou sua vida e a das grandes corporações.

Mas ainda há resistências, a maioria delas ligadas à própria natureza humana. Em um interessantíssimo artigo sobre o assunto, Larry Seltzer
(em <http://zdnet.com.com/2100-1107-936629.html>)
comenta que clientes de sua esposa, especialista em ciências contábeis, muitas vezes exigem documentos impressos enviados pelo correio (recusando até mesmo o uso de fax) apenas para manter um registro “físico” da transação. E que empresas de cartões de crédito lucrariam muito se efetuassem cobrança por meios eletrônicos, mantendo um extrato das transações debitadas acessível em seu sítio em vez de enviar, literalmente, milhões de extratos e boletos de cobrança a cada mês pelo correio.

Enfim, quem sabe, a salutar providência das companhias aéreas de se livrarem dos bilhetes impressos talvez seja o primeiro passo. Mas, de minha parte, eu continuo mantendo um ceticismo pétreo. E acreditando piamente em meu amigo Jean Paul Jacob quando afirma que, ainda por muitos anos, há dois lugares em que jamais faltará papel: o banheiro e o escritório.

(Os atalhos (“links”) incluídos neste artigo podem ser encontrados na seção Escritos desta semana do Sítio do B.Piropo, em <www.bpiropo.com.br>).

B. Piropo