Hoje vou contar uma 
              historinha que diverte, pelo que tem de curioso, educa, pelo que 
              ensina sobre fontes e instrui, pelo que permite deduzir sobre o 
              comportamento das equipes que desenvolvem programas.
              
              Há alguns dias um amigo - cujo nome me abstenho de declinar 
              para não correr o risco de parecer gabola - me contava da 
              sua perplexidade diante de uma "coisa estranha" que descobriu 
              no Word 97. Experimente você também (mas só 
              na versão 97; não sei se funciona nas anteriores e 
              garanto que não funciona na 2000): carregue o Word, abra 
              um documento novo, digite na primeira linha "=rand(200,99)" 
              (assim mesmo, mas sem aspas), tecle ENTER e espere um pouco. O resultado 
              é realmente espantoso: um documento de mais de duzentas páginas 
              apenas com a frase "A ligeira raposa marrom ataca o cão 
              preguiçoso" repetida vezes sem conta. E o amigo perguntava: 
              "Por que isso estaria lá? Que loucuras não haverá 
              mais dentro destas nossas máquinas?"
              
              Loucura nenhuma. Foi fácil deslindar o aparente mistério 
              aliando alguma dedução à erudição 
              de meu amigo – que sabia ser o texto "a tradução 
              literal de uma frase usada antigamente em inglês para testar 
              teclados de máquinas, pois contém todas as letras 
              da língua inglesa" (The quick brown fox jumps over the 
              lazy dog).
              
              Para que serviria uma frase como esta em um editor de textos? Ora, 
              para testar fontes. De onde você pensa que vem o "desenho" 
              dos caracteres que aparecem no vídeo? Como a máquina 
              sabe a diferença entre o formato de uma letra "A" 
              que usa a fonte Arial e o da mesma letra "A" usando Courier? 
              É simples: consultando um "arquivo de fonte". Verifique: 
              abra seu diretório WINDOWS\FONTS e veja quantos arquivos 
              de extensão Fon ou Ttf ele abriga. Cada um corresponde a 
              uma fonte e guarda o "desenho" das letras. Que pode ser 
              radicalmente diferente de fonte para fonte (para um exemplo elucidativo, 
              selecione um trecho de texto ao acaso no Word e altere a fonte para 
              Symbol ou Wingdings). Pois se um destes arquivos de fonte se corromper, 
              o resultado pode ser a exibição de caracteres deformados. 
              E uma frase como aquela, em inglês, permite inspecionar todas 
              as letras.
              
              Sabendo disto, fica fácil deduzir o resto. Basta experimentar 
              aquele comando "rand" com diferentes parâmetros 
              para constatar que o primeiro valor entre parênteses corresponde 
              ao número de parágrafos e o segundo ao de frases. 
              E não fica difícil concluir que os responsáveis 
              pelo desenvolvimento da versão original do Word, em inglês, 
              conceberam aquela função para testar fontes. Se um 
              usuário tem vinte fontes instaladas, basta digitar "=rand(20,10)" 
              e formatar cada parágrafo com uma fonte para ver como todas 
              as letras de todas as fontes são exibidas na tela. Um negócio 
              bem pensado, sem dúvida.
              
              Mas isso, naturalmente, só vale para a frase em inglês. 
              Traduzida, não tem serventia alguma. Então, que diabo 
              faz ela na versão em português?
              
              Bem, acontece que programas complexos como o Word são desenvolvidos 
              por equipes. E a equipe que criou o programa nada tem a ver com 
              a que faz sua tradução (ou "localização", 
              como prefere a Microsoft). Portanto, quando o tradutor se deparou 
              com a frase no código do programa, não tinha a menor 
              idéia da serventia daquele texto excêntrico perdido 
              entre comandos e opções de menu. E nem se deu ao trabalho 
              de indagar: simplesmente traduziu, cumprindo sua obrigação 
              de tradutor (e competente, diga-se de passagem: sei de um monte 
              de gente boa que cairia na armadilha de traduzir aquele "jumps 
              over" por "salta sobre"). E ao fazê-lo, transmutou 
              uma função útil em algo que não faz 
              o menor sentido... 
              
              Percebeu agora como coisas aparentemente misteriosas na verdade 
              são simples e tudo tem uma explicação?
              
              Ótimo. Porque se percebeu, faça-me um favor: carregue 
              agora o Excel (também somente da versão 97), abra 
              uma planilha nova, tecle F5, digite "X97:L97" (sem aspas), 
              clique no botão OK, tecle TAB uma única vez e pressione 
              simultaneamente as teclas SHIFT e CTRL enquanto clica no botão 
              "Assistente de gráfico" (aquele botão da 
              barra de ferramentas padrão cujo desenho representa um gráfico 
              de barras). Se fez tudo nos conformes, vai se deparar com uma paisagem 
              lunar tridimensional, "navegável" movendo o mouse 
              ou as setas de cursor.
              
              Pois se um dia descobrir o que aquele negócio estrambótico 
              está fazendo escondido em uma planilha tão respeitável, 
              me explique...
            B. 
              Piropo