Sítio do Piropo

B. Piropo

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10/01/2000

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Semana passada expliquei que os símbolos "@" e "&" nasceram da simplificação usada pelos copistas da Renascença ao entrelaçarem as letras que formavam a preposição "ad" e a conjunção "et", latinas. O assunto morreria aí e os símbolos teriam desaparecido com o advento da imprensa, que prescindia destas simplificações úteis apenas para os amanuenses, não fosse por um detalhe: depois da Renascença, na Europa, ambos passaram a ser usados nos livros contábeis. Particularmente o "@", empregado como ligação entre o número de unidades (no princípio, seja lá de que grandeza) e o preço unitário. Uma entrada como: "5 @ 2 L" indicava "cinco (coisas, seja lá o que fossem) a duas libras cada". Esta prática tornou-se comum na Inglaterra onde, durante o século XIX, havia textos sugerindo este emprego do símbolo. Que já era conhecido por "at", a tradução para o inglês de "em", o uso mais comum da preposição latina "ad" (que significa ainda "para", "a", "na direção de" e "até). Mais tarde o uso se propagou das ciências contábeis para a área tecnológica e, nos EUA, o símbolo "@", sempre significando "at", é comum em contextos como "density @ 15ºC".

Estas informações podem ser conseguidas em fontes diversas, portanto tudo indica que são dignas de crédito. Já o que vocês vão ler adiante é fruto exclusivo da consulta a um artigo do Prof. Sales i Porta ([email protected]), mestre de lógica e inteligência artificial na Facultat d'Informàtica UPC, da Catalunha, Espanha (o texto completo, em catalão, está em <www.internauta.net/faqs/msg09710.html>). Talvez seja mera especulação. Mas faz sentido. E na falta de explicação melhor, fiquei com ela e a divido com vocês.

Diz mestre Sales i Porta que o uso de "@" para representar arroba nasceu na Espanha oitocentista, fruto de uma interpretação errônea das relações de mercadorias descarregadas nos portos da Catalunha, onde a indústria nascente obrigava a copiar os costumes comerciais e os manuais de contabilidade ingleses. Por isso o uso do símbolo "@" no contexto citado acima era comum. Segundo ele, em relações de mercadorias onde constava uma entrada como "50 @ 10 duros" ("duro" é uma moeda), o número 50 podia quantificar qualquer coisa, desde sacos de batata até fardos de algodão. Mas o que aparecia depois do "@" era claramente o preço unitário. Nesse contexto, era natural que o símbolo "@" passasse a ser interpretado como unidade de peso. E que unidade? Ora, arroba, que era a unidade usual da época. Portanto a entrada era interpretada como "50 arrobas ao custo de 10 duros cada". Diz ele: "Tenham em conta que os carregamentos comerciais desembarcados nos portos eram, freqüentemente, fardos geralmente de uma arroba cada. A escolha, e a confusão, parecia óbvia" (talvez haja alguma imprecisão na citação, já que traduzir Catalão não é exatamente a tarefa que desempenho com maior proficiência - embora o faça com denodo e empenho; para ser franco, confesso que nem ao menos sabia que era capaz de fazê-lo até tentar).

Segundo mestre Sales i Porta, foi assim que o símbolo "@" passou a ser usado para representar a arroba. E, acrescenta ele, já poderia ter caído no esquecimento não fora por sua inclusão no teclado das máquinas de escrever (que surgiram nos EUA justamente no terço final do século XIX) representando o "em comercial", sentido com o qual era correntemente usado nas operações contábeis. Daí a figurar nos teclados dos computadores, que incorporaram os símbolos da mecanografia, foi um pulo.

Chega então o tempo da Arpanet. Mr. Ray Tomlinson acaba de desenvolver seu programa de correio eletrônico e precisa de um caractere para separar a identificação do usuário do nome do provedor, de preferência indicando que o usuário está "em" tal provedor. De repente se depara com o símbolo "@", bem na sua frente, no alto do teclado, significando "em". Se você estivesse no lugar de Mr. Tomlinson, que símbolo escolheria?

PS: Se tem um cara que eu respeito e admiro é Mestre Carlos Alberto Teixeira, o CAT aqui do caderninho. O que ele escreve, assino em baixo sem ler (aliás, diversas vezes tive mesmo vontade de fazê-lo). Agora, CAT, é o seguinte: "atachado" é o cacete! A última flor do Lácio, inculta e bela, seu idioma e patrimônio cultural, lhe oferece gentil e gratuitamente o termo "anexado" (ou, se preferir, "em anexo"), mais curto, mais bonito e, sobretudo, mais apropriado. Tradução escorreita do inglês "attached". Uma língua geralmente tão bem tratada por você em seus escritos, que lhe garante o pão de cada dia, merece mais respeito. Atachar nela (ou a ela? Desculpe, desconheço a regência de seu novo verbo...) esta excrescência, a meu ver, equivale a um estupro com desnecessários requintes de violência.

B. Piropo