Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
20/03/2000

< Diverte, Educa e Instrui >


Hoje vou contar uma historinha que diverte, pelo que tem de curioso, educa, pelo que ensina sobre fontes e instrui, pelo que permite deduzir sobre o comportamento das equipes que desenvolvem programas.

Há alguns dias um amigo - cujo nome me abstenho de declinar para não correr o risco de parecer gabola - me contava da sua perplexidade diante de uma "coisa estranha" que descobriu no Word 97. Experimente você também (mas só na versão 97; não sei se funciona nas anteriores e garanto que não funciona na 2000): carregue o Word, abra um documento novo, digite na primeira linha "=rand(200,99)" (assim mesmo, mas sem aspas), tecle ENTER e espere um pouco. O resultado é realmente espantoso: um documento de mais de duzentas páginas apenas com a frase "A ligeira raposa marrom ataca o cão preguiçoso" repetida vezes sem conta. E o amigo perguntava: "Por que isso estaria lá? Que loucuras não haverá mais dentro destas nossas máquinas?"

Loucura nenhuma. Foi fácil deslindar o aparente mistério aliando alguma dedução à erudição de meu amigo – que sabia ser o texto "a tradução literal de uma frase usada antigamente em inglês para testar teclados de máquinas, pois contém todas as letras da língua inglesa" (The quick brown fox jumps over the lazy dog).

Para que serviria uma frase como esta em um editor de textos? Ora, para testar fontes. De onde você pensa que vem o "desenho" dos caracteres que aparecem no vídeo? Como a máquina sabe a diferença entre o formato de uma letra "A" que usa a fonte Arial e o da mesma letra "A" usando Courier? É simples: consultando um "arquivo de fonte". Verifique: abra seu diretório WINDOWS\FONTS e veja quantos arquivos de extensão Fon ou Ttf ele abriga. Cada um corresponde a uma fonte e guarda o "desenho" das letras. Que pode ser radicalmente diferente de fonte para fonte (para um exemplo elucidativo, selecione um trecho de texto ao acaso no Word e altere a fonte para Symbol ou Wingdings). Pois se um destes arquivos de fonte se corromper, o resultado pode ser a exibição de caracteres deformados. E uma frase como aquela, em inglês, permite inspecionar todas as letras.

Sabendo disto, fica fácil deduzir o resto. Basta experimentar aquele comando "rand" com diferentes parâmetros para constatar que o primeiro valor entre parênteses corresponde ao número de parágrafos e o segundo ao de frases. E não fica difícil concluir que os responsáveis pelo desenvolvimento da versão original do Word, em inglês, conceberam aquela função para testar fontes. Se um usuário tem vinte fontes instaladas, basta digitar "=rand(20,10)" e formatar cada parágrafo com uma fonte para ver como todas as letras de todas as fontes são exibidas na tela. Um negócio bem pensado, sem dúvida.

Mas isso, naturalmente, só vale para a frase em inglês. Traduzida, não tem serventia alguma. Então, que diabo faz ela na versão em português?

Bem, acontece que programas complexos como o Word são desenvolvidos por equipes. E a equipe que criou o programa nada tem a ver com a que faz sua tradução (ou "localização", como prefere a Microsoft). Portanto, quando o tradutor se deparou com a frase no código do programa, não tinha a menor idéia da serventia daquele texto excêntrico perdido entre comandos e opções de menu. E nem se deu ao trabalho de indagar: simplesmente traduziu, cumprindo sua obrigação de tradutor (e competente, diga-se de passagem: sei de um monte de gente boa que cairia na armadilha de traduzir aquele "jumps over" por "salta sobre"). E ao fazê-lo, transmutou uma função útil em algo que não faz o menor sentido...

Percebeu agora como coisas aparentemente misteriosas na verdade são simples e tudo tem uma explicação?

Ótimo. Porque se percebeu, faça-me um favor: carregue agora o Excel (também somente da versão 97), abra uma planilha nova, tecle F5, digite "X97:L97" (sem aspas), clique no botão OK, tecle TAB uma única vez e pressione simultaneamente as teclas SHIFT e CTRL enquanto clica no botão "Assistente de gráfico" (aquele botão da barra de ferramentas padrão cujo desenho representa um gráfico de barras). Se fez tudo nos conformes, vai se deparar com uma paisagem lunar tridimensional, "navegável" movendo o mouse ou as setas de cursor.

Pois se um dia descobrir o que aquele negócio estrambótico está fazendo escondido em uma planilha tão respeitável, me explique...

B. Piropo