Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
03/09/2001

< Bug >


Saibam vocês que não apenas não sou o único a me referir a sítio da internet por seu nome em português como também estou em boa companhia: o fino comunicador Juca Kfouri, que trata o idioma com o merecido respeito, também o faz. Assim como o Adalberto Piotto, âncora do programa Sintonia CBN, que teve a gentileza de citar esse pobre escriba no encerramento de seu programa de 25/08 ao defender a tão vilipendiada última flor do Lácio inculta e bela, instrumento através do qual ganham a vida ele e o Juca e do qual eu me aproveito para perpetrar essas mal traçadas. Menos mal: quem sabe com adesões de peso como estas, comunicadores que se destacam pela forma correta e elegante com que usam o idioma, voltemos a falar português ao nos referirmos a coisas da internet e informática.

Isso, é claro, quando dá. Porque por mais que se defenda o idioma, há que se admitir que há casos em que se é obrigado a recorrer a um anglicismo. Por exemplo: “byte”. Como traduzir uma palavra que jamais existiu em seu idioma original (nem sequer é mencionada na edição do Webster de 1983) e foi criada para designar um novo conceito? Há quem defenda usar “octeto”. Mas isso não é traduzir, é inventar, já que octeto é outra coisa. Se considerarmos que pode significar um conjunto de oito elementos (o Aurélio não menciona essa acepção), haveria que especificar os elementos. Octeto de que? De bits? Mas nesse caso é preciso traduzir “bit”, uma contração na qual se aproveitou o “bi” de “binary” e o “t” de “digit” (ou o “b” de “binary” e o “it” de “digit”, se fizer diferença pra você). Traduzir para o que? Para “dio”, aproveitando o “di” de “dígito” e o “o” de “binário”? (ou, de novo, o “d” de “dígito” e o “io” de binário, se preferir). Não dá.

No que me diz respeito, uso um critério simples para decidir se devo ou não agredir meu idioma com mais um estrangeirismo. Se já existe expressão ou termo exato em português para exprimir a idéia, como o já citado “sítio”, “imprimir”, “iniciar”, “correio eletrônico” e “transferir”, procuro usá-lo em vez dos odiosos “site”, “printar”, “estartar”, “e-mail” e, oh Deus, “downloudear”. Mas se o termo foi criado no idioma nativo para designar um novo conceito surgido da evolução tecnológica, mantenho no original (como “mouse”, que não significa rato, mas camundongo, e é usado para designar um periférico que nada tem a ver com ratos ou camundongos, “setup” e “cache”) ou uso a forma aportuguesada (como “escaner” e “vídeo”). Em suma: há método em minha loucura. Uso um critério e procuro me ater a ele.

E “bug”? O que fazer com “bug”? Em inglês o termo é usado genericamente para designar “inseto”. Sabem vocês por que cargas d’água ele veio a ser empregado como sinônimo de falha em um programa de computador? Vale a pena descobrir.

Quem primeiro usou o termo com esse significado foi Grace Murray Hopper, uma das figuras mais fascinantes da história da informática. Mulher, oficial da Marinha dos EUA, envolveu-se com computadores desde as priscas eras da ciência da computação. Foi ela quem facilitou a vida dos programadores criando o primeiro compilador, um programa que verte as instruções em mnemônicos para códigos em linguagem de máquina. E participou da criação da linguagem COBOL, responsável pela disseminação da informática nos meios civis. Grace respondia pela operação de um dos primeiros computadores, um UNIVAC instalado em uma unidade naval americana. E um belo dia a máquina começou a apresentar um comportamento errático, típico de falha de programação. Mas por mais que se inspecionasse o código do programa, não se descobria nada que justificasse a falha.

Grace então resolveu examinar os relés, um conjunto de interruptores eletromagnéticos responsáveis pela execução do programa. E descobriu que em um deles, mais especificamente no de número 70 do painel “F”, uma pequena mariposa (um “bug”, portanto) havia se intrometido entre os contatos, isolando-os e causando a falha.

Grace, então, removeu o bug (“debugou” o programa?) e o colou com fita adesiva no livro de ocorrências do UNIVAC. Daí para a frente, quando um programa começava a se comportar de modo imprevisível, impossível evitar a pergunta: seria mais um “bug”? O termo pegou e vem sendo usado desde então. Melhor não traduzir.

Achou a história interessante mas pensa que eu a inventei? Pois acesse a página <http://ei.cs.vt.edu/~history/Bug.GIF> e veja com seus próprios olhos a foto da indigitada mariposa devidamente colada no livro de ocorrências. Uma rara oportunidade: examinar a evidência do primeiro bug jamais encontrado em um programa de computador.

B. Piropo